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Quadro de Cristiano Banti (1857) de "Galileu diante da Inquisição Romana". Fonte: Wikipedia. |
Recebemos um comentário sobre um post de 2019 que escrevemos: "Existem provas do heliocentrismo?" que pode ser lido neste blog.
Um dos nossos leitores, identificado como "Frederico", a quem agradecemos, fez alguns comentários interessantes cuja réplica, acreditamos, é de interesse de todos. Escrevemos alguns comentários abaixo sobre alguns pontos que Frederico expõe sobre esse assunto do "Julgamento de Galileu" que até hoje nos fascina.
Os comentários de Frederico estão em itálico. Infelizmente, não consegui achar os originais em latim ou italiano da sentença do julgamento de Galileu. Eles estão disponíveis, porém, em inglês, pelos links fornecidos abaixo.
A igreja nunca condenou Galileu por defender o sistema heliocêntrico...
A sentença do julgamento de Galileu é pública e conhecida. Há versões traduzidas em inglês disponíveis online. Uma delas é:
Em um documento mais completo, o indiciamento, sentença e abjuração de Galileu podem ser lidos aqui:
No primeiro link, podemos ler claramente que Galileu foi condenado por apoiar a seguinte ideia:
"The proposition that the Earth is not the center of the world and immovable but that it moves, and also with a diurnal motion, is equally absurd and false philosophically and theologically considered at least erroneous in faith."
ou,
A proposição de que a Terra não é o centro do mundo e é imóvel, mas que ela se move, e também tem movimento diurno, é igualmente absurda e falsa tanto filosoficamente quanto teologicamente e considerada, no mínimo, errônea na fé.
O "movimento diurno" (destaque) é justamente a rotação da Terra. Não só se acreditava que a Terra não girava em torno do sol, como que ela estaria absolutamente imóvel - não girava - em torno de seu eixo.
Em suma, ele foi condenado exatamente por defender o sistema heliocêntrico e o movimento de rotação da Terra.
...mas por se intrometer em assuntos de exegese bíblica e por apresentar seu modelo sem as provas cabais...Galileu não se intrometeu em assuntos bíblicos. A questão é que, por um erro grosseiro de interpretação bíblica (sim, a tal "exegese" sempre foi considerada perfeita, mas hoje sabemos que não é, sob o risco de se invalidar toda a Bíblia), um trecho específico, o de Josué 10:12-14, foi usado por autoridades da inquisição da época como "provando" que o sol é que, em verdade, se movia em torno da Terra.
Então, falar em necessidade de "provas cabais" quando a própria interpretação de trechos da Bíblia era usada como testemunho de verdade não tem sentido.
O mais correto é afirmar que não havia uma ciência suficientemente desenvolvida na época que entendesse o que seria uma prova válida no caso do movimento da Terra. Entretanto, como já explicamos
aqui, o movimento de Vênus (facilmente observável pelo telescópio de Galileu) era uma "prova cabal" - no sentido de "física, apreciável pelos sentidos", de que esse planeta se movia claramente em torno do sol. A mesma prova vale para mercúrio. Com isso, Galileu havia claramente desbancado uma grande classe de sistemas do mundo geocêntrico de sua época. Restaria apenas o sistema Ticônico que Tycho Brahe havia "demonstrado" como verdadeiro por causa da ausência de paralaxe estelar.
De resto, a Igreja apenas reconheceu seu erro no julgamento de Galileu em 1992. Porque isso aconteceu provavelmente se deve a questões internas da Igreja, do que ela entende por "prova" e sua dificuldade em compreender esse conceito do ponto de vista científico, afinal, padres, com raríssimas exceções, não são cientistas.
...o que hoje se faz com quem contesta por exemplo o heliocentrismo, que é censurar de forma histérica, e dizer que é um absurdo defender o geocentrismo, é justamente aquilo que a igreja não fazia, ao contrário, era ela que promovia o debate sobre hipóteses em conflito.
Portanto, a Igreja defendia sim o sistema geocêntrico. Na parte final da sentença, podemos ler que Galileu foi condenado justamente por:
"...namely, of having believed and held the doctrine—which is false and contrary to the sacred and divine Scriptures—that the Sun is the center of the world and does not move from east to west and that the Earth moves and is not the center of the world".
A saber, ter acreditado e mantido a doutrina - que é FALSA e CONTRÁRIA às Sagradas e Divinas Escrituras - de que o sol é o centro do mundo e não se move de leste para oeste e que a Terra se move e não é centro do mundo.
Em outros termos, não houve "debate" algum (embora Galileu tenha insistido, de forma ingênua, que poderia convencer o juri), mas aplicação de uma condenação que foi seguida da abjuração de Galileu.
É até possível acreditar que em algum tempo (principalmente durante o Renascimento), algumas autoridades da Igreja fossem simpáticas ao heliocentrismo, mas, com o surgimento da Reforma Protestante, os ânimos mudaram e a tese foi considerada - já na época de Galileu - como herética e "perigosa", como declarado na sentença do julgamento. A sentença considerou a defesa de Galileu como "um erro grave e pernicioso" porque era considerada perigosa para a época.
Dado o desenvolvimento teórico e experimental de nossa época, a imensa quantidade de dados e resultados de medidas de alta precisão e os resultados em termos de produtos funcionais em posicionamento via satélite, a questão sobre o movimento da Terra pode ser considerada como resolvida.
Você pode ter a certeza que for, mas não é nada científico bradar contra a discussão, dizendo que quem discorda de você é maluco, e tem que ser calado.
O debate e a discussão estão no cerne do pensamento científico quando se trata de analisar teses não decididas sobre fatos da Natureza.
Outra coisa bem diferente é insistir na cientificidade de uma opinião, argumento ou tese já resolvida há mais de 400 anos.
Para as pessoas bem instruídas de hoje, é, portanto, um absurdo defender o geocentrismo em pleno século XXI.
Isso não quer dizer que aos detratores não se possa conceder o direito de pensar diferente. É um direito certamente sagrado acreditar no que se quiser, que faz parte do "fórum da consciência" de cada um. O que é difícil aceitar é que todos os outros tenham que reconhecer a validade de teses ultrapassadas e claramente em oposição à natureza e à realidade, ou defender teses falsas "em pé de igualdade" com a verdade.
O grande interesse pelo julgamento de Galileu é que, não obstante possa se defender que ele não tenha apresentado "provas cabais", ele estava certo. Estivesse ele errado, jamais hoje eu estaria aqui a escrever sobre ele e seu infeliz julgamento.
Esse julgamento acabou se transformando numa pedra no sapato da Igreja, e concordo que é um sinal de advertência a qualquer organização ou grupo de pessoas que pretenda instituir julgamentos definitivos em matéria incompleta ou não decidida.
Se a Igreja considerava o assunto não resolvido, que deveria ser ainda analisado ou que precisava de mais prova, por que ela deu início ao julgamento de Galileu? Por que iniciar um julgamento sobre coisa não decidida? Como julgar alguém com base em matéria impossível de se apresentar provas?
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ResponderExcluirPrezados Leitores: o tal "Frederico" respondeu nosso comentário com palavras de baixíssimo calão, a demonstrar o tipo de debate que ele pretende fazer neste espaço. Por ter violado as regras deste blog, ele não só demonstra que tipo de personalidade é, mas também impede a continuidade do debate. Tivesse ele agido de outra forma, seus comentários não teriam sido apagados.. Os leitores poderão acessar os seus "argumentos" na resposta que preparamos acima.
ResponderExcluirSobre a forma como Galileu foi 'julgado', sobre a composição, objectivos e métodos da Inquisição e o que era à época definido como sabedoria infalível da Igreja, há muito ficou evidente e a própria Instituição retratou-se no final do século passado sobre a brutalidade com que as heresias eram punidas. Insistir agora sobre provas científicas acerca do heliocentrismo e tentar manter uma discussão séria sobre isso é alimentar má fé, provocação ou fanatismo. Dar conversa é como alimentar uma discussão sobre terraplanismo: não se pode levar a sério...
ResponderExcluirMas aproveito para fazer uma pergunta que decorre da questão de fundo: é ou não legítimo considerar que num espaço-tempo infinito (ou Cosmos, ou multiVersos, como se quiser...), qualquer ponto é o Centro? Num Infinito não fará sentido dizer que Terra, ou o Sol, ou uma Galáxia NGC qualquer coisa é o Centro?
Muito obrigado
"Insistir agora sobre provas científicas acerca do heliocentrismo e tentar manter uma discussão séria sobre isso é alimentar má fé": Por favor, Luís B. peça para uma enorme orda de alienados que insistem que a Terra é plana e que está no centro do Universo para verificarem antes as provas do Heliocentrismo. Tudo estaria muito bem se não houvesse pessoas irresponsáveis - e não são poucas - que insistem em dizer que a "liberdade de expressão" dá a elas o direito de propagarem mentiras. Então, não é "má fé" apresentar essas provas, foi justamente para essas pessoas que este post foi escrito.
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Excluir"é ou não legítimo considerar que num espaço-tempo infinito (ou Cosmos, ou multiVersos, como se quiser...), qualquer ponto é o Centro? Num Infinito não fará sentido dizer que Terra, ou o Sol, ou uma Galáxia NGC qualquer coisa é o Centro?"
ExcluirDiante do infinito, não faz nenhum sentido a ideia de "centro". A noção de "centro" sempre foi algo relativo, porque há que se ter uma borda para que um centro exista. Só que adeptos do terracentrismo se apegam a esse conceito para garantir privilégios na criação ao homem, algo que não existe na Natureza. Somos parte dela e não uma casta de privilegiados. Além disso, dada a existência de trilhões de estrelas no Universo que podem abrigar outros tantos trilhões de humanidades, qualquer uma delas pode igualmente se considerar "o centro do Universo". Então, qual o sentido da ideia de centro?