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04 janeiro 2016

Ocultações como método de medida celeste.

Registro de uma ocultação de Saturno pela Lua em 2 de março de 2007 por Dave Smith (fonte: http://astrosnaps.co.uk/). O tempo de ocultação do disco do objeto pode ser usado para se determinar o diâmetro aparente e "real" conhecendo-se sua distância.  
Ocultações lunares sempre foram ocasiões importantes de medida em astronomia. Isso porque a velocidade da lua no céu é conhecida e, a partir dessa velocidade, é possível usar a lua como uma espécie de "paquímetro cósmico" e medir tamanhos de objetos ocultados. O objetivo esse post é mostrar de forma aproximada como isso pode ser feito. Para isso usamos de geometria, uma disciplina muito antiga, irmã da matemática. 

Qual é a ordem de grandeza desse "paquímetro cósmico"? O tempo de revolução lunar (período de revolução da lua) em torno da Terra deve descontar o movimento do par "Terra-Lua" em torno do próprio sol. Portanto, para se ter um valor mais correto para a velocidade angular da lua, devemos determinar essa velocidade em relação ao fundo do céu e usar o chamado "mês lunar sideral", que é de aproximadamente 27.322 dias e não o mês sinódico (1). Uma vez que uma dada posição no terminador lunar varre 360 graus, então a velocidade angular aparente média da lua (vL, ver Fig. 1) em torno da Terra é

vL=360*60*60/(27.322*24*60*60)=360/(27.322*24)=0.549"/s (segundos de arco por segundo)

que é igual a 0.549 graus por hora ou minutos de arco por minuto. Portanto, em um minuto (=60 s), a lua cobre aproximadamente 32.94 segundos de arco no céu.  Isso significa que, se tivermos como medir com precisão o tempo, podemos usar o período da ocultação, que chamamos aqui Δt (início da imersão no limbo até desaparecimento completo), como uma medida de extensão. Com o conhecimento da distância do objeto, é possível saber seu tamanho. Do contrário, conhecendo sua dimensão, pelo tempo de ocultação determinamos sua distância. 

Por exemplo: Sabemos que o diâmetro equatorial de Júpiter (Dia_jupiter) é da ordem de 139 820 km. Ele foi ocultado pela lua, e o tempo Δt de desaparecimento do disco de Júpiter foi de 1 minuto e 7 segundos ou ~67 segundos. Qual a distância de Júpiter da Terra?

No cálculo da resposta, desprezamos o movimento de translação da Terra, o movimento próprio de Júpiter durante seu desaparecimento, assim como diferenças de posição geométrica (parte do terminador lunar onde ocorreu a ocultação) e admitimos que ela se deu ao longo do "equador" lunar. Uma regra de três simples, permite obter sua distância D,

(Dia_jupiter)/D= (67s/60s)*32.94"=36,783"=1.78328E-4 rad.

O resultado final deve ser escrito em radianos para se obter uma relação direta com a proporção de distâncias (Fig. 1). Invertendo-se a equação encontramos D = 139820km/1.78328E-4=7.84E8 km ou aproximadamente 784 milhões de quilômetros. Veja o papel importante da velocidade vL na equação acima. Ela é a constante que resulta no diâmetro aparente de Júpiter (36.78") para se obter a razão das distâncias em radianos.  Esse diâmetro também poderia ser obtido por um micrômetro filar mas, mais recentemente,  o registro de imagens tornou a astronometria uma ciência mais precisa.
Geometria do fenômeno da 
ocultação lunar.

Aplicação às estrelas.

Sem dúvida, o método da ocultação lunar permite determinar diâmetros ou distâncias. O mais natural é que sirva, no sistema solar, para se inferir o diâmetro de objetos já que suas distâncias são calculadas a partir da dinâmica de movimento (3a lei de Kepler). Mas, poderiam as ocultações serem usadas para se medir estrelas?

Para saber isso, basta calcular o tempo de ocultação de uma estrela, digamos, a 10 anos-luz de distância da Terra (que está praticamente na vizinhança do Sol) admitindo novamente que se trata de uma ocultação no "equador lunar" (ou seja, não é "rasante"). Esse tempo de ocultação deve ser comparado ao período de amostragem do medidor - no caso, representamos como o tempo de tomada de cada pose, ou tempo de exposição da uma câmera. Esse cálculo é importante porque vai mostrar que não basta ter um método, é preciso haver resolução suficiente para sua medida.

Imaginemos uma estrela com o diâmetro igual ao do Sol, ou dia_sol = 1 394 000 km. Agora, 1 ano-luz é igual a 9.461E12 km. Portanto, o diâmetro aparente da estrela será de

dia_sol/D = 1394000km/9.461E13km = 1.4734E-8 rad. 

Ora, o ângulo resultante da razão entre as distâncias corresponde a um diâmetro aparente de 5.3E-5". Para saber o tempo de ocultação do disco da estrela, dividimos pela velocidade aparente da lua:

Δt=5.3E-5"/0.549"/s ~ 1.E-4 s

que é aproximadamente igual a 1/10000 segundos! (um valor mais preciso é 9.66E-5 s). Para se determinar o tempo de ocultação com razoável precisão, uma câmera com resolução temporal dez vezes maior é recomendada. Portanto, para se medir tal diâmetro de estrela, uma câmera com 100 mil quadros por segundo seria necessária. Existem câmeras especialmente desenhadas e construídas - para fins de pesquisa - com essa "frame rate" ou até mais (2), porém, nenhuma câmera comercial está disponível com tal característica. 

Portanto, nenhum amador, munido das melhores câmeras existentes, conseguirá presentemente medir o diâmetro de uma estrela próxima com base no método da ocultação. Ainda que a estrela estivesse 10 vezes mais próxima (a 1 ano-luz, por exemplo) ou fosse 10 x maior que o Sol, ainda assim seria impossível resolver seu diâmetro por esse método.  E a situação é ainda pior para a imensa maioria das estrelas que estão a centenas de milhares de anos-luz de distância da Terra...

Referências



02 outubro 2012

Lembranças da UBA

A Astronomia é conhecimento superior que, se plantada na mente correta, pode despertar o interesse para o conhecimento científico de quase todas as outras ciências. A astronomia faculta a seus amantes uma prática maravilhosa: a astronomia amadora. Feita de noites sem conta de espera, observações em total escuridão para fazer valer os esforços na aquisição de instrumental apropriado para observação, a astromomia amadora não precisa de explicações para se definir como um dos mais belos hobbies que alguém pretenda cultivar.

A década de 80 foi a última que antecedeu diretamente a idade digital com a internet. Naquela época, não existiam 'e-mails' nem mecanismos de busca - a internet germinava ainda em apenas alguns laboratórios mais avançados do mundo. O conhecimento de qualidade sobre Astronomia para leigos (e astrônomos amadores) estava limitado aos livros, muitos dos quais restritos à lingua inglesa. Fenômenos celestes, como hoje, dificilmente eram matéria de jornais e revistas em circulação na época. Mas uma instituição corajosa fez história naquela década: a União Brasileira de Astronomia

Eu fui um dos assinantes dos seus boletins. Minha coleção muito restrita limita-se a alguns números dentre 1983 e 1985 na esteira dos preparativos para o periélio do cometa Halley em 1986. Abaixo reproduzo uma das capas dos 'Informativo Astronômico' da UBA. Esta capa é a da edição de Março-Abril de 1983. A UBA nessa época era administrada por Luiz Augusto L. Silva,, Gilberto Klar Renner e Alceu Féliz Lopes. O boletim para mim, não obstante a 'pobreza gráfica' comparada aos recursos atuais, era muito completo, trazia um artigo principal, notícias sobre associações astronômicas dentre outras. Numa coleção de 'seções' (de cometas, variáveis, solar, 'clube Messier') informação sobre os últimos acontecimentos eram trazidos para os astrônomos amadores na época.
Capa do 'Informativo Astronômico' da UBA de Março-Abril de 1983.
Hoje, onde podemos encontrar um orgão, referência ou centro onde alguma informação sobre aspectos práticos da astronomia amadora? Há centenas de páginas na WEB, ao se alargar o horizonte para abarcar páginas em lingua inglesa, esse número cresce talvez aos muito milhares. Essa pulverização da informação em milhares de fontes é muito positiva, pois mostra o crescente interesse pela Astronomia e abre possibilidades para que grupos locais organizem-se e produzam trabalhos interessantes em astronomia amadora.

Agora, não podemos deixar de registrar nossa impressão também que semelhante crescimento de volume de informação não está necessariamente ligado ao aumento de qualidade: faz-se muito do mesmo, conteúdos são incessantemente replicados sem qualquer compromisso com a qualidade final. Além disso, a multiplicidade de fontes - aliadas a existência de inúmeros softwares de simulação do céu - aumenta o isolamento entre grupos e entre indivíduos, pois cada um é capaz de, sozinho, cuidar de si. Há interesse por astronomia amadora, mas esse interesse é privativo a pequenos grupos e a imensa maioria dos indivíduos que, assim, deixam de compartilhar suas informações e experiências conjuntas.

Além disso, o crescente número de projetos de sonda e telescópios avançados por nações mais organizadas, faz com que tenhamos a impressão que a observação do céu por um amador é algo inútil. Se ao amador é vetado o ingresso à pesquisa de ponta - a prática da observação em grupos ou o compartilhamento de experiências demonstra um grau de maturidade e colaboração que é imprescindível para as grandes realizações científicas.

Assim, por enquanto (isto é, enquanto as campanhas dos super projetos continuarem), podemos dizer que a astronomia amadora é uma prática cada vez mais privativa mas de grande importância para a formação científica de indivíduos de forma geral. Para aqueles a amam verdadeiramente, nenhum recurso profissional irá diminuir o prazer de uma boa noite de observação. E apenas aqueles que já experimentaram uma boa noite de observação podem corretamente julgar isso, não importa a quantidade de fontes de informação modernas disponíveis sobre o céu.