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08 outubro 2020

Uma rara monografia sobre Marte por R. R Freitas Mourão

 

Podemos calcular, portanto, que a observação telescópica nas condições mais favoráveis será um disco - equivalente, em superfície, a 16 luas cheias. O número de detalhes observáveis, então, com um tal aumento será teoricamente imenso. Para o astrônomo, entretanto, ver "tudo o que se pode ver" sobre a superfície de Marte, serão necessárias observações persistentes, noite após noite, no fim das quais seus olhos tornar-se-ão cada vez mais espertos, até que, por fim seja fácil distinguir pormenores superficiais completamente invisíveis no começo. (R. R. de Freitas Mourão, "O Enigma Marciano").

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão (1935-2014) foi um conhecido astrônomo brasileiro e diretor do Observatório Nacional. Dotado de uma cultura imensa, ele escreveu dezenas de obras relacionando a Astronomia com inúmeros outros temas. 

Já escrevemos aqui, na ocasião de seu falecimento, uma descrição de sua bibliografia. Em nossa biblioteca particular encontramos um livro antigo de nossos pais, a coleção "Ciência Atraente e Recreativa" da década de 50, editada por Ary Maurell Lobo (quinto livro), um interessante ensaio de Mourão, apresentado como aluno do Colégio Andrews no Rio de Janeiro. 

Trata-se do ensaio "O Enígma Marciano" (Fig 1 e ref. 1), na grafia típica da época. Ainda com 21 anos, seu estilo parece não ter se modificado. Isso indica a precocidade de sua personalidade e que a metodologia que ele adotaria para escrever suas obras já estava definida desde muito cedo.

Página Inicial do Ensaio de Mourão sobre Marte
Fig. 1 Página inicial do ensaio de Mourão sobre Marte.

O editor da obra, que também era professor de Mourão, afirma na introdução não ter realizado nenhuma alteração no manuscrito original. Embora sem contar com uma lista de referências bibliográficas, o texto é repleto de citações, mostrando que Mourão já tinha, desde muito cedo, acesso a uma grande quantidade de informação sobre a astronomia marciana ou "aerografia". 

O texto é interessante para historiadores da Astronomia Nacional, porque revela o conhecimento que tínhamos então - na era pré-espacial - sobre Marte. Sua relevância cresce por representar a opinião de um autor nacional - ainda que muito jovem. Assim, pela comparação entre o que sabemos hoje e o texto de Mourão, fazemos ideia do quanto avançamos nesse conhecimento ou não. 

Mourão mistura informações de então - colhida de nomes profissionais como G. Vaucouleurs e G. Kuiper - com dicas sobre como observar marte, bem como conexões com a mitologia e a história da Astronomia. Na época, sobravam teorias sobre como uma possível vegetação poderia ser responsável pelas alterações de cor e tonalidade observadas na superfície de Marte, todas elas realizadas por meio de telescópios terrestres e sem a ajuda de sondas espaciais. 

Exemplos: sobre a descoberta dos satélites de Marte por A. Hall, descreve Mourão:
Em 11 de agosto (1877), Hall, juntamente com a sua secretária (que por sinal era a sua esposa), e, com ele, também se mostrava bastante interessada nessa pesquisa), observa o primeiro satélite de Marte (Deimos). Como nas cinco noites subsequentes não faça bom tempo, no dia 17 é que ele volta a pesquisar as vizinhanças de Marte, encontrando, então, o segundo satélite (Fobos). (p. 161)
Fig. 2 Desenho clássico de Marte e especulações de Mourão
na legenda sobre a superfície marciana.

Especulações da época estão presentes na monografia (Fig. 2), demonstrando as crenças entre astrônomos sobre a dinâmica da superfície de Marte. Um autor muito citado por Mourão é Gérard Henri de Vaucouleurs (1918-1995). Por exemplo:
São tais variações de coloração as que maior interesse despertam, por estarem estreitamente ligadas à existência de uma possível vegetação no planeta. G. Vaucouleurs observou que elas estão relacionadas com a chegada nessas regiões de uma onda de umidade, que se propaga por difusão na atmosfera seca, alternativamente, a partir das regiões polares Norte e Sul ao curso da evaporação vernal dos depósitos de gelo polar. ("Manchas Escuras", p. 165)
essa opinião, de fato, fazia sentido na época, pois era natural imaginar que água evaporada ou derretida das calotas polares (que se podia ver apresentavam modificações visíveis de tamanho) poderia "inundar" os desertos ou estepes secas do planeta e fazer crescer a vegetação. Hoje sabemos que parte das calotas polares se derrete e é formada por água, mas opinião mudou desde Mourão sobre a composição das calotas. O fato é que a atmosfera de Marte, sendo muito tênue, não permite esse fenômeno de "difusão de umidade" especulado por Vaucouleurs. 
  
Sobre o aspecto de Marte ao telescópio, Mourão escreve:
Examinado ao telescópio, três quartas partes aproximadamente da superfície de Marte apresentam uma tonalidade rósea ou ocre. Elas são, de um modo geral, bastante monótonas e de grande estabilidade. seu relevo è assaz moderado, pois as deformações observadas atingem no máximo 2 a 3000 metros. Entretanto, algumas vezes, aparecem pequenos pontos brancos em certas partes fixas, que talvez sejam montanhas isoladas, muito altas, capazes de favorecer uma condensação de gelo ou nuvens. Esses pontos esbranquiçados tem sido observados por vários astrônomos, entre eles: Schiaparelli, Jarry-Desloges, Wright, Maggini, Trumpler e Antoniadi. ( "Manchas Claras", p. 168)
De fato, tais ideia se confirmaram. A "Nix Olympica", por exemplo, foi identificada mais tarde como o topo de um dos mais elevados vulcões do sistema solar, o "Olympus Mons" com 21 km de altitude. 


Sobre os canais (Fig. 3), Mourão faz um resumo da polêmica ainda existente na época sobre a existência dos canais marciano. 
Foi no histórico ano de 1977 - marco de uma nova aerografia, como muito bem asseverou o grande Flammarion - que, no Observatório de Milão, Giovanni Schiaparrelli observou traços mais ou menos regulares e finos, atravessando as regiões desérticas do planeta. Na denominação destas formações usou Schiaparelli o vocábulo italiano "canali", no seu sentido de origem (traço, linha etc), que, entrentanto, com o tempo - terrível é a deturpação das palavras! - passou a significar canais artificiais. Logo após, em 1886, o mesmo astrônomo relatava, perante a Regia Academia dei Lincei, o curioso fenômeno de "geminazione", por ele observado, em 1881 e 1882, no qual os canais se desdobravam em outros paralelos. (p. 173)
Mourão descreve a controvérsia (ver ref. 3) e divide os nomes de astrônomos em dois times: os que observaram o fenômeno dos canais e os que não conseguiram ver nada. Mourão cita Domingos Costa (1880-1956) como um dos que não conseguiram ver os canais de Marte (ver ref. 2). 

Fig. 3 Reprodução do famoso mapa de Schiaparelli dos canais de Marte na monografia de Mourão. 

A solução? Segundo Mourão, ela estava na próxima oposição de Marte, que ocorreria no ano da publicação de sua dissertação:
Contudo, a grande esperança para a completa elucidação dos canais é a próxima oposição deste ano, em que se utilizará o telescópio de 200 polegadas, de Monte Palomar - que pode fotografar Marte em exposições de um décimo de segundo ou menos - para se obter um número imenso de fotografias (na oposição de 1954, foram tidadas 8.100 fotografias, nos Observatórios de Monte Wilson e Palomar), que permitirão revelar a existência e a estrutura real dos "canais". (p. 174)
Desnecessário dizer que não houve solução alguma pelo telescópio de Palomar. De qualquer forma, na grande oposição de 2020, homenageamos aqui seu autor que, no cenário nacional presente de desencando e desinformação, está fazendo muita falta.

Referência
  1. R. R. F. Mourão (1956) - "O Enigma Marciano". Ciência Atraente e Recreativa, 5 Livro. p. 157-176. Interessados podem escrever para o autor deste post sobre como obter acesso ao texto integral. 
  2. Sobre Domingos Costa: http://brasilianafotografica.bn.br/?tag=domingos-fernandes-costa
  3. O que aconteceu aos canais de Marte? http://astronomiapratica.blogspot.com/2015/02/o-que-aconteceu-com-os-canais-de-marte.html

05 janeiro 2018

Conjunção e Marte e Júpiter em Janeiro de 2018.

Fig. 1 Aspecto da conjunção na constelação da Libra entre Marte e Júpiter em 7/1/2018.
Uma conjunção entre Marte e Júpiter será visível na constelação da Libra, antes do nascer do sol nos dias 5, 6,  7 e 8 de Janeiro de 2018. O máximo de aproximação ocorrerá no dia 7/1/2018 (ver Fig. 1) com  uma separação aparente média estimada entre os dois planetas da ordem de 14 minutos de arco.

Uma conjunção tripla, com a Lua, poderá ser observada em 11/1/2018, novamente antes do nascer do sol deste dia (Fig. 2). 

Fig. 2 Aspecto da conjunção tripla entre Júpiter, Marte e a Lua em 11/1/2018 antes do nascer do sol.



07 fevereiro 2015

O que aconteceu aos canais de marte?

Fig. 1 Imagem comparativa de um mapa feito por Eugene Michel Antoniadi (1870-1944) e imagem do telescópio Hubble de marte. Essa imagem estabelece uma "comparação areográfica" entre as mesmas regiões de marte como vista por Antoniadi e registradas pelo Hubble modernamente. O telescópio Hubble é um dos mais avançados sistemas de observação criados, enquanto que Antoniadi foi um dos mais hábeis observadores do início do Século XX. Ver também Fig. 4.

"Além disso, a maioria dos canais que foram observados visualmente 
no Observatório de Lowell foram gravados repetidas vezes em 
um grande número de fotografias feitas durante os últimos quinze anos.

Finalmente, que as observações visuais extensivas feitas nesse 
observatório foram confirmadas in toto e corroboradas 
em detalhes pelas fotografias." (E. C. Slipher, ref. 17)

"Tenho a suspeita irritante de que existe ainda uma característica
essencial no problema dos canais marcianos 
que ainda permanece desconhecida." (C. Sagan, "Cosmos", 1980)
A maior parte da "geração do milênio" conhece, do planeta marte, imagens trazidas por sondas de exploração (1) que desceram naquele planeta e revelaram detalhes sem precedentes. Há porém uma história esquecida de exploração de marte, história feita de personagens que estudaram com sinceridade e fervor a superfície daquele planeta, não obstante as limitações de recursos técnicos e as distâncias de milhões de quilômetros envolvidas.

Hoje, a maioria dos textos que relatam as observações dos famosos canais marcianos restringem a estória a invenções criadas por dois observadores (1b): Giovani Schiaparelli (1835-1910) e Percival Lowell (1855-1916). Sobre Schiaparelli - o descobridor dos canais - a pouco confiável "Wikipedia" diz que ele "inadvertidamente popularizou a falsa ideia de canais artificiais em marte" (2). O "inadvertidamente" distorce o registro histórico do que realmente aconteceu. O fato é que a esses dois astrônomos é imputada a culpa pela propagação da existência dos canais (3). Na verdade, a época que se estendeu desde meados do século XIX até praticamente a década de 1960 foi marcada pela crença generalizada na academia na existência dessas construções, o que não é ressaltado nos textos modernos ou postagens da rede que pretendem descrever esse capítulo da história da Astronomia.

Fig. 2 O refrator Merz do Observatório de Brera (4).
Esse telescópio funciona até hoje e foi usado por
Schiaparelli em seus estudos areográficos.
Artigos científicos que relatam observação dos canais

Felizmente, é possível hoje em dia pesquisar artigos desse período e conhecer a opinião de outros observadores sobre a visualização de estruturas filiformes na superfície de marte. Por meio do refrator "Merz" (Fig. 2), Schiaparelli fez mapas detalhados da superfície de marte mostrando o que ele chamou "canali". Pretende-se explicar a estória dos canais como estruturas artificiais por um problema semântico entre a tradução da palavra "canali" em Italiano para "canals" em Inglês. O fato é que essas sutilizas semânticas não têm relação com o que outros observadores afirmaram ter visto em sucessivas oposições de marte no final do século XIX e início do século XX.

Nossa busca se deu no "SAO/NASA Astrophysics Data System" (6) em um período que vai de 1886 a 1954. É importante que o leitor esteja contextualizado no debate que ocorreu na época. Havia dois grupos de astrônomos: os que aceitavam a existência dos canais e os que afirmavam nunca ter observado as estruturas. Ainda que a balança da história tenha pendido  a favor desses últimos, é possível entender as falhas de observação a inúmeros fatores climáticos e de favorabilidade da oposição de marte. Do lado dos "crentes" haviam figuras ilustres como Antoniadi, por exemplo, sobre quem se afirma ter sido um crítico da existência dos canais, o que não é verdade (ver Fig. 1 e Fig. 4). Tudo isso aumenta o mistério em torno do tema, porque as teorias de ilusão - criadas para explicar o que Schiaparelli e Lowell viam com seus telescópios - não explicam porque esse fenômeno não se repete hoje em dia.

Fig. 3 Correspondência entre um mapa de Schiaparelli
e uma imagem moderna da região de Elysium e Syrtis
Major. 
Um artigo que chama a atenção é "Analysis of the Martian Canal Network" (5) de W. A. Webb (1955). Logo na introdução do artigo, esse autor declara:
Edison Pettit (*) confirmou a existência dos canais em 1939 e se convenceu de que eles eram tão numerosos quanto representados nos mapas de Schiaparelli de marte. Assim como Trumpler, ele também deixou de comparar seus desenhos com aqueles mapas de marte até que oposição passasse e seus desenhos fossem preparados para publicação.
A referência a Pettit citada é de um artigo publicado na "Associação de Astronomia do Pacífico" em 1947. Portanto, vê-se que até a década de 1950, havia pesquisadores que afirmavam a existência dos canais, o que mostra que essa estória não morreu com Schiaparelli e Lowell. O mais interessante desse relato é que, para reforçar a existência dos canais, era exigido que novos observadores não se influenciassem pelos mapas de Lowell e Schiaparelli. Acreditava-se que a simples consulta a tais mapas poderia induzir observadores a ver através do telescópio a existência dessas estruturas.

Na "Memoir of the British Astronomical Association" (7) , há na "seção de marte" uma relação de canais de marte e seus respectivos observadores. De lá extraímos a seguinte passagem:
O diretor, Mr. Cammell, nota que o número de canais observados foi 27. O Jamuna foi o único canal duplo visto distintamente. Gehon e o Ganges eram aparentemente duplos. Anubis, Astusapus e Astaboras eram visto como manchas sombreadas. Os canais nunca foram vistos muito distintos ou pretos, com exceção do Ganges que, em várias ocasiões, era sempre negro.
O Sr. Roberts fala em marcas sendo vistas distintamente quando a definição de imagem era boa.
O Sr. Antoniadi, depois de contar 42 canais, menciona um novo, visto em primeiro de Novembro, que não aparece nos mapas de Schiaparelli, mas que foi visto por observadores de Lick em 1892.
As observações mais precisas dos canais foram feitas pelo Sr. Stanley Williams. Seu relatório é reproduzido completamente.
Nesse artigo, vários nomes de observadores são citados, indicando os canais que eles observaram. Nomes como "Anubis", Astusapus", "Astaboras" e "Ganges" correspondiam à nomenclatura dada por Schiaparelli para os canais. O leitor deve atentar para o fato de os observadores nesse relatório confirmarem a existência dos canais "quando a definição da imagem era boa", o que está ligado à oscilações na imagem causada por turbulência atmosférica (8). Quem já observou qualquer planeta com grandes aumentos está acostumado ao fenômeno. Logo, as marcas filares eram vistas quando a turbulência se reduzia consideravelmente, o que ocorria apenas durante alguns minutos.

Fig. 4 Mapa de E. Antoniadi de marte mostrando os canais. Fonte (9).
Frequentemente, fala-se que os tais canais só poderiam na época ser vistos com telescópios de pequena abertura (abaixo de 10 polegadas). Sabe-se que a turbulência atmosférica influencia mais a formação de imagem com aberturas maiores. Isso é fácil de ser entendido considerando que, com aberturas maiores, a frente de onda que forma a imagem é maior (se comparada, por exemplo, à metade da abertura), de forma que a turbulência atmosférica é mais eficiente em deformar a imagem final com grande instrumentos. Entretanto, no "Report of the mars section" (1917-1918), "Observation and telescopic notes" (10), lê-se:
Escrevendo a respeito do telescópio refrator de 28 polegadas, Steavenson diz: "No dia 22 de abril, o seeing chegou a 5-6 (na escala do Prof. Pickering) por duas horas. Vi muito pouco além do que tenho visto com o equipamento de 10 polegadas, mas o que vi foi quase que instantâneo, ao invés de aparecer laboriosamente ao longo de uma hora de observação e, quando isso aconteceu, manteve-se a imagem serena por minutos certamente. De outra forma, o planeta apareceu muito como costumava ver em refratores de 8 e 10 polegadas. Os 'canais' eram  largos e difusos, embora bastante retos e suavizados como um todo. Não há dúvidas de que qualquer deles se apresentava meramente como cantos de marcações de meio tom. Tem-se dito que, com aberturas maiores, o planeta se apresenta cada vez mais natural, mas, nessa noite, penso que ele se parecia menos natural do que já tive chance de observar anteriormente. Esse efeito se deve largamente à retidão e o comprimento de Protonilus, Deuteronilus, Phison e Euphrates
Orontes e Typonius eram os únicos riscos que pareciam descontínuos."
Dessa forma, um observador confirmou a existência dos canais com um telescópio de 28 polegadas.

Fotografias que registram os canais

Céticos afirmam que nunca foram tiradas fotos registrando os canais e que isso prova que eram ilusórios. Inicialmente, ressaltamos que é possível explicar a raridade das imagens pela limitação tecnológicas da época quando não havia ainda os dispositivos CCD ou câmeras digitais e os registros eram baseados em filmes químicos. Entretanto, segundo Webb (5):
R. J. Trumpler, na oposição de 1924 e 1926 fez, muitas centenas de fotografias de marte mostrando canais e, por um sistema de combinação de negativos, preparou mapas de marte que se parecem bastante com aqueles de Lowell e Schiaparelli. Embora Trumpler negue conhecimento prévio desses mapas, opositores da teoria dos canais dizem que ele foi influenciado por elas na preparação de seus próprios mapas.
A referência aqui é Robert J. Trumpler (1886-1956), astrônomo suíço, que não teve a fama de Schiaparelli ou Lowell. A referência que indica as fotos não pôde ser encontrada. Sobre tais fotos, escreveu Pettit (11):
Muitas tentativas foram feitas de fotografar essas difíceis marcas, os canais de marte. Embora imagens interessantes tenham sido obtidas, nenhuma fotografia revelou os detalhes finos descritos por observadores visuais. Com aumento de potência óptica e melhoria nas técnicas fotográficas agora disponíveis, pode parecer estranho que fotos melhores não tenham sido obtidas. A explicação comumente aceita é que grandes abertura não são adaptáveis ao problema, porque as condições de visibilidade nunca são suficientemente boas.
Esse autor reafirma que os canais são visíveis como "detalhes finos" na superfície de marte e que sempre escapam à fotografia por causa das condições de observação que pioram com grandes aberturas. Naturalmente, há vários trabalhos de Percival Lowell sobre fotografias de canais (12,13, 14) que foram desprezados. Mas, há também artigos de outros autores (15,16,17).
Fig. 5. Mapa de marte preparado na oposição de 1954 que, segundo (16) utilizou fotografias do planeta feita pelo telescópio refletor de M. Wilson de 100 polegadas (2,5 metros).
De particular interesse é o relatório de Pettit (16). Nele há um mapa feito na oposição de 1954 que mostra claramente os canais. No artigo pode-se ler (ver seção "Marcas identificadas como canais"):
As únicas fotografias em que buscamos canais foram as imagens em amarelo tomadas em 1, 2 e 3 de Julho durante boas condições de visibilidade, quando o planeta estava a 39800000 milhas de distância. Deve-se enfatizar que essas observações cobriram somente a região de 170 a 310 graus. Marcações visíveis em exposições foram identificadas com os canais Cerberus I, Hades, Eunostos I, Hyblaeus, Amenthes, Thoth-Nepethes e Gyndes-Alcyonus. Em nossas fotografias, essas marcações parecem como raias irregulares ou bandas. Em desenhos feitos em 1939 e 1941, observadores gravaram essas raias como duas linhas paralelas curvadas. Nossas fotografias as mostram como uma marca em forma de nuvem alongada. As únicas marcas que se pareciam como canais como são descritas usualmente foram Eunostos I e Hyblaeus que se assemelham a linhas grossas.  
Finalmente, em um artigo recente G. Mort (18) publicou algumas fotos e registros de marte feitos com o grande refrator Clark de 24 polegadas feitas em Mars Hill. Nelas se observam os detalhes finos na forma de canais como pode ser visto nas Figs. (6a) e (6b). A Fig. 6b mostra que a superfície de marte se parecia como uma rede de "veias" ou "rios" que percorriam o planeta. Portanto, cai por terra as teorias de que Lowell e Schiaparelli inventaram os canais ou foram iludidos por suas crenças em vida extraterrestre naquele planeta.

Fig. 6a. Direita: Registro fotográfico feito com refrator de 24 polegadas (ver ref. 18). Esquerda: imagem interpretada através de um desenho.
Fig. 6b. Registro fotográfico de marte feito com refrator de 24 polegadas (ver ref. 18) de Mars Hill (Arizona). Nessa imagem aparecem as estruturas filamentares que podem ser tomadas como canais.
Conclusões

Obviamente, a questão sobre a existência de canais artificiais em marte é hoje considerada resolvida. O que analisamos aqui como não resolvidas são as explicações e causas para o avistamento e registro de estruturas parecidas com isso por inúmeros observadores habilidosos como Antoniadi, Beer e Mädler e outros, para não citar Schiaparelli e Lowell.

Quando as primeiras imagens dos sistemas Mariner chegaram em 1966 revelando marte como um mundo parecido com a lua e desprovido de canais, a decepção foi geral. Então, surgiram teorias de que os canais eram avistamentos de cadeias de crateras sucessivas e que antigos observadores se deixaram levar por teorias de vida extraterrestre. Porém são inaceitáveis as descrições de que a estória dos canais foi uma criação das mentes de Schiaparelli e Lowell, ou que legiões de observadores se deixaram ingenuamente a acreditar e ver na superfície de marte essas estruturas. Ainda difícil de se acreditar hoje em dia é o efeito de influenciação psicológica por mapas areográficos em que essas estruturas aparecem. Na época acreditava-se que isso era possível e, provavelmente, ainda há pessoas que pensam assim.

Essas teorias remanescentes, que descrevem os canais como "ilusões de óptica", são adicionalmente inaceitáveis por uma razão muito simples: de dois em dois anos, marte entra em oposição e se torna um objeto altamente favorável à observação. Porém, desde os primeiros vôos aquele planeta, nunca mais as dezenas de canais foram observadas. Se a teoria da ilusão de óptica fosse ainda válida, poderíamos contemplar essas estruturas ainda hoje.

Em um artigo mais crível, G. Mort (18) propõe a teoria de que os canais existiram  de fato - como estruturas filamentares - mas foram cobertos pela atividade atmosférica daquele planeta desde então. Segundo esse autor:
(Essa teoria) mostra que aquelas observações feitas nos séculos XIX e XX se baseavam em algum tipo de realidade. Havia de fato marcas proeminentes na superfície marciana que foram legitimamente observadas com telescópios na Terra. Isso demonstra que o albedo da superfície marciana passou por mudanças dramáticas em um curto período de tempo areográfico. Talvez isso exija que se repense o processo evolutivo da climatologia marciana. Se não houver nada além disso, ela contribui para uma nova apreciação do trabalho de Schiaparelli de 1877 e as intrigantes observações que o sucederam. 
Segundo C. Sagan, seria impossível que tais características tivessem desaparecido pouco antes das primeiras Mariners chegarem ao planeta. A teoria de Mort é interessante, mas assume que essas revoluções de superfície aparentemente sepultaram para sempre os canais que foram vistos e correlacionados entre observadores em inúmeras oposições do planeta antes de 1964-1966, e que hoje não se avistam mais. Portanto, somos partidários da opinião de Sagan de que ainda existe uma "suspeita irritante" sobre toda essa estória dos canais.

Para quem tiver interesse em outras suspeitas irritantes relacionadas ao planeta vermelho, recomendo o  artigo sobre os "flares" marcianos por T. Dobbins e W. Sheehan (19) da ALPO

Para um mapa moderno (oposição de 2005) de marte por observadores na Terra, ver:

Referências e notas

(1) Para um relato da história de exploração de marte feita pela NASA ver: http://history.nasa.gov/marschro.htm

(1b) A. Manara e A. Wolter (2011). "Mars in the Schiaparelli - Lowell letters". Men. S. A. It. vol 82, 276. Ver: http://adsabs.harvard.edu/abs/2011MmSAI..82..276M

(2) http://pt.wikipedia.org/wiki/Giovanni_Schiaparelli (texto de Fevereiro de 2015).

(3)  Ver, por exemplo R. Milner (2011), "Tracing the Canals of Mars: An Astronomer's Obsession", em que o autor diz "ao menos um astrônomo proeminente estava convencido de que marte não só suportava vida, mas era morada de uma avançada civilização".

(5) Ver: http://adsabs.harvard.edu/full/1955PASP...67..283W. "Publications of the Astronomical Society of the Pacific", Vol. 67, No. 398, p.283

(7) "Report of the Mars Section. A List of Canals and Observers. Memoirs of the British Astronomical Association", vol. 4, pp.117-119 (1896). Ver: http://adsabs.harvard.edu/abs/1896MmBAA...4R.117.



(10) Ver: http://adsabs.harvard.edu/abs/1926MmBAA..26....1... Section for the Observation of Mars. 1917-1918. Introduction. Memoirs of the British Astronomical Association, vol. 26, pp.1-8 (1926)

(11) Ver: http://adsabs.harvard.edu/abs/1947PASP...59....5PPublications of the Astronomical Society of the Pacific, Vol. 59, No. 346, p.5 (1947)

(12) P. Lowell (1905) "The Canals of Mars - Photographed". Astronomische Nachrichten, volume 169, p.47. Ver: http://adsabs.harvard.edu/abs/1905AN....169...47L

(13) P. Lowell (1905) "The Canals of Mars-Photographed". Popular Astronomy, vol. 13, pp.479-484. Ver: http://articles.adsabs.harvard.edu/full/1905PA.....13..479L

(14) P. Lowell (1906) "First Photographs of the Canals of Mars". Proceedings of the Royal Society of London. Series A, Containing Papers of a Mathematical and Physical Character, Volume 77, Issue 515, pp. 132-135

(15) E. Pettit (1950). "Photographing Mars". Astronomical Journal, Vol. 55, p. 77. Ver: http://articles.adsabs.harvard.edu/full/1950AJ.....55R..77P

(16) E. Pettit e R. S. Richardson (1954) "Observations of Mars Made at Mount Wilson in 1954". 
Publications of the Astronomical Society of the Pacific, Vol. 67, No. 395, p.62. Ver: http://articles.adsabs.harvard.edu//full/1955PASP...67...62P/0000067.000.html?high=54d5f44f5d10654

(17) E. C. Slipher (1921). "Photographing the Planets with Especial Reference to Mars". Publications of the Astronomical Society of the Pacific, Vol. 33, No. 193, p.127. Ver: http://articles.adsabs.harvard.edu//full/1921PASP...33..127S/0000127.000.html?high=54d5f44f5d10654

(18) G. Mort. Mars: The Canal Cover-up. Martian revelations. http://www.gregmort.com/Bibliography_files/Mars_Canal_Cover-up_Final_Draft-5.pdf

(19) T. Dobbins e W. Sheehan. "Solving the Martian Flares Mystery".  http://www.alpo-astronomy.org/mars/articles/MartianFlaresALPO.pdf

01 março 2013

Cometas em 2014: C/2013 A1 (colisão com marte?)

Imagem de Janeiro de 2013 do cometa Siding Spring tirada no Observatório do Vaticano (telescópio de 1,83 m). Este seria um cometa normal, se não fosse a chance de colisão com marte em Outubro de 2014...

O cometa C/2013 A1, chamado de 'Siding Spring', seria um cometa "normal" para 2014 que atingirá magnitude abaixo de 9.0 (visível por meio de binóculos em regiões de céu muito escuro). O problema é que, em estimativas mais recentes de sua órbita, ele tem a chance de colidir com marte!

Descoberto em 3 de Janeiro de 2013 por Robert McNaught no Observatório de Siding Spring com um telescópio de 50 cm, uma imagem recente desse cometa pode ser vista acima (imagem obtida no Observatório do Vaticano). 

Siding Spring: em rota de colisão com marte?
Se ocorrer colisão, será no dia 19 de Outubro de 2014. As estimativas de hoje (março de 2013) mostram que ele passará a menos de  0,0007 Unidades Astronômicas de marte, ou aproximadamente 100 mil quilômetros, o que é bem pouco para os padrões de distância planetários. Como há incertezas, essa estimativa pode representar uma colisão de fato. 

Estimativas ainda mais recentes (feitas por L. Elenin em 27/2/2013) mostram que ele poderá chegar a 41 mil quilômetros de marte. No caso das previsões mais catastrofistas (que estima um diâmetro de 50 km para o núcleo do cometa), a colisão seria realmente muito grande, sem nenhuma 'destruição' de marte, apenas para o cometa.

Hoje, este cometa brilha com mag. 18.1 (inacessível a telescópios amadores) e, em outubro de 2014, sua 'colisão' com marte, desde o Brasil, não poderá ser visível, pois se dará durante o dia (a hora de máxima aproximação prevista será por volta das 16:50 do tempo legal).  Nos dias anteriores, a magnitude estimada será pouco pouco abaixo de 9,0. Nessa data, o cometa e marte se encontrarão na constelação de Ofíuco.

De qualquer forma, na data de 19 de Outubro de 204, como visto desde marte, esse cometa poderá atingir mag. -8,0, o que o colocaria como um dos mais brilhantes objetos do céu. 

Posição no céu do cometa Siding Spring na noite de 18 de Outubro de 2014  (21:15 TL).  A 'colisão' não será visível  no  Brasil. A distância entre marte e o cometa nesta data é de aproximadamente 43 minutos de arco que serão consumidos nas horas seguintes.
Referências