02 abril 2019

Tenha seu observatório solar em casa

Fig. 1 Filminho do sol feito pelo autor deste blog que mostra a evolução de uma mancha solar, em luz visível entre 21/3/19 a 23/3/19, usando o Heliviewer. Para assistir ao filme acesse  https://helioviewer.org/?movieId=X1p75
Uma interface web de uma nova janela para o sol.
Observar o sol requer inúmeros cuidados. O problema maior, sem dúvida, é o excesso de luz, que é bastante prejudicial aos tecidos da retina no olho. Por isso, equipamentos para observar o sol são bem caros. Além disso, a observação do sol é mais interessante em outras faixas do espectro solar e não apenas no visível. Um telescópio solar para observar essas faixas se parece mais com um rádio em que o observador conseque "sintonizar" um canal e ver o sol em uma determinada frequência. A grande vantagem de observar o sol é que essa é uma atividade que pode ser feita durante o dia, quando a temperatura é maior do que a noite.

Por causa disso, também, observatórios solares devem se localizar em regiões de elevada altitude, para que a atmosfera terrestre e o calor não atrapalhem as observações. Idealmente, assim, telescópios solares devem se localizar muito acima das camadas mais inferiores da atmosfera terrestre. Para todos os fins práticos, o lugar mais ideal é o espaço, longe da Terra. 

Os avanços da tecnologia espacial permitiram o lançamento de satélites especiais para observar o sol. Esse são dispositivos em órbita cujas "cargas úteis" são verdadeiros observatórios solares. Juntamos a isso um banco de imagens, onde os mais finos detalhes do sol, observados bem longe da influência da atmosfera terrrestre, são registrados de forma sistemática. Adicionamos ainda a possibilidade de baixar essas imagens por meio da internet e o que temos?

O Helioviewer

Uma ferramenta versátil, que permite amplas pesquisas e acompanhamento do sol, em segurança e de vários pontos de vista ao redor dele é o Helioviewer. Trata-se de um vasto repositório de imagens do sol atualizadas, coletados por uma série de sensores em órbita do sol - em pontos estáveis no sistema solar - e que permitem ter uma visão dinâmica do sol sem sair de casa e sem usar nenhum recurso, exceto pelo seu terminal e conexão com a internet. 

Em sua versão para desktop, ele contem um grande número de opções de busca, na forma de diferentes "canais" do espectro - a maioria invisíveis aos sentidos humanos. O mais difícil, no manejo da ferramenta, é certamente escolher os sensores. Para quem está acostumado a observar o sol na faixa do visível, basta selecionar o sensor SDO-HMI na primeira aba à esquerda. A versão default não contém fusão de imagens, de forma que o disco solar nessa faixa pode ser contemplado escolhendo essa opção como mostrado na Fig. 2. A sigla "HMI" é de "Human Machine Interface" e "SDO" é para "Solar Dynamics Observatory", o sensor espacial responsável pela imagem do disco.

Fig. 2 Tela da ferramenta Helioviwer mostrando o "canal" visível através do sensor SDO-HMI no dia 27/3/2019. As abas à esquerda permitem selecionar diversos "canais" a partir dos sensores disponíveis. 
A busca por imagens é feita em uma aba inicialmente oculta na parte centra inferior chamado "Image Timeline". Clicando-se em cada sequência, é possível selecionar o conjunto de imagns que se quer mostrar do sol para uma determinado dia. 

Coisas muito interessantes podem ser feitas pelo Helioviewer, o que torna a observação do sol algo bastante dinâmico e muito atraente, principalmente quando o sol se mostrar mais ativo. Por exemplo, a Fig. 3 mostra duas imagens de uma região ativa no dia 22/3/2019. Na parte superior é a imagem do visível (SDO/HMI). Na parte inferior selecionamos em "measurement", o tipo "magnetogram". Trata-se de um sensor capaz de medir e apresentar visualmente a intensidade dos campos magnéticos flutuando na superfície do sol. As regiões escuras são de campo magnético de uma polaridade, as claras, com polaridade inversa. Isso mostra que as manchas solares são regiões de alta intensidade de campo magnético, que resfria e torna, portanto, menos luminosa a fotosfera, que é a própria manifestação da mancha.

Fig. 3 Grupo de manchas solares próximas do limbo do sol em 22/3/19 (em cima) geradas pelo Helioviewer. Sua imagem magnética (embaixo), isto é, um magnetograma indicando a direção das linhas de campo magnético nessa região ativa. Esses campos magnéticos esfriam a superfície, gerando o aparecimento das manchas. 
Uma confirmação disso pode ser visto observando a mesma região, escolhendo o sensor SDO-AIA na medida (ou canal) 171, conforme mostrado na Fig. 4. Essa figura é a versão feita por esse canal especial que mostra tubos de plasma conectando a regiões magnéticas ativas. Como as polaridades são invertidas, o campo magnético se extende ao espaço, e rios de matéria ionizada acompanham esses campos, gerando as estruturas em arco que se extendem pelo espaço, como vistas na Fig. 4. 

Fig. 4 Grupo de manchas da Fig. 3 observado no canal 171. Os tubos de plasma que conectam regiões de campo magnético de polaridade diversa (conforme mostrado pelo magnetograma da Fig. 3), são claramente vistos.

Filmes da superfície do sol

Aspectos relevantes do sol são compreendidos ao se sequenciar imagens que permitem uma visão dinâmica de seu comportamento. Aparentemente, todos os canais ou filtros da ferramenta Helioviewer agrupam imagens em sequência gerando filmes. Para isso, usamos a ferramenta "Generate a Movie" no canto superior direito. Inicialmente, o  usuário deve clicar em "Select a view" para selecionar uma região específica e, na janela de escolha de intervalo de tempo, a data inicial e final do filme a ser criado. As saídas dos filmes podem ser feitas para o Youtube, geradas na forma de GIFs animados ou simplesmente exibidas por meio de um link. Por exemplo, a evolução do canal 171 da Fig. 4 pode ser vista para certo intervalo de tempo no link: https://helioviewer.org/?movieId=y1p75 

Um grupo de manchas pode ser visto surgindo neste filme https://helioviewer.org/?movieId=spp75, obtido no dia 31/3/19.

Fig. 5 Filme gerado para o grupo de manchas da Fig. 3, mostrando a evolução dinâmica de eventos na superfíie do sol. Esse filme pode ser acessado no link https://helioviewer.org/?movieId=y1p75 
Fenômenos diversos, mas associados entre si, podem ser observados dia após dia, permitindo uma compreensão mais profunda de eventos que ocorrem no sol ou na sua vizinhança.  Um exemplo interessante é de parte da coroa solar como visto na Fig. 6, que mostra também a fusão (merge) de duas imagens. Em vermelho está uma parte da coroa, numa imagem fornecida pelo coronógrafo SOHO (LASCO, Large Angle and Spectrometric Coronagraph) junto à uma imagem em amarelo do sensor SWAP 174. Na parte direita superior, basta selecionar "Lasco C2" para se ter essa visão do sol em 27/3/2019.

Fig. 6 Imagem de 27/3/209 de parte da coroa solar (via SOHO-LASCO) superimposta ao seu disco (SWAP 174 Proba 2)

Onde estão localizados os sensores

Os principais sensores do Helioviewer são o SDO, SOHO, Stereo-A e Stereo-B, além de outros. O sensor SDO está localizado em uma órbita geosíncrona, ou seja, em uma órbita cujo período é comensurável com o da rotação da Terra e com link direto para seu apoio de solo em Whitesands/EUA.

O sensor SOHO (Solar and Heliosferic Observatory) está posicionado em uma órbita do tipo "Halo" ao redor do sol praticamente fixo em relação a Terra - ou seja, ele se localiza ao longo da linha que liga o sol a Terra em um ponto de Lagrange. 

Stereo A e B são dois sensores localizados muito longe da Terra e em órbita do sol conforme mostra a Fig. 7. Compartilham com a Terra uma órbita comum, porém estão atrasados ou adiantados em relação à Terra, fornecendo imagens complementares de toda a superfície do sol. Também estão localizados em distintos pontos de Lagrange.

Fig. 7 Diagrama esquemático da posição dos sensores Stereo A e B que integram o Helioviwer. Image: Stereo Science Center (https://stereo-ssc.nascom.nasa.gov/where.shtml)
Outras características

Algumas ferramentas de análise de imagem estão disponíveis no canto inferior esquerdo. Elas servem para indicar ao usuário a existência de regiões ativas, buracos coronais, ejeções de massas coronais, flares (explosões fotosféricas) e inúmeros outros eventos, o que era antes feito por meio de olhos humanos treinados. É possível superimpor essas indicações de fenômenos nos filmes. Para isso, basta escolher a característica e selecionar no painel indicado.

Dúvidas podem ser sanadas no tutorial do Helioviewer, disponível no canto superior direito. Um "User Guide" está disponível no endereço:


Em conclusão

A observação do sol sempre foi uma ciência empírica por excelência. Nosso conhecimento do sol depende severamente do acúmulo de images ou registros dele, o que só pode ser feito em longo prazo. A ferramenta online Helioviewer (e seu homônimo como software standalone JHelioviewer) são ferramentas de pesquisa solar colocadas inteiramente à disposição do público e, portanto, à comunidade de astronomia amadora. A principal vantagem do Helioview, além da posição estratégica em que seu sensores se localizam, é o registro sistemático, quase que em tempo real da superfíci do sol e suas cercanias, em várias frequências. Sua versão "web" (diferentemente do JHelioviewer) parece ser mais simples de manusear. 

A observação de eventos de curto prazo no sol pode ser decisiva para se mitigar riscos associados às desgraças que uma explosão solar de grandres proporções poderia gerar na Terra. Será particularmente interressante acompanhar o sol principalmente nos períodos de maior atividade. Nesse sentido, a comunidade amadora poderá utilizar o Helioviewer em suas várias versões para complementar estudos do sol feitos com telescópios terrestres. 

Referências

Müller, D., et al. "JHelioviewer-Time-dependent 3D visualisation of solar and heliospheric data." Astronomy & Astrophysics 606 (2017): A10.

Hughitt, Vincent K., et al. "Helioviewer. org: browsing very large image archives online using JPEG 2000." AGU Fall Meeting Abstracts. 2009.

Hughitt, V. K., et al. "Helioviewer: A web 2.0 tool for visualizing heterogeneous heliophysics data." AGU Fall Meeting Abstracts. 2008.

Alguns dos vídeos podem ser assistidos via Youtube




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