17 agosto 2024

Cometas em 2024: C/2024 G3 (ATLAS)

Um cometa risca o céu
Em tons de prata a brilhar
Sua cauda exibe como troféu
E deslumbra e encanta o olhar

Um cometa que brilha como um brinco
Espelhado sobre o vespertino poente
Um espetáculo de beleza que desponte,
Como um presente de 2024 para 2025.

Depois da perspectiva de possível fiasco com cometa C/2023 A3 (Tsuchinshan-ATLAS) cujo núcleo pode se desintegrar nas proximidades do sol arruinando sua observação pós-periélica, um novo cometa foi descoberto com chances de brilho notável. O cometa C/2024 G3 (ATLAS) foi descoberto em abril de 2024 pelo sistema ATLAS de busca de objetos. O nome desse dispositivo é uma abreviação para Asteroid Terrestrial-impact Last Alert System ou "Sistema de últimos alertas de possíveis asteroides de impacto na Terra", em uma tradução livre.

O C/2024 G3 (ATLAS) tem uma órbita peculiar que apenas toca a eclíptica em pontos muito próximos do sol quando o cometa se dirige para o hemisfério norte. A maior parte de sua órbita se localiza ao "sul" do plano da eclíptica (inclinação orbital de 116.8 graus), o que significa que a observação desse cometa será melhor desde o hemisfério sul, principalmente próximo ao periélio.

Seu periélio está marcado para o início de janeiro de 2025 (dia 13), quando poderá atingir a notável mag. -0,2 (exatamente isso, um cometa com magnitude negativa!), o que o colocaria como astro de possível observação diurna - em que pese sua posição muito próxima do sol e da época do ano. Como sempre, essa é uma previsão que dependerá da interação do núcleo do cometa com o sol. Como esse cometa é do tipo "sun grazing" (ele se aproximará no periélio a 0,09 UA ou apenas 14 milhões de km do sol), isso significa que as chances maiores de observação ocorrerão antes do periélio.

No final de julho de 2024, o cometa brilha com mag. 15-16 na constelação do Cruzeiro do Sul. No final de dezembro de 2024, ele se torna um objeto visível a pequenos telescópios. O intervalo de máximo brilho (abaixo de mag. 5,0) será muito breve em torno do periélio no mês de janeiro de 2025. Isso nos leva a outro ponto de preocupação: considerando esse mês do ano no Brasil, sua observação será provavelmente prejudicada pela presença de nuvens típicas do período chuvoso. Infelizmente, para observadores no hemisfério norte, esse cometa não poderá ser observado.

Se o cometa "vingar" e tivermos sorte no clima, será possível observá-lo por breves momentos no céu vespertino (depois do dia 20/1/25) na constelação do Capricórnio. Por essa época, porém, o cometa terá reduzido muito de brilho, chegando à mag. 4,0. Dada sua proximidade com o sol, será provavelmente um objeto de difícil observação próximo ao horizonte.

Mapas mais detalhados para a observação desse cometa em 2024 podem ser obtidos na página de van Buitenen com link abaixo.

14 julho 2024

Cometas em perigo em 2024: Tsuchinshan-ATLAS (C/2023 A3) sobreviverá ao periélio?

Ilustração que condiz com a realidade do cometa C/2023 A: um núcleo já em desintegração prenuncia perda de brilho avançada e nenhum cometa depois do periélio. 


No céu, um cometa a passar

Sua cauda intensa quem sabe a brilhar.

Mas antes do periélio, sua destruição

Do núcleo a despedida, na terra dos homens a solidão

Não há mais cometa, não há mais alegria.

Só na próxima década, quem sabe algum dia!

Recentemente postamos aqui alguma notícia sobre a grande expectativa deste ano para os "cometófilos" ou amantes de cometas. O Tsuchinshan-ATLAS (C/2023 A3) poderá atingir brilho surpreendente, chegando a ser visto facilmente ainda envolto nas brumas do crepúsculo, ou seja, praticamente de dia. Porém, essa previsão é principalmente para depois do periélio.

Mas, parece que as perspectivas desse cometa não são boas. Em um artigo recente [1], Zdenek Sekanina apresenta argumentos com base em observações mais recentes que indicam que esse cometa está se fragmentandoPara uma introdução à análise de Sekanina, vale a pena ler ao menos uma  tradução do resumo do trabalho:
Há esperanças de que o C/2023 A3 possa se tornar um objeto visível a olho nu por volta da época de sua passagem pelo periélio, no final de 2024. No entanto, com base em seu desempenho passado e atual, também se espera que o cometa se desintegre antes de atingir o periélio. Evidências independentes apontam para o seu colapso inevitável. A primeira questão, para a qual I. Ferrin recentemente chamou a atenção, é a incapacidade deste cometa da nuvem de Oort de brilhar a uma distância heliocêntrica superior a 2 UA, cerca de 160 dias antes do periélio, acompanhado por uma queda acentuada na produção de poeira (Afρ).  Um avanço baricêntrico do semi-eixo maior original tem aparecido por longo tempo, mas é amplamente ignorado, ao mesmo tempo em que o resíduo médio aumenta após a anomalia da curva de luz. Isso sugere um núcleo em fragmentação cujo movimento está sendo afetado por uma aceleração não gravitacional. Além disso, apresenta uma cauda de poeira em forma de lágrima invulgarmente estreita, com orientação peculiar, implicando emissão copiosa de grãos grandes longe do Sol, mas nenhuma poeira microscópica. Estas evidências sugerem que o cometa entrou em uma fase avançada de fragmentação, na qual um número crescente de sólidos refratários secos e fraturados permanecem reunidos em bolhas escuras e porosas de formato exótico, tornando-se indetectáveis à medida que se dispersam gradualmente no espaço.
Sua análise se baseia na crença de que é possível prever o comportamento subsequente dos cometas com base na acurada observação de seu comportamento (de brilho, de cauda etc) muito antes do periélio. Segundo Sekanina:
O prognóstico de desempenho para objetos individuais é uma atividade de alto risco da ciência cometária, que está muito lentamente sendo dominada em nosso aprendizado para entender os caprichos dos cometas. Ainda assim, parece que pelo menos alguns cometas sinalizam mensagens iniciais ligadas ao seu comportamento subsequente. O reconhecimento oportuno e a interpretação adequada dessas mensagens deverá pavimentar o caminho para um futuro de mais sucesso nesse campo incomum do esforço científico.
Como declarado no resumo, o aparecimento de "estruturas de forma exótica" (blobs) parecem indicar que essa fragmentação já se iniciou. Essas estruturas têm sido observadas no cometa recentemente e são fonte de preocupação:
O mais incomum é a contínua ausência de uma cauda de poeira, o que significa que grandes quantidades de poeira seca, material sólido fraturado não tem se desintegrado em poeira microscópica, mas permanecem grudados na forma de corpos escuros e altamente poroso aos quais me refiro acima como bolhas (blobs). Uma vez dispersos no espaço, são de difícil detecção, mas, embora presentes em tudo, têm vida curta.
Assim, ao invés de apresentar uma contínua dispersão de fragmentos comentários que indicariam um núcleo rígido e de vida longa, sua fragmentação em corpos maiores e imperceptíveis já teria começado e apontam para uma vida breve para esse núcleo. Segundo Sekanina, o comportamento desse cometa é semelhante a de outros que não sobreviveram ao periélio, mas se fragmentaram tão logo se aproximaram do sol a menos de 1 UA de distância. Isso põe em risco o prognóstico de observar esse cometa a olho nu justamente na época posterior ao seu periélio.

Sekanina afirma que o objetivo de seu trabalho não foi "desapontar observadores de cometas que guardam esperanças por outro objeto visível a olho nu em outubro", mas "apresentar argumentos científicos que não apoiam tal esperança".

Em suma: da mesma forma como não é possível prever o colapso desse cometa, também não é possível dizer que ele será um espetáculo no céu. Eis em essência a mensagem passada pelo autor em sua análise avançada do possível futuro do cometa C/2023 A3 e que vale para todos os cometas.

No mês de julho, esse cometa se encontra a aproximadamente 2 UA de distância do sol e tem mag. 9.8 na constelação do Leão, próximo à galáxia NGC 3521. Esse brilho já o faz acessível a pequenos telescópios em áreas remotas e de céu escuro.

O monitoramento constante desse cometa poderá resolver o dilema ou anunciar tempestivamente seu desaparecimento antes da data tão esperada pelos amantes de cometas.

Referências

[1] SEKANINA, Zdenek. Inevitable Endgame of Comet Tsuchinshan-ATLAS (C/2023 A3)arXiv preprint arXiv:2407.06166, 2024.

04 junho 2024

Estadão publica texto sofrível em Astronomia usando IA.

 

Quase nunca me disponho a comentar textos ou informações postadas na rede com assuntos de Astronomia. Desta vez, o cálice transbordou. O texto: 
Céu terá um ‘desfile de planetas’ nesta segunda: o que será possível ver da Terra? (disponível aqui em um link de 2024: https://www.estadao.com.br/ciencia/ceu-tera-um-desfile-de-planetas-nesta-segunda-o-que-sera-possivel-ver-da-terra/)
publicado pelo jornal "O Estado de São Paulo" chamou minha atenção pelo qualidade do resultado do uso de "sistemas de IA" (Inteligência Artificial) na tradução de seu original, supostamente escrito por um tal Amudalat Ajasa do jornal "The Washington Post".

Analiso seu conteúdo no que segue, conforme o texto originalmente publicado em 3/6/2024.

Análise

Não me atreverei a culpar o autor pela qualidade do texto original, assumindo que os problemas encontrados nele se devem ao uso da ferramenta de tradução. O objetivo da reportagem era relatar um suposto "alinhamento de planetas" que ocorreria no dia 3/6, evento que, se imagina, deve atrair a atenção do público.

O texto começa assim:
Nesta segunda-feira, 3, meia dúzia de planetas formarão uma espécie de linha no céu, mas não aposte em ver todos eles ao mesmo tempo. Você terá sorte se vir apenas dois.
Há vários problemas aqui. A frase leva o leitor a acreditar que o tal "alinhamento" somente ocorrerá no dia 3 e que os planetas "formarão uma espécie de linha no céu". Vai além ao dizer que "você terá sorte se vir (sic) apenas dois (planetas)". 

A figura acima representa o céu como visto desde Brasília/DF no dia 3/6 as 5:40. Ele ilustra o que o observador teria visto na data do alinhamento proposto pelo texto. Essa configuração permanecerá no céu por vários dias, antes e depois do dia 3/6.

De fato, quatro planetas são visíveis além da Lua. Por que o autor do texto diz que "se tiver sorte verá apenas dois"? Uma hipótese é que, provavelmente por ter sido escrito por alguém que vive no hemisfério norte, as condições de visibilidade são diferentes. Ou seja, a declaração feita não serve para observadores do hemisfério sul.
Durante o que tem sido chamado de “desfile de planetas”, Júpiter, Mercúrio, Urano, Marte, Netuno e Saturno formarão uma inclinação no céu - com uma lua crescente aparecendo no meio da fila. Quantos desses planetas você realmente conseguirá ver? Embora o nome sugira que você poderá ver toda a formação, apenas dois serão visíveis a olho nu.
O que era uma "linha" agora virou uma "inclinação no céu". Mas o que isso significa? Como vimos, dependendo de onde o observador se localizar, será possível ver quatro planetas e não dois como declarado. Dependendo da latitude do observador, ele será um alinhamento ortogonal ou não à linha do horizonte. Além disso, a lua que é vista não é crescente, mas minguante! O autor ou IA não sabem que luas crescentes só ocorrem ao entardecer e o tal alinhamento ocorre antes do nascer do sol.
O espetáculo “não é o que parece ser”, diz Noah Petro, cientista do projeto Lunar Reconnaissance Orbiter da Nasa, a agência espacial americana. “É como jogar um cobertor molhado em todo o ‘desfile de planetas’ no céu noturno”, compara.
É difícil também entender o que esse trecho significa, além da tentativa de conferir autoridade às declarações feitas pela citação de entrevistas de "especialistas" da NASA - provavelmente a única autoridade que faz efeito em textos jornalísticos desse tipo com o público. 

Se "não é o que parece ser", o que é então? Qual o sentido de se "jogar um cobertor molhado em todo o desfile de planetas"? Onde está o incêndio? Espero que o leitor não se sinta diminuído em seu intelecto por não ter entendido o sentido dessa frase, pois ela realmente não tem.
Marte pode ter uma leve coloração vermelha e Saturno será um ponto brilhante no céu, afirma Petro. Os especialistas da Nasa, no entanto, querem pedir aos observadores do céu que controlem suas expectativas.
O planeta Marte sempre é avermelhado e Saturno, por ser um planeta muito distante (assim como todos os corpos celestes estelares) sempre será visto como "um ponto brilhante no céu". É evidente que a informação transmitida pelo texto é redundante e, por isso, inútil.

Agradecemos também a preocupação dos "especialistas" da NASA em pedir para que controlemos nossas expectativas, porém, não será pela leitura de textos desse nível que isso será conseguido.
Os planetas que estão mais próximos do Sol têm anos comparativos mais curtos, orbitando ao redor dele mais rapidamente em relação aos planetas mais distantes, que têm anos mais longos e mais distância a percorrer.
O que ele quis dizer é que planetas mais próximos têm revoluções orbitais mais curtas do que os planetas afastados. Medidos em termos de "anos terrestres" os "períodos orbitais" são mais longos ou mais curtos em relação a um ano. Mas em si, planetas não "tem anos". 
Mercúrio e Júpiter estarão tão baixos no horizonte que não serão visíveis. Urano estará fraco. Netuno nunca é visível a olho nu porque é muito tênue para ser visto pelo olho humano, diz Petro. Na verdade, Netuno será mais de seis vezes mais escuro do que Urano, de acordo com a Nasa. Seria necessário um telescópio para ver Urano e Netuno - os dois planetas mais distantes da Terra.
O erro continua a ser repetido de que Mercúrio e Júpiter "não serão visíveis". Mas a frase mais engraçada do texto é, sem dúvida, "Urano estará fraco". Ora, é difícil conceber fraqueza ou fortaleza em corpos celestes. O verbo também está mal colocado. O que quiseram dizer foi que "o brilho do planeta Urano é fraco" - sempre é, nunca "estará" pelo fato desse ser um planeta muito distante.  De resto, Urano continua forte e muito bem, obrigado.

Em ocasiões excepcionais é possível que alguém de vista muito boa, em um céu limpo, sem lua e longe das luzes das cidades consiga ver Urano de relance, sem o uso de telescópios, ao contrário do que é afirmado no texto. É também difícil entender o que quiseram dizer com planetas "mais escuros do que outros". O pobre Netuno é quantificado como 6 x mais escuro que Urano! A intenção foi dizer que Netuno é menos brilhante do que Urano. O grau de "escuridão" é medido pelo "albedo" que nada tem a ver com brilho: é a percentagem de luz refletida por uma superfície em relação à luz incidente. Assim, um planeta pode ter albedo menor que outro, mas, mesmo assim, ser mais brilhante do que esse último.
Não é qualquer telescópio que funcionaria para Netuno e Urano, acrescenta ele, mas um “telescópio do tamanho de um pagamento de hipoteca”.
Também aprendemos com os embaixadores da NASA citados no texto sobre tamanhos de telescópios. Precisamos de um telescópio do "tamanho de um pagamento de hipoteca" para ver Netuno e Urano. Se alguém souber o que isso significa, agradeceria receber a explicação. Exageros a parte na hipoteca (não seriam telescópios cujo preço é do tamanho de uma hipoteca?), tanto Urano como Netuno podem ser visto com binóculos... 
Haverá outra oportunidade de ver potencialmente os mesmos seis planetas em outro evento celestial antes do amanhecer em 28 de agosto, de acordo com Petro, embora Netuno e Urano não sejam visíveis a olho nu.
O leitor deve se preparar para não perder "potencialmente" o evento único do dia 28 de agosto quando então Netuno e Urano não serão visíveis a olho nu.

Conclusão

Com base no declarado no final do texto:
O conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial,
é difícil conceber que tipo de revisão foi feita, mas me parece que ela não deu resultado, ainda mais por ser conteúdo vendido ao leitor (sim, ele é pago).

Do jeito que está escrito, o texto é um apanhado de frases mal colocadas e sem sentido, que desinformam o leitor.

Imprestável como publicado na data, acaba sendo um desserviço à divulgação científica, pois é fruto de uma crença errônea de que sistemas de IA poderão substituir humanos. Ora isso não é possível, mesmo com humanos sem qualquer conhecimento em Astronomia, mas é resolvido no texto pelo apelo à autoridade da NASA...

E se em Astronomia, que é conhecimento tão preciso, é possível embaralhar ideias e desinformar, o que diríamos com outros assuntos menos "exatos" publicados por muitos veículos de informação no presente?

E vejam que a "revolução de IA" mal começou.