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O trânsito de mercúrio em 2019

Fig. 1 Imagem obtida pelo Observatório de Dinâmica Solar (SDO/NASA) mostrando
uma composição de perfis de Mercúrio em  9 de maio de 2016.
Ainda que 2019 não tenha trazido muitos fenômenos celestes noturnos, ele terá um espetáculo relativamente raro para mostrar no céu de dia. Trata-se da passagem de Mercúrio pelo sol que ocorrerá no dia 11 de novembro de 2019 (segunda-feira). Juntamente com os eclipses de 2019, o trânsito de Mercúrio contribuirá para que este ano seja conhecido dos grandes eventos astronômicos diurnos. 

Esse post complementa o evento semelhante que ocorreu em 2016. Ver "O Trânsito de Mercúrio em 2016".

O que é?

As órbitas do planetas, embora individualmente siguam trajetórias em um plano, não estão alinhadas entre si. O plano de referência para medida das órbitas do planetas é o plano da eclíptica, ou plano da órbita da Terra.

A orientação da órbita da Terra e de Mercúrio pode ser vista na Fig. 2. Mercúrio é o planeta mais interior, o mais próximo do sol. Gira em  torno dele com um período de aproximadamente 88 dias. A órbita de Mercúrio está inclinada em relação à ecliptica em 7 graus.  Apenas ocasionalmente é que a Terra se encontra na chamada 'linhas dos nodos' ou linha de cruzamento dos planos das órbita terrestre e de Mercúrio. Como a linha dos nodos passa pelo sol, quando isso acontece, ocorre um trânsito de Mercúrio. Nessa ocasião, Mercúrio está em conjunção inferior. O mesmo fenômeno ocorre com Vênus. Entretanto, como esse planeta está mais distante do sol, os trânsitos de Vênus são mais raros do que os de Mercúrio.

Fig. 2 Representação esquemática da orientação da órbita de Mercúrio em relação à da Terra. Observe que o plano é o da eclíptica. Como a órbita de Mercúrio está inclinada com a eclíptica em 7 graus, somente há duas posições na posição da Terra em que Mercúrio se 'alinha' com a Terra. Essas posições são conhecidas como nodos (nodes). Fonte: In-the-sky.
A taxa de ocorrência de trânsitos de Mercúrio é da ordem de 13-14 por século. Quase sempre, são fenômenos que ocorrem em maio ou novembro por causa das diferenças de posição da Terra em relação à Mercúrio e a razão entre os seus períodos orbitais. 

Importância do fenômeno para a ciência

Como a determinação dos momentos exatos de entrada e saída de Mercúrio do disco do sol é importante, ela depende da dinâmica de forças que atua sobre Mercúrio e seu movimento. Assim, o rastreamento da posição de Mercúrio ao longo de vários séculos é importante para:
  • Conhecer se existem mudanças na taxa de rotação da Terra e perturbações da Lua (uma vez que a observação é feita desde a Terra);
  • Medir de forma indireta a massa de Vênus a partir de perturbações que ela induz na órbita de Mercúrio,
  • Medir eventuais variações de longo prazo no disco solar,
  • Modelar efeitos de queda de luminosidade do sol com a passagem do planeta, como subsídio para estudos de técnicas de detecção de exoplanetas (aplicar o método para outras estrelas).
Trânsito de Mercúrio e história

Como o fenômeno é periódico, ele foi registrado na história da Astronomia a partir da invenção do telescópio. O diâmetro aparente de Mercúrio varia de 4.5" a 13", tornando-o um objeto impossível de ser observado contra o disco do sol sem o uso de telescópios. Ou seja, mesmo em épocas remotas, quando o  trânsito ocorreu com o sol baixo e escurecido no horizonte, dificilmente Mercúrio pôde ser visto. 

A Wikipedia registra alguns fatos históricos que ocorreram na data de trânsitos:
  • 3 de maio de 1661: trânsito que ocorreu na data de coroação do rei Carlos II da Inglaterra,
  • 7 de novembro de 1677: observado por E. Halley desde a Ilha de S. Helena.
Os trânsitos de Mercúrio foram em particular importantes para a Física. Ao longo de vários séculos, erros se acumularam na determinação da trajetória de Mercúrio. Esse erro se deve ao movimento de precessão da órbita, conforme ilustrado na Fig. 3. 


Fig. 3 Ilustração do movimento de precessão orbital que ocorre com
Mercúrio por causa de efeitos da Relatividade Geral.
O avanço do periélio de Mercúrio sempre foi uma anomalia na Física até que A. Einstein em 1915 proveu uma explicação com base na sua recem criada Teoria da Relatividade Geral. 

Como observar 

Esse fenômeno ocorrerá durante o dia. Para observá-lo, desde que o sol não esteja encoberto, todas as recomendações necessárias para se observar em segurança o sol deverão ser tomadas. Conforme escrevemos em 2016:
Para observação do fenômeno, em particular de várias pessoas simultaneamente, o método de projeção usando um telescópio ou binóculo (Fig. 4) é recomendado. Porém, o uso de filtros com observação em ocular pode ser mais prazeroso pela impressão causada pelo disco de Mercúrio contra a fotosfera solar, por causa do efeito de constaste. O observador deverá se certificar, entretanto, que possui o filtro correto para observação e jamais deverá improvisar qualquer tipo de filtro. Filtros solares de boa qualidade em geral são caros e devem ser periodicamente verificados quanto ao seu "prazo de validade", porque elementos externos podem deteriorar sua qualidade. É importante que o leitor atente ao fato de que a maior parte da radiação do sol é invisível, de forma que mesmo que a imagem apresente-se aparentemente opaca em uma primeira impressão, um filtro incorreto poderá deixar vazar radiação em intensidade suficiente para provocar cegueira irreparável. Assim, caso tenha dúvidas quanto ao método a ser usado, não deixe de aplicar o da projeção (Fig. 4).
O método da projeção é ilustrado abaixo.

Fig. 4 Método da projeção apra observar o sol usando um telescópio.

Quando observar: aspecto do trânsito para Brasília/DF.

O geometria da posição de Mercúrio e da face da Terra favorecerá amplamente o Brasil. Praticamente, a América do Sul será o melhor lugar da Terra para ver o trânsito. Isso está mostrado na Fig. 5, que ilustra a face da Terra como vista desde o Sol ao longo do fenômeno. Como se pode ver, o final do trânsito não poderá ser visto desde a Europa e África. 

Fig. 5 Face da Terra como vista desde o sol ao longo do trânsito.
Para a cidade de Brasília/DF, o fenômeno será visto das 9:34 as 15:03 do horário local (12:34-18:03 TU).

Uma simulação da posição de Mercúrio ao longo do disco do sol conforme visto em Brasília é visto na Fig. 6. O fenômeno poderá ser observado em qualquer cidade do Brasil.

Fig. 6. Simulação do trânsito de Mercúrio em 13/11/19 como visto desde Brasília.

O próximo trânsito de Mercúrio pelo sol ocorerrá em 13 de novembro de 2032.

Referência

https://astronomiapratica.blogspot.com/2016/04/o-transito-de-mercurio-em-2016.html
https://en.wikipedia.org/wiki/Transit_of_Mercury
https://in-the-sky.org/news.php?id=20191111_11_101

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