E, tendo nascido Jesus em Belém de Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos vieram do oriente a Jerusalém, dizendo: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? porque vimos a sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo. (Mateus 2:1,2)
E, tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela, que tinham visto no oriente, ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino. (Mateus 2:9)
Para quem gosta de Astronomia, a proximidade do Natal lembra a "Estrela de Belém" ou a referência nos Evangelhos sobre o surgimento de um corpo celeste que teria indicado aos três Reis Magos a posição da Manjedoura. De fato, inúmeros astrônomos no passado se dedicaram a desvendar o significado astronômico do surgimento dessa estrela, que está registrada apenas no Evangelho de Mateus. Céticos naturalmente considerem a descrição fantasiosa, como criada à posteriori para validar toda a narrativa dos Evangelhos sobre a vida de Jesus. Entretanto, para a imensa maioria dos cristãos, essa opinião não é válida.
O que seria essa estrela? Encontrar uma explicação astronômica é uma tarefa difícil, pois envolve reconciliar o texto do Evangelho com diversas possibilidades em um cenário de escassos registros da época. Dependendo de qual for favorável, há uma sequência de datas que, se aceitas, determinariam o momento mais exato do nascimento de Jesus e toda a sequência de acontecimentos de sua vida conforme narrado no texto dos evangelhos.
Excluindo a hipótese levantada pelo ceticismo - que chamamos aqui de "teoria da fábula"- algumas das possibilidades levantadas ao longo dos séculos para a Estrela de Belém são descritas de forma breve aqui. O assunto é complexo, pois envolve inúmeros autores e explicações possíveis.
Teorias
Teorias
Meteoro: um bólido ou pedaço de meteorito que atinge a Terra vindo do espaço é um fenômeno bastante comum, mas rápido demais para se adequar ao texto evangélico, que diz ter sido a estrela vista "no oriente", de onde teriam vindo os magos. O texto sugere que o tempo envolvido desde o avistamento da estrela até o instante da manjedoura é incompatível com a hipótese do meteoro.
Cometa: uma representação universal dos presépios é o da Estrela de Belém como um cometa. Essa explicação leva em conta a descrição de movimento da estrela ao longo do tempo (seu "aparecimento" repentino) e apenas um cometa poderia ter essas características em um período de alguns meses (que seria comensurável com a duração da viagem dos magos até Belém).
O únicos registros que duraram milênios de passagens de cometas foram feitos por astrônomos chineses e coreanos. Um apareceu em 5 a. C e outro em 4. a. C. Um outro, registrado em 12 a. C, coloca a data do nascimento de Cristo muito antes do tempo para ser aceito como possível. Segundo Humphreys [1] apenas o cometa de 5 a. C. seria um candidato à identificação de estrela dado seu brilho, conforme descrito na cronologia chinesa. Visível à vista desarmada de 6 de abril a 9 de março de 5 a. C, foi um cometa com longa cauda que teria aparecido e visto pelos magos. A cronologia permite inferir a região do céu onde o cometa foi visto, o que corresponde à constelação de Capricórnio (Ch'ien-niu). Conforme descreve Humphreys:
O únicos registros que duraram milênios de passagens de cometas foram feitos por astrônomos chineses e coreanos. Um apareceu em 5 a. C e outro em 4. a. C. Um outro, registrado em 12 a. C, coloca a data do nascimento de Cristo muito antes do tempo para ser aceito como possível. Segundo Humphreys [1] apenas o cometa de 5 a. C. seria um candidato à identificação de estrela dado seu brilho, conforme descrito na cronologia chinesa. Visível à vista desarmada de 6 de abril a 9 de março de 5 a. C, foi um cometa com longa cauda que teria aparecido e visto pelos magos. A cronologia permite inferir a região do céu onde o cometa foi visto, o que corresponde à constelação de Capricórnio (Ch'ien-niu). Conforme descreve Humphreys:
É interessante observar que os registros chineses descrevem o cometa de 5 a. C. como cruzando a constelação de Capricórnio. Em março-abril, Capricórnio se levanta no horizonte leste como visto desde a Arábia e vizinhanças e é observado nas primeiras horas do dia. Assim, esse cometa em particular foi visto se levantando à leste no céu da manhã. Mateus 2:2 diz que os magos viram "a sua estrela no oriente". Uma tradução alternativa para "no oriente" seria "em sua ascensão". Se essa tradução for adotada, o cometa de 5 a. C. se encaixa na descrição (...) [Ref. 1, p. 398]A hipótese cometária foi vista com ceticismo entre acadêmicos dada a crença generalizada de que cometas anunciariam desastres. Entretanto, conforme lembrado por Humphreys [1], cometas podiam simbolizar tanto bons como maus presságios.
Uma vantagem da hipótese do cometa é que ela resolveria o problema com a data da morte de Herodes (por volta de 4. a. C), o que claramente indica que Cristo teria nascido meia década antes da data oficialmente fixada pela Igreja. Outro autor que defende a teoria comentária é Nicholl [2], embora não identifique o cometa chinês como um possível candidato, e afirme que o cometa de Cristo foi um outro, não encontrado nos registros chineses.
Fig. 1 Imagem da Wikipedia da obra de Kepler "De Stella Nova" de 1606 aberta na ilustração da nova estrela na constelação do Ofiúco (Serpentário). |
Conjunção planetária seguida de "nova estrela". Em outubro de 1604 uma "nova estrela" apareceu na constelação de Ofiúco (o Serpentário, Fig. 1), que foi vista por Johannes Kepler (1571-1630) depois de algumas dificuldades de observação por causa do mau clima na Europa Central [3][4].
Kepler, hoje conhecido como um dos mais importantes astrônomos do Renascimento, era também astrólogo. Um pouco antes, ele também observou uma grande conjunção entre Júpiter, Saturno e Marte em uma região do céu conhecida na época como o "Triângulo de fogo" (entre Sagitário, Áries e Leão). Para os astrólogos de então, uma conjunção desse tipo tinha um significado profundo. Kepler especulou que tal conjunção prenunciou o aparecimento da estrela no Serpentário . Como Kepler sabia que o ano imaginado para o nascimento de Jesus estava errado (como vimos, sabia-se que Herodes - responsável pelo massacre dos inocentes - teria morrido em 4 a. C), ele lançou a teoria de que a estrela de Belém seria uma nova estrela também precedida por uma conjunção como de Júpiter e Saturno. Os três reis magos, como astrólogos, teriam previsto a aparição da nova estrela por causas dessas conjunções.
De fato, conjunções desse tipo ocorreram em 7 a. C. e nos anos seguintes [5]. As datas das conjunções foram 27 de maio, 6 de outubro e 1o de dezembro de 7 a. C. Uma conjunção tripla (envolvendo Júpiter, Saturno e Marte) ocorreu em 6 a. C. na constelação de Peixes (associada ao Cristianismo). Elas são comuns, embora a raridade aumente quanto mais próximo se avalie os planetas na conjunção ou se a conjunção é tripla (envolve três planetas).
Há quem afirme que uma coincidência de três grandes eventos astronômicos marcou o nascimento de Cristo [1]: um cometa, uma nova estrela e conjunções planetárias. Todas essas ideias estão profundamente arraigadas em interpretações astrológica, que se perderam no passado [1], p. 398:
Sugere-se que uma combinação de três eventos astronômicos estavam envolvidos: uma sequência de três conjunões de Saturno e Júpiter em 7 a.C, uma conjunção de três planetas em 6. a. C. e, finalmente, o aparecimento de um cometa na constelação de Capricórnio em 5 a. C. A história mundial astrológica, "Sobre conjunções, religiões e povos" de Mashalla do Sec. 8 AD baseou-se em uma teoria babilônica anterior de que importantes mudanças religiosas e políticas são preditas por conjunções de Saturno e Júpiter. Assim, Mashalla usou cálculos astronômicos Iranianos para declarar que inundações, o nascimento de Cristo e Maomé foram preditos por conjunções de Saturno e Júpiter sob circunstâncias astrológicas especiais... Dessa forma, sugere-se que a mensagem astrológica da conjunção de Saturno e Júpiter em Peixes em 7 a.C. era esta: o rei Messias nasceria em Israel. O fato de que a conjunção ocorreu três vezes em 7 a. C (maio, outubro e dezembro) reforçou a mensagem provavelmente.
E os autores de [1] continuam:
Um encontro semelhante foi observado por Kepler em 1604 que, diferentemente de Regiomontano, calculou que tais encontros entre Júpiter, Saturno e Marte ocorreriam a cada 805 anos, e sugeriu que eles coincidiam com grandes eventos históricos (suas datas supostas foram 1617 a. C. para Moisés, 812 a. C. para Isaías, 6-7 a. C para Cristo, 799 AD para Carlos Magno e 1604 para a Reforma Protestante). Para Kepler, o encontro de três planetas era astrologicamente mais importante do que conjunções sucessivas de Júpiter e Saturno, de forma que sugeriu que a supernova de 1604 e a nova estrela de 5 a. C. devem ter sido resultados dessas conjunções. Para Caldeus, Marte representava o deus da guerra, para os Persas, o guerreiro celestial. Assim, sugere-se que o encontro de três planetas em 6 a. C., depois de três conjunções sucessivas em 7 a. C., confirmou para os magos que o rei Messias haveria de nascer em Israel e seria um rei poderoso. A cena estava dada: suas expectativas aumentaram depois do terceiro sinal que indicaria que o nascimento do rei era iminente.
Assim, os "sinais do céu" (conjunções planetárias, eclipses etc) encontrados em citações bíblicas denunciam a influencia da astrologia na narrativa bíblica. A própria teoria de Kepler se fundamenta em crenças muito mais antigas, de raiz verdadeiramente astrológica.
Teorias "Aeronômicas". Para essas teorias, a tal estrela seria um corpo muito mais próximo da Terra - algo pertencente à alta atmosfera terrestre. Aqui entramos no campo puramente especulativo, sem registros ou de impossível "comprovação". Entretanto, um objeto desse tipo se ajustaria perfeitamente a uma interpretação literal do texto do evangelho.
A conjunção de Júpiter e Saturno em 2020.
Conforme já divulgamos, o final de 2020 será marcado por uma aproximação entre Júpiter e Saturno, mais exatamente entre 20-21 de dezembro. Essa aproximação, de fato, é a mais fechada e visível a noite desde 4 de março de 1226. A Fig. 2 traz o registro da conjunção tripla que fizemos envolvendo também a lua em 16 de dezembro último. Muitos artigos recentes [6][7] identificam essa conjunção com o nome de J. Kepler, e erroneamente inferem que se trata de uma nova "estrela de Belém". Como vimos aqui, essa não foi a ideia de Kepler, a conjunção - como "ocorrência astrológica" prenunciaria para ele provavelmente outros fatos astronômicos. Para Kepler, a estrela de Belém seria uma nova estrela, que hoje sabemos serem "supernovas" ou estrelas grandes em seus últimos estágios de vida, que nenhuma relação podem ter com conjunções de planetas a milhares de anos-luz de distância.
Seja qual for a explicação, o mistério da estrela de Belém continua...
Referências
[1] Humphreys, C. J. (1991). The Star of Bethlehem a Comet in 5-BC and the Date of the Birth of Christ. Quarterly Journal of the Royal Astronomical Society, 32, 389.
[1] Humphreys, C. J. (1991). The Star of Bethlehem a Comet in 5-BC and the Date of the Birth of Christ. Quarterly Journal of the Royal Astronomical Society, 32, 389.
[2] Nicholl, C. R. (2015). The great Christ comet: revealing the true Star of Bethlehem. Crossway.
http://www.armaghplanet.com/blog/6-theories-about-the-star-of-bethlehem.html
http://www.armaghplanet.com/blog/6-theories-about-the-star-of-bethlehem.html
[4] Kemp, M. (2009). Johannes Kepler on christmas. Nature, 462(7276), 987-987.
[5] Clark, D. H., Parkinson, J. H., & Stephenson, F. R. (1977). An Astronomical Re-Appraisal of the Star of Bethlehem-A Nova in 5 BC. Quarterly Journal of the Royal Astronomical Society, 18, 443-449.
[6] C. Choi (2020). Jupiter and Saturn’s Great Conjunction Is the Best in 800 Years—Here’s How to See It. https://www.scientificamerican.com/article/jupiter-and-saturns-great-conjunction-is-the-best-in-800-years-heres-how-to-see-it/
[7] Ashley Strickland (2020). "Watch for the 'Christmas Star' as Jupiter and Saturn come closer than they have in centuries":
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