06 março 2023

Recursos em astronomia para usar em casa II (Python + TESS)

Análise da curva de luz da variável eclipsante Algol por meio de dados do telescópio TESS. Fonte: catálogo SIMBAD.

Como continuação da série "Recursos em astronomia para usar em casa" vamos aqui descrever como trabalhar com dados astronômicos distribuídos em larga escala na internet por meio da linguagem de programação Python.

Leitores que não tenham conhecimento dessa linguagem podem usar como referência de aprendizado [1-2]. Os comandos apresentados aqui podem ser reproduzidos usando o recurso Jupyter Notebooks [3] de modo online.

Nossa ideia aqui é demonstrar a rapidez com que dados de qualidade podem ser acessados, mesmo de telescópios espaciais. No caso, usaremos dados da missão TESS (satélite de busca de exoplanetas em trânsito, Fig. 1) [2] lançada em 2018 e que é formada por diversos telescópios que escaneiam o céu nas proximidades da Lua para estudos em fotometria estelar e busca de exoplanetas.

Fig. 1 Órbitas da missão TESS de busca de exoplanetas. A órbita de serviço final é mostrada em azul. Fonte: Astronomy magazine.

Captura da curva de luz TESS de Beta Persei.

Sabe-se que β Persei, também chamada "Algol", é uma estreva variável. Sua variabilidade é extrínseca, isto é, causada pelo fato de ser uma estrela binária (na verdade, uma estrela tripla). Por meio do catálogo SIMBAD [4], podemos acessar diversas informações sobre essa estrela pela busca "basic search" do link fornecido usando como texto de busca "beta Per". Uma informação relevante para acessar sua curva de luz é seu número TIC (TESS Input Catalog) que, para Algol, é 346783960.

Esse número é importante, pois dá acesso aos dados disponíveis em uma série de catálogos online. Como vimos no post anterior, isso pode ser feito através do arquivo Barbara A. Mikulski [5]. Uma outra maneira é por meio da biblioteca Python lightcurve [6]. Como a descrição desse tutorial diz, esse recurso em Python possibilita
Uma maneira amigável de analisar dados de séries temporais sobre o brilho de planetas, estrelas e galáxias. O pacote está focado em apoiar a ciência com os telescópios espaciais Kepler e TESS da NASA. 
Para permitir seu uso, devemos instalar a biblioteca antes com o comando:
import lightkurve as lk
Nesse caso, lk é apenas um nome para o "instanciamento" de uma classe que permite acessar os dados externamente.  Para se plotar gráficos, convém também carregar a biblioteca matplotlib por meio do comando:
import matplotlib.pyplot as plt
Esses comandos são colocados no início do script Python e devem ser precedidos pela instalação das bibliotecas por meio do comando pip install:

pip install lightkurve

Uma vez que os dados de uma certa estrela podem ser capturados em mais de um campo ao longo do tempo (ou seja, um mesmo setor do céu é periodicamente revisto pelo TESS), é necessário saber qual o "setor" onde os dados podem ser acessados. Para fazer isso, o seguinte comando pode ser utilizado:
search_result = lk.search_lightcurve(TIC_numb, author='SPOC')
TESS_sectors=[sec for sec in search_result.mission]
kindex=0
print('Available sector(s) for ', TIC_numb, '::')
for sec in TESS_sectors:
print('[', kindex, '] =',sec)
kindex+=1
a função search_lightcurve(TIC_numb, author='SPOC') toma um TICnumb de entrada e retorna uma estrutura "search_result" contendo inúmeros dados referentes ao TIC passado. Dentre eles, os setores TESS por uma busca recorrente em "search_result.mission". Em março de 2023, o código acima para TIC_numb='346783960' retorna:

Available sector(s) for  TIC 346783960 ::
[ 0 ] = TESS Sector 18
[ 1 ] = TESS Sector 58

O setor mais recente é o 58. Esse número é usado como entrada para uma nova chamada da função search_lightcurve com adição do parâmetro 'sector' correspondente:
search_result = lk.search_lightcurve(TIC_numb, author='SPOC', sector=sector_numb)
light_curve=search_result.download()

Todos os dados capturados pelo telescópio espacial para Algol no setor indicado são gravados na estrutura light_curve. Essa não é uma variável, mas um conjunto grande de dados (como uma classe) que contém a curva de luz. A curva de luz pertinente pode ser imediatamente colocada em um gráfico usando a biblioteca matplotlib e o comando

light_curve.normalize().plot(linewidth=0, marker='.', color='blue')
plt.show()

que resulta na Fig. 2 abaixo. Note que a função plot() permite diversos parâmetros de entrada como "color" que especifica uma cor para a linha do gráfico. Da maneira como está progamado acima, o gráfico resultante é feito por meio de pontos em azul.

Fig. 2 Fluxo normalizado para Algol obtido pelo telescópio espacial TESS obtido pelos códigos em Python descritos aqui. Esses gráfico mostra os máximos e mínimos da variável eclipsante. No eixo x o tempo desde a época 2457000 BTJD (data Juliana Baricêntrica) é utilizado e o valor resultante é lido em dias. 

A partir da curva de luz é possível, por exemplo, determinar o período de variação de brilho que corresponde ao tempo que o par principal em Algol leva para revolucionar em sua órbita em torno de um centro de massa comum. 

Os mínimos mais profundos (principais) ocorrem quando a estrela mais brilhante é eclipsada pela mais fraca, enquanto que os mínimos menos profundos (secundários) ocorrem nos momentos de eclipse da estrela mais fraca pela mais brilhante. Por causa disso, a forma e distância entre os mínimos contêm informação sobre a temperatura das estrelas do par. 

Periodograma da curva de luz

O leitor pode mensurar o período calculando a diferença de tempo entre os mínimos principais. Entretanto, a biblioteca lightcurve possui funções específicas que disponibilizam análise mais específicas da dinâmica da curva de luz. Um desses recursos é a função que calcula o periodograma da curva. Um periodograma é um diagrama de períodos fundamentais encontrados em uma série temporal. Uma curva senoidal pura, por exemplo, terá um periodograma composto por apenas uma frequência. 

O periodograma pode ser obtido pela função to_periodogram() que é membra de light_curve usando o código abaixo. Esse código também especifica os comando para se plotar o diagrama de períodos como mostrado na Fig. 3. 
pg = light_curve.to_periodogram(oversample_factor=10)
pg.plot(title='Espectro de períodos de '+TIC_numb)
plt.xlim(0,5)
plt.show()
Fig. 3 Periodograma ou diagrama de períoidos da curva de Algol mostrada na Fig.2 obtida por meio da chamada da função to_periodogram()

No eixo y da Fig. 3 encontramos a potência em fluxo de eletrons/segundo, enquanto que no eixo x a frequência na unidade 1/dia. Ocorrem diversos picos, correspondentes à distribuição de potência da curva de luz. O pico mais alto está próximo do período principal de oscilação e é comensurável com o período orbital de revolução do par. 

O período para o máximo é facilmente determinado como o membro period_at_max_power da estrutura pg retornada pela aplicação da função  to_periodogram(). Para monstrar na linha de comando esse período de máximo basta fazer:
print('Periodo na máxima potência', pg.period_at_max_power)
que retorna o valor 1.43618 dias. O período de revolução corresponde ao dobro desse valor, ou 2.87 dias.

Diagramas de fase

Uma importante ferramenta de pesquisa são os diagramas de fase "dobrada". Por meio desse recurso, escolhe-se um momento da curva de luz e um valor P de período e projeta-se, em um mesmo gráfico, as repetições da curva a cada P escolhido. Se P corresponder ao valor de uma periodicidade maior do brilho, então as diversas curvas se alinham umas sobre as outras, revelando a precisão de um ajuste obtido.

Para obter o diagrama de fase, invoca-se a função fold() que é membra de light_curve. Essa função  permite admite alterar o período de dobra por meio do parâmetro "period" e um múltiplo de fase, wrap_phase. A série de comandos abaixo realizada a dobradura de fase e plota um gráfico de pontos (scatter) usando como período o retorno de perido_at_max_power corrigido por um valor (1-eps), onde eps = 0.002. Note que esse valor eps é ajustado na mão. O valor 0.002 foi o que melhor retornou curvas sobrepostas como mostrado na Fig. 4.  
eps=0.002
light_curve.fold(period=2.*(1-eps)*pg.period_at_max_power,
wrap_phase=2).scatter()
print('Melhor período encontrado =',\
                (2.*(1-eps)*pg.period_at_max_power))
plt.show()
Fig. 4 Diagrama de fase dobrada (phase folding) para a curva de luz da Fig. 2 e período ajustado a partir do retornado segundo o periodograma da Fig. 3.


O melhor período encontrado foi assim 2.8666162 dias. Notamos que o diagrama de fases dobradas se altera se não houver especificação do período até, pelo menos, 4 casas depois do ponto decimal. Asim,  concluímos que o período pode ser definido com grande precisão a partir da análise realizada usando dobradura de fase. Esse períodos em unidades de tempo da Terra é igual a 2 dias, 20 horas e 47 minutos.

Um outro exemplo: sistema sextuplo Sistema TYC 7037-89-1 ou TIC 168789840

Como Algol é uma binária muito conhecida, aplicamos aqui o método descrito acima com sistema TYC 7037-89-1 ou TIC 168789840. Trata-se de uma singela estrelinha de mag. visual 11.5 na constelação do Eridanus, classificada como "binária eclipsante" no SIMBAD, mas que foi recentemente confirmado como um sistema de estrelas sextuplas [7]. Para isso substituimos o TIC de entrada pelo valor 168789840 e buscamos por dados no setor 32. A curva de luz resultante é conforme a Fig. 5.

Fig. 5 Curva de luz TESS para o sistema TYC 7037-89-1 exibindo uma complexa sequência de mínimos. Esse sistema corresponde a um conjunto de 6 estrelas que formam um sistema  sextuplo eclipsante.

O mais impressionante foi a confirmação de que se trata de  um sistema sextuplo (o que é raro) e, ainda mais, todos os componentes se alinham em relação à Terra para produzir eclipses! A estrutura do periodograma é mostrada na Fig. 6.

Fig. 6. Periodograma obtida pelo método descrito aqui para o sistema sextuplo. A presença de inúmeros picos secundários em torno do principal revela a existência de outros componentes na estrutura dos eclipses. 

O diagrama de fase ajustado (para eps = 0.002) é mostrado na Fig. 7.

Fig. 7 Diagrama de fase dobrada para o período principal correspondente ao máximo do periodograma e corrigido para o fator eps = 0.002. 

A presença de mínimos que não coincidem na Fig. 7 revela a existência de outros pares emaranhados na estrutura de variação de brilho. Esses foram separados e identificados como produzidos por eclipses periódicos de 3 pares de estrelas. 

O período principal encontrado com o código acima foi 1.5691781 dias.

Referências

[1] Devmedia (2022). Python Tutorial. https://www.devmedia.com.br/python-tutorial/33274 

[2] UFF (2009) Tutorial de Introdução ao Python. https://www.telecom.uff.br/pet/petws/downloads/tutoriais/python/tut_python_2k100127.pdf 

[3] https://jupyter.org/try-jupyter/lab/

[4] http://simbad.cds.unistra.fr/simbad/ 

[5] https://mast.stsci.edu/portal/Mashup/Clients/Mast/Portal.html

[6] https://docs.lightkurve.org/

[7] C. Gebhardt (2021). TESS reveals triple-binary eclipsing star system & Sun-like star with extremely close exoplanets. Ver: https://www.nasaspaceflight.com/2021/01/tess-triple-binary-eclipsing-star-system-close-exoplanets/



https://docs.lightkurve.org/tutorials/1-getting-started/what-are-periodogram-objects.html 


17 janeiro 2023

Cometas em 2023: C/2022 E3 (ZTF)


Imagem do cometa C/2022 E3 (ZTF) 18/12/2022 por Michael Jager.

Trata-se de um cometa que tem recebido atenção exagerada de inúmeros sites nacionais. Muitos desses sites replicam sem contestação o que traduzem de outros sites externos empolgados por um cometa favorável ao hemisfério norte.

Até o momento, será o cometa mais brilhante em 2023 para o Brasil, muito embora seu brilho atinja mag. 4.5 em janeiro de 2023 em favor do hemisfério norte e se reduza para 5.0 em fevereiro. Isso torna o C/2022 E3 (ZTF) de difícil observação a não ser na zona rural. Definitivamente, não é um alvo para observação fácil para o grande público fixado nas grandes cidades. Além da posição boreal, a empolgação com sua chegada se deve a uma variação inesperada de brilho que o colocou no limite da observação visual. Aguardaríamos outra explosão de brilho?

Como é um cometa com órbita de excentricidade próxima a 1.0 (uma parábola) trata-se de um corpo que, provavelmente, não retornará ao sistema solar interior. É um membro da distante núvel de Oort. 

Em janeiro de 2023 atingiu o periélio no dia 12. Será um objeto de difícil observação no hemisfério sul em seu brilho máximo, exceto para localizações mais próximas do equador. É o caso para observadores na região norte do Brasil, principalmente nos Estados de Amapá e Roraima. No final de janeiro atinge sua posição mais boreal possível e mais próxima da terra (0,284 UA de distância), próximo à estrela Polaris da Ursa Menor (declinação +71 graus). 

Depois de sua máxima aproximação, segue em direção ao hemisfério austral, porém, quando estiver em posição favorável para observadores do hemisfério sul terá reduzido de brilho de forma significativa, tornando-se visível apenas por meio de instrumentos. 

Referências

https://cometchasing.skyhound.com/

http://www.aerith.net/comet/catalog/2022E3/2022E3.html



04 janeiro 2023

Recursos em astronomia para usar em casa (TESS)

 

Da mesma forma como nossa vida se influenciou pelas plataformas digitais e mídias socias da internet, a Astronomia é hoje uma "comunidade virtual", onde pouco importa possuir um instrumento para fazer contribuições relevantes, desde que se participe da comunidade certa. Muitas comunidades de pesquisa disponibilizaram um grande número de recursos de acesso a dados gerados por instrumentos profissionais. Esses recursos podem ser usados para se fazer descobertas. 

Assim, nasce a possibilidade do astrônomo amador fazer contribuições, mesmo sem a necessidade de qualquer equipamento, exceto um computador com acesso à internet. Um exemplo prático é o banco de dados MAST (Mikulski Archive for Space Telescopes, acessível via https://mast.stsci.edu) que reúne milhares de entradas de dados sobre corpos celestes obtidas por inúmeros telescópios, inclusive espaciais.

Dentre os telescópios espaciais está o TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite, informação disponível em https://tess.mit.edu/science/) ou satélite de buscas por planetas em trânsito. A missão espacial TESS é uma continuação da missão Kepler responsável pela descoberta de milhares de planetas alienígenas ou "exoplanetas". Esse é o nome dado a planetas que orbitam outras estrelas. Um dos objetivos do TESS é achar planetas pequenos (com diâmetro menor que 4 diâmetros da Terra) em torno de estrelas suficientemente brilhantes.

Figura 1 Como se descobrem planetas alienígenas. Uma redução de brilho é observada quando um planeta passa na frente do disco da estrela. Imagem segundo [1]. Para ter eficiência, é necessário dispor de um instrumento que monitore constantemente o brilho de amplos setores no céu. Esse é o caso da missão TESS.

A TESS usa o método dos "trânsitos". Quando um planeta passa na frente de uma estrela, ocorre uma queda de luz (Fig. 1). Essa redução de brilho é detectada pelo telescópio. Na missão TESS 4 câmeras de 10 cm de diâmetro vasculham o céu periodicamente e produzem registros de brilho ao longo de vários dias. A redução observada de brilho é diretamente proporcional ao diâmetro do planeta alienígena. Dessa forma, quanto maior o planeta em relação à estrela, maior a chance de ele ser descoberto. Por outro lado, para um determinado diâmetro de planeta, quanto menor a estrela que o abrigue, maior a chance também de descoberta.

Há possibilidade real de astrônomos amadores contribuírem na descoberta de novos planetas usando dados da TESS, pois todos os seus dados são públicos. Uma maneira de se começar a analisar esses dados é por meio do projeto "Planet Hunters TESS" [1], que é um projeto voltado para "cidadãos cientistas". Ali é possível aprender a analisar curvas de brilho, discutir possíveis casos de interesse ou aprender sobre curvas de estrelas variáveis. Nesse último caso, é grande a chance de se topar com uma estrela variável ou binária eclipsante. Há milhões de entradas disponíveis.

Ao longo de vários posts, vamos discutir aqui as perspectivas de uso desses dados. Neste primeiro, mostramos um pouco sobre como é possível usar o MAST para acessar dados do TESS. Com acesso à internet é possível imediatamente visualizar dados de curva de luz. Aqui apresento um procedimento geral para isso. 

Acesso e análise dos dados do MAST da estrela π Mensae.


Figura 2 Campo de busca da estrela TIC 261136679 para acesso aos dados do telescópio TESS.

Como vamos acessar dados do TESS, precisamos conhecer como é feita a catalogação das estrelas na base de dados desse telescópio. Toda estrela em seu catálogo é registrada como um número com a sigla TIC (que significa TESS Input Catalog ou “catálogo de entradas TESS”) na sua frente. Por exemplo, um planeta foi descoberto na estrela π Mensae [2]. A estrela que abriga o planeta recebeu a designação TIC 261136679, embora seu nome também possa ser achado como “π Mensae” (ou SAO 258421, HD 39091  etc). Ao se entrar no catálogo [1], simplesmente copiamos “TIC 261136679” para o campo “end enter target” no campo superior direito e clicamos “search” como mostra a Fig. 2. O resultado da busca é uma página parecida como a Fig. 3.

Figura 3 Resultado da busca. A imagem da estrela é vista na parte direita.

Como mostrado nessa figura, restringimos o acesso para apenas dados TESS clicando-se na caixa disponível sob o título “Mission” na parte esquerda da tela. A imagem da estrela é mostrada na parte direita. Esse mapa é, de fato, uma foto que pode ser ampliada. Na parte central podemos ver vários segmentos de dados correspondentes às campanhas de observação realizadas em que dados do campo contendo a estrela procurada podem ser encontrados. Sob o título de coluna “Actions”, podemos clicar no botão com o símbolo:
que dá acesso a uma provável curva de luz já disponibilizada. Ao se seguir esse caminho, conforme a rapidez de sua conexão, aparecerá uma janela como mostrada na Fig. 4.

Figura 4 Visualizador de curva de luz.

Há duas opções de dados como mostrado na parte direita. O bloco em laranja (PDCSAP) corresponde aos dados processados. O bloco em verde/azul (SAP) são dados não processados. Deve-se escolher os dados processados. É possível alterar alguns parâmetros do gráfico da curva de luz central usando as opções que aparecem na parte esquerda. Para a série temporal (curva de luz) processada, o gráfico correspondente ao conjunto de número 14 é mostrado na Fig. 5. 

Figura 5 Dados processados do TESS para um dos setores em que a estrela π Mensae pode ser encontrada. As quedas de luz são produzidas por eventos de trânsito de um exoplaneta [2].

Esse gráfico mostra a variação de brilho (medido em fluxo de número de partículas por segundo) ao longo do tempo medido em dia. Há diversas quedas de luz observadas em intervalos regulares. O faixa central sem dados corresponde ao período de tempo em que o telescópio TESS estava transmitindo dados à Terra e, por isso, não foram tomadas medidas nesse intervalo. O tempo é medido em BJD (datas Julianas-Besselianas) diretamente relacionados a intervalos de tempo em horas e dias terrestres. 

As quedas observadas de luz na Fig. 5 são eventos de trânsito do exoplaneta. As variações na grande massa de dados entre os fluxos 1.46418 e 1.46504 são oscilações naturais no brilho da estrela ou resultado de incertezas no sensor. Essas oscilações determinam o limite de sensibilidade do telescópio TESS, pois, se as quedas observadas na Fig. 5 estivesse todas dentro desse intervalo, o planeta não teria sido observado. 

O intervalo de tempo entre as quedas é o período de trânsito do planeta que corresponde ao seu período orbital. O gráfico no MAST (Fig. 5) é interativo. Podemos medir o período simplesmente calculando a diferença nos tempos (eixo x) entre dois trânsitos sucessivos. Por exemplo, há uma queda mais ou menos em BJD 12,748 e outra imediatamente anterior em BJD 6,482. A diferença corresponde ao período de 6,26 dias. Para testar a validade desse tempo, abrimos a opção “phase folding” que realiza uma “dobradura de fase” na curva de luz de forma a empilhar dados no tempo conforme um período de tempo fornecido. Para isso, clicamos na opção “Phase folding” na parte esquerda do gráfico da Fig. 4, inserimos o valor 6,26 no campo “Period (days)” e clicamos em “enable phase folding”. O resultado é mostrado na Fig. 6. As quedas estão todas “encavaladas” em um mesmo intervalo de fase que se inicia em zero. Dessa forma confirmamos a descoberta de um planeta alienígena! Como no caso de TIC 261136679, existem milhares de outras estrelas que aguardam a contribuição de pessoas para identificar essas quedas de brilho nos gráficos. Esse é o objetivo do programa [1].

Figura 6 Resultado da operação de “dobradura de fase” com inserção do período de trânsito observado. 

A estrela π Mensae (mag. Visual 5,67) é classificada como uma estrela do tipo G0V que dista 18,2 parsecs da Terra, ou quase 60 anos-luz. Ela tem massa muito próxima a do Sol, assim como um raio parecido com ele. Portanto, se estivéssemos no sistema de π Mensae, nosso sol teria brilho aparente apenas um pouco inferior.

De fato, o sistema de π Mensae abriga pelo menos dois planetas, chamados b e c respectivamente. O período de c é 6,26 dias (segundo [2], 6,2679±0,00046 dias), enquanto que b tem período muito maior, da ordem de 2093 dias. O planeta c dista 10,2 milhões de quilômetros da estrela e tem uma massa igual a 4,82 massas da Terra [2], ou seja, é uma “superterra”. Para se ter uma ideia, Mercúrio dista em média 62 milhões de quilômetros do Sol. Por estar muito próxima da estrela, a superterra π Mensae c é um verdadeiro inferno. Um terceiro planeta “d” foi anunciado [3], mas permanece não confirmado.

Outros planetas confirmados são:
  • TIC 298663873 [4]: com período de 260 dias, ele somente teve um trânsito pelo TESS. Sua descoberta, feita por cientistas cidadãos, permitiu o monitoramento do trânsito quase que imediatamente. O período foi determinado por meio de medidas de velocidade radia.
  • TIC 307210830 [5]: aqui TESS revelou um sistema triplo, onde os componentes internos são rochosos e têm massas semelhantes à da Terra.
De uma lista com mais 280 entradas somente obtidas com dados do TESS. O leitor consegue encontrar no MAST as curvas de luz para os exemplos acima?

Conclusão

O exemplo aqui apresentado mostra que há mais chances de se descobrir algo novo e relevante nesses dados do que por meio de telescópios que o astrônomo amador tenha em sua casa, não importa o quão caro e equipado ele seja. Por outro lado, quem tem equipamentos sofisticados e munidos de fotosensores pode se envolver em campanhas de confirmação de variação de brilho de muitos alvos do TESS como, por exemplo, o caso TIC 298663873 que é um exoplaneta de longo período. 

Foi-se a época em que a Astronomia dependia crucialmente de instrumentos de amadores. Hoje, ela pode se beneficiar das pessoas, porém, muito mais por meio do acesso, análise e manipulação de um volume enorme de dados públicos obtidos por instrumentos profissionais e missões espaciais. Esses dados estão catalogados e calibrados, uma condição imprescindível para que tenham valor científico.

Entretanto, para que seja possível fazer descobertas, é preciso conhecimento no acesso, análise e interpretação dos dados. Nesse sentido, vamos apresentar como isso pode ser conseguido em uma série de posts futuros. 

Referências


[2] Huang, C. X., Burt, J., Vanderburg, A., Günther, M. N., Shporer, A., Dittmann, J. A., ... & Rinehart, S. A. (2018). TESS discovery of a transiting super-Earth in the pi Mensae System. The Astrophysical Journal Letters, 868(2), L39.


[4] Dalba, P. A., Kane, S. R., Dragomir, D., Villanueva, S., Collins, K. A., Jacobs, T. L., ... & Villaseñor, J. N. (2022). The TESS-Keck Survey. VIII. Confirmation of a Transiting Giant Planet on an Eccentric 261 Day Orbit with the Automated Planet Finder Telescope. The Astronomical Journal, 163(2), 61.

[5] Cloutier, R., Astudillo-Defru, N., Bonfils, X., Jenkins, J. S., Berdiñas, Z., Ricker, G., ... & Villasenor, J. (2019). Characterization of the L 98-59 multi-planetary system with HARPS-Mass characterization of a hot super-Earth, a sub-Neptune, and a mass upper limit on the third planet. Astronomy & Astrophysics, 629, A111.