02 abril 2016

Sobre chuvas de meteoros e a Eta Aquaridas em 2016

Fonte: La Jeringa.
A boa observação de chuvas de meteoros requer exigentes condições que sintetizamos abaixo:
  1. Não pode "haver lua", o que significa que, preferencialmente, o evento não deve estar entre o quarto crescente e o minguante subsequente, mas, principalmente, a proximidade da lua cheia. A presença da lua cheia é um sério empecilho à observação;
  2. Altas taxas de "precipitação". A intensidade das chuva é medida pelo seu "rate" em número de meteoros por hora. É óbvio que, quanto maior esse número, maior a chance de se observar um evento;
  3. A posição da radiante. A radiante é um ponto fictício no céu de onde os meteoros "surgem". Na verdade, é um efeito geométrico e depende do arranjo entre as órbitas dos detritos e da Terra. O problema é que, se a radiante estiver muito baixa no horizonte, as chances de observação se reduzem por um efeito muito simples de entender, algo como a diferença de expectativa de receber um pingo de chuva no para-brisa de um carro e sua traseira quando o carro se move para frente. Radiantes muito baixas (o que ocorre se sua posição for muito boreal em relação ao hemisfério sul e vice-versa) simplesmente não produziram efeito algum. A posição ideal é a da radiante "diretamente acima" da cabeça do observador;
  4.  Ausência de iluminação artificial, o que torna difícil a observação das chuvas de meteoro (ideais) nas grandes cidades. Se as condições 1-3 acima forem satisfeitas, a observação de meteoros em grandes cidades está limitada apenas aos eventos mais brilhantes, conforme inúmeros registros em vídeo têm mostrado recentemente (2).
  5. Acrescentamos ainda a necessidade de tempo limpo, sem nuvens, pois meteoros tornam-se visíveis muito além da camada de nuvens. Essa exigência é comum para qualquer evento no céu o que, no caso do Brasil (e América Latina), implica que são escassas as chances de boas observações nos meses chuvosos. Portanto, chuvas de meteoros que coincidam com a época seca (outono, inverno) provavelmente satisfarão essa necessidade.
Dito isso, lembramos que não é necessário nenhum instrumento de observação, a menos dos olhos. Nem mesmo binóculos devem ser usados para se observar. O uso de câmeras é possível, particularmente se possuírem objetivas com grande campo.

O caso das Eta Aquáridas em 2016.

A única condição acima que depende do observador é a 4, porque ele pode 'escolher' de onde observar. Portanto, devemos estar atentos para 1, 2, 3 e 5. Um caso em 2016 é o da Eta (η) Aquaridas (1), cujo máximo ocorre entre 6 e 7 de maio (sim, é possível testemunhar o evento em duas datas). Membros da Eta Aquáridas poderão ser vistos desde 20 de abril e sua atividade persistirá até 12 de maio, mas o máximo se dará entre as datas indicadas. A época parece ser propícia para o hemisfério sul, pois é o início da estação seca, o que está de acordo com a condição 5.

Com relação à condição 2, as taxas previstas para o hemisfério sul giram em torno de 30 a 40 meteoros por hora, o que significa aproximadamente um evento a cada dois minuto. Essa é uma taxa razoavelmente "alta", se comparada a maioria das chuvas ao longo do ano (Quadrântidas, Delta Ariêtidas, Delta Câncridas, Coma Berenícidas, Corono-Austrálidas, Delta Dracônidas... esses são alguns dos nomes pitorescos). Já temporais celestes são eventos raríssimos, só acontecem sob condições excepcionais (como foi o caso das Leônidas em 1833, com taxas da ordem de 1 milhão por hora, um texto sobre isso pode ser encontrado aqui).

Fig. 1 Aspecto da orientação da constelação de Aquário, como visto desde Campinas, SP, em 6/5/2016 por volta das 5:00 da manhã. A posição da radiante é indicada pela estrela com pontas em η -Aquariids.
Com relação à condição 3, para latitudes em torno de -23 graus sul, a Fig. 1 mostra o aspecto da constelação de Aquário na data 6/5/2016 às 5:00, conforme previsto pelo software Stellarium. A posição da radiante (altura em relação ao horizonte) é de aproximadamente 65 graus, o que é bastante satisfatório. Talvez essa seja a radiante mais bem localizada para o hemisfério sul. De fato, na data, a radiante estará acima do horizonte desde às 1:00, mas o ideal é esperar sua ascensão em relação ao horizonte oriental, de forma a aumentar a probabilidade de observação, pouco antes do alvorecer.

Falta apenas a condição 1, que é decisiva. Consultando o calendário lunar (3), encontramos com alegria que será lua nova em 6/5/2016 as 16:31 do TL. Não haverá lua no máximo das Eta Aquáridas de 2016!

Atenção: As chances são maiores de se observar um meteoro se a visão for concentrada em uma região distante 60 ou 90 graus da radiante! Ou seja, os meteoros não serão observados diretamente sobre o ponto da radiante. Ao observar um traço, preste atenção a sua persistência, você está vendo um resto do cometa de Halley!

Os detritos que geram os eventos na Eta Aquáridas se originam de um dos cruzamentos da órbita da Terra com a do cometa Halley. O outro cruzamento é responsável pelas "Oriônidas", por volta de 20 de outubro. Existem especulações (4) de que a órbita de Júpiter é responsável por variações na intensidade de Eta Aquáridas, mas ninguém é capaz de prever se este ano haverá aumento em relação a anos anteriores.

De acordo com nossa análise, um "espetáculo mínimo" provavelmente estará garantido, e cabe ao observador encontrar o melhor lugar para observá-lo.

Referências

1) Já descrevemos aqui uma ocorrência anterior dessa chuva.
2) Ver: http://live.exoss.org/ (acesso em março de 2016).
3) Ver, por exemplo, http://www.calendar-12.com/moon_phases/2016 (acesso em março de 2016).
4) Hajduk, A. (1970). Structure of the meteor stream associated with comet Halley. Bulletin of the Astronomical Institutes of Czechoslovakia, 21, 37.


27 março 2016

Texto sobre a história da descoberta da chuva Eta Aquáridas

Uma foto do cometa de Halley em 1910. Esse cometa é o responsável pela geração do chuveiro de Eta Aquáridas.
Traduzimos abaixo um texto excelente de http://meteorshowersonline.com/eta_aquarids.html (acesso em março de 2016) sobre a história da chuva de meteroros Eta Aquáridas, que se mostra como uma das melhores a serem observadas no hemisfério sul. Este texto contem detalhes históricos importantes que justificam a contagem de meteoros da Eta Aquáridas, conforme apresentaremos em um futuro post.

Suspeitas de que uma chuva estaria provavelmente ativa no final de abril e começo de maio começaram a aparecer em 1863, quando H. A. Newton examinou as datas de antigos chuveiros e sugeriu uma série de períodos que mereciam melhor atenção de observadores. Um desses períodos foi 28-30 de abril e incluiu a observação de chuveiros em 401 d.C., 839 d.C., 401 d.C.., 827 d.C. e 934 d.C. e 1009 d.C. 

As Eta Aquáridas foram oficialmente descobertas em 1870 pelo coronel G. L. Tupman (enquanto velejava pelo mar Mediterrâneo). Ele observou 15 meteoros em 30 de abril e 13 nas noites de 2 e 3 de maio daquele ano. Mais tarde, W. F. Denning examinou registros da Associação de Meteoros Italiana e identificou 45 meteoros entre 29 de abril e 5 de maio de 1870. Finalmente, a primeira confirmação do chuveiro veio no dia 29 de abril de 1871, quando Tupman consegui observar 8 meteoros.

Observações das Eta Aquáridas eram raras, mas, em 1876, A. S. Herschel descobriu algo que geraria interesse nesse chuveiro. Ele conduziu  uma busca matemática para encontrar cometas que fossem aptos a produzir as maiores chuvas. Encontrou que o cometa de Halley esteve mais próximo da Terra a 4 de maio, quando a radiante estava em Aquário. Herschel imediatamente notou que as radiantes observadas por Tupman em 1870 e 1871 estavam muito perto dessas previsões.

As Eta Aquáridas permaneceram pouco observadas por causa da ausência de observadores ativos no hemisfério sul. Somente suspeitas ocasionais de atividade da chuva foram reportadas já que observadores setentrionais entravam no crepúsculo pouco depois que a radiante se elevava acima do horizonte oriental. Não obstante isso, H. Corder detectou alguma atividade na manhã de 4 de maio de 1878 com 3 ocorrências de meteoros, revelando a radiante próxima à estrela Eta do Aquário. Nesse ano, Herschel examinou todas as observações disponíveis e notou que a radiante desse chuveiro parecia se mover para leste a cada dia.

W. F. Denning finalmente conseguiu observar essa chuva de 30 de abril a 6 die maio de 1886. Um total de 11 meteoros foi registrado, revelando a radiante próxima à estrela Eta do Aquário. Dessas observações, ele afirmou que a radiante tinha de 5 a 7 graus de diâmetro. Além disso, acrescentou que a aparente proximidade dessa radiante com aquela prevista por Herschel identificava "de forma inequívoca" sua associação com o cometa de Halley.

Felizmente, vários bons observadores de meteoros apareceram no hemisfério sul durante a década de 1920 e o conhecimento de chuveiros importantes para o hemisfério sul cresceu dramaticamente. Um dos observadores mais prolíficos foi R. A. McIntosh (de Auckland, na Nova Zelândia) que publicou um dos relatórios mais significativos sobre as Eta Aquáridas em 1929. McIntosh indicou que suas observações nesse ano entre 22 de abril e 13 de maio mostravam uma "boa noção da dispersão provocada pela ação dos planetas ao longo dos séculos, desde quando a influência do cometa pai se mostrou presente". Ele estabeleceu que o máximo estava localizado definitivamente no começo de maio, embora o tempo ruim tivesse prejudicado a determinação exata da data. Taxas horárias entre 10 e 20 foram observadas no período entre 2 a 11 de maio. O diâmetro da radiante ficou consistentemente em 5 graus, e os cálculos orbitais de McIntosh mostraram bom acordo com a órbita do cometa de Halley.

A partir de 1947, as Eta Aquáridas juntaram-se ao grupo dos primeiros chuveiros a serem detectados por técnica de eco de rádio. Entre 1 a 10 de maio, o radiotelescópio de Jodrell Bank indicou uma taxa horária de 12. Pouco foi acrescentado pelo Jodrell Bank no restante da década de 1940 e 1950. De fato, esse chuveiro foi ignorado, já que o radiotelescópio raramente era operado no começo de maio. Felizmente, observadores usando um equipamento de radar do Observatório de Meteoros de Springhill (Ottawa, Canadá) e, mais tarde, o Observatório Ondrejov (na então Tchecoslováquia) foram capazes de gerar algumas das séries de dados mais extensivas sobre esse chuveiro.

Os dados de Springhill cobrem o período de 1 a 10 de maio e um fato importante foi revelado por A. Hajduk (Instituto Astronômico da Academia de Ciências da Eslováquia, Bratislava) sobre a complexidade da taxa de atividade horária desse chuveiro. Usando médias compiladas do período de 1958 a 1967, notou-se o aparecimento de dois máximos aparentes: um em 4 de maio e outro no dia 7. Esse resultado representava alguns dos dados de eco, mas outro estudo complementar de ecos de longa duração (aproximadamente 1 segundo), revelaram os dois mesmos máximos, exceto que o declínio entre as duas datas não era tão pronunciado no último dado. Também presentes estava um último aumento, que veio apenas no dia 10 de maio. 

Astrônomos amadores fizeram observações significativas dessa chuva de meteoros durante os últimos 30 anos. Com base em observações amadoras de organizações dos Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Austrália e Nova Zelândia, sabe-se que há uma diferença dramática nas taxas de atividade desse chuveiro entre os hemisférios norte e sul. Enquanto que taxas horárias chegam a 20 por hora nos Estados Unidos, Europa e Japão, a frequência sobe para 30 a 40 por hora conforme relatado por observadores na Austrália e Nova Zelândia. A razão é simples: a constelação de Aquário está mais alta no céu para o observadores abaixo do equador. Tais organizações também revelaram que cerca de 1/3 dos membros da Eta Aquáridas produzem rastros persistentes, que são os traços de luminosidades deixado pelos meteoros nos últimos segundos.

Durante a aparição do cometa de Halley em 1985, várias organizações de observação de meteoros ao redor do mundo colocaram membros em alerta para um possível aumento da atividade da Era Aquáridas (e também Oriônidas).  Registros de grupos na Austrália, Nova Zelândia, Bolívia, Norte América e Japão indicaram que não houve aumento de atividade na data. 

01 março 2016

A oposição de Júpiter e trânsitos das luas galileanas

Fig. 1 Reprodução do Stellarium mostrando o trânsito "duplo" de Io e Ganimedes em 23 de março de 2016 por volta das 21:20 (tempo de Brasília). Io projeta uma sombra.
Março é o mês da oposição "joviana" ou de Júpiter. Ela acontece "oficialmente" no dias 8 de março de 2016 aproximadamente às 10:00 TU (tempo universal). No período de oposição, esse planeta pode ser visto ao entardecer durante toda a noite e madrugada.

Na verdade, fevereiro, março e abril são meses ideais para observação de Júpiter, o que pode ser ainda mais facilitado pelo uso de um telescópio amador. Conforme o diâmetro da objetiva do instrumento usado para observação, progressivamente mais detalhes podem ser vistos no disco do planeta. Essas características estão sempre mudando, de forma que o  observador irá constatar ser a face de Júpiter muito movimentada se comparada a relativa imutabilidade de outros fenômenos celestes ou de outros planetas.

Idealmente, diâmetros acima de 200 mm devem ser usados para observar detalhes mais finos da atmosfera, mas, em geral, aberturas menores são possíveis, principalmente na observação de trânsitos. Conforme descreve Jean Nicolini (1):
Se um telescópio de 200 mm for empregado e à condição de que o observador tenha adquirido boa experiência, não raro torna-se possível acompanhar as particularidades da evolução, transformações, modificação das zonas claras, das nodosidades existentes nas faixas sombria, dos "penachos" equatoriais ou mesmo de algumas particularidades permanentes existentes nas diversas regiões que dividem o planeta.
Nicolini lembra que, na oposição, é possível observar uma rotação completa do planeta, ao se iniciar observações à noite ao longo de aproximadamente dez horas. Isso pode tanto ser feito visualmente como por meio de fotografias, como a tirada pelo autor deste blog na imagem da Fig. 2.

Fig. 2 Foto de Júpiter tirada pelo autor deste blog em 30/4/2006 por meio de um telescópio
refletor Maksutov-Cassegrain de 5 polegadas.
Trânsito de satélites galileanos

Com a proximidade do planeta, outros eventos dinâmicos podem também ser observados na "corte" de satélites que fazem parte do sistema de Júpiter. Este ano, em particular, o par de satélites Io e Europa cruzarão simultaneamente o disco em várias datas. Para facilitar observadores dentro da zona -3 GMT, abaixo fornecemos as datas para alguns desses trânsitos.
  • 08/3- Trânsito duplo Io-Europa que ocorre de 00:28 a 01:56 TU
  • 15/3- Trânsito duplo Io-Europa que ocorre de 2:21 a 4:34 TU.
  • 23/3- Trânsito duplo de Io-Ganimedes que ocorre de 23:47 a 0:58 TU (em 24/3).
  • 01/4 - Trânsito duplo Io-Europa que ocorre de 20:16 a 21:19 TU.
  • 08/4 - Trânsito duplo Io-Europa que ocorre de 22:54 a 23:14 TU.
Todos esses eventos ocorrem no dia anterior marcado para a zona -3GMT se a data de início for depois das 00:00 TU, ou seja, ocorrem durante a noite (do dia anterior). Assim, por exemplo, o evento de 23/3 começa às 20:47 (Tempo de Brasília) nessa data e termina às 9:58 em 23/3. Para outros lugares do mundo, basta somar ou subtrair do valor TU  conforme o meridiano.

Na Fig. 1 ilustramos uma imagem desse evento. A movimentação dos satélites é rápida e confirma o emoção que é observar Júpiter.

Referências e notas

(1) J. Nicolini (2004). Manual do Astrônomo Amador. Papirus Editora, 4a Edição.