|
Fig. 1 Região do céu na constelação da Virgem que contém o Quasar 3C273, um objeto bem distante que se pode ver com um telescópio amador. Imagem: Chris Cook, 2009. Abmedia.com. |
O título deste post é muitas vezes a questão preferida de iniciantes na astronomia amadora. Para quem realmente se inicia no hobby, comprar um pequeno telescópio é a primeira coisa a se fazer. Com tantas opções disponíveis e diante de limitações de orçamento, frequentemente a primeira pergunta é sobre qual o melhor telescópio a se comprar (que cabe no bolso). A segunda é "o que podemos ver com ele e quão longe ele pode ver". Tentamos dar aqui uma resposta que permita ao iniciante saber isso para qualquer tipo de instrumento que pense em adquirir.
A escala de magnitude aparente
Sem querer, muitos iniciantes não sabem que essa pergunta nos leva direto à definição da escala de magnitudes - a maneira como se mede o brilho aparente das estrelas. Dizemos "brilho aparente" porque, obviamente, o quanto uma estrela parece brilhar para nós depende de sua distância. A escala usada para medir esse brilho é uma escala especial porque, quanto mais débil uma estrela for, maior será seu valor de magnitude - a unidade usada para medir brilho aparente, o que é algo que contraria a intuição (ou seja, esperaríamos que o valor numérico crescesse com o brilho).
Suponha que temos duas estrelas, uma com fluxo luminoso F1 e outra com fluxo luminoso F0. A estrela com fluxo F0 é mais brilhante (aparentemente) do que F1. O fluxo luminoso é uma medida de brilho e mede a quantidade luz que cada estrela faz incidir, por exemplo, sobre uma determinada área (pode ser tanto o espelho de um telescópio como a pupila do olho). Importante que se diga: o fluxo luminoso é uma medida diretamente associada ao instrumento usado para se captar a luz. O fluxo luminoso é proporcional, por exemplo, à área de captação - algo mais ou menos semelhante à diferença entre volumes de chuva captados com baldes diferentes. Quanto maior o balde, mais chuva se capta, da mesma forma, quanto maior o diâmetro do instrumento, tanto maior será o brilho aparente que ele causará a um observador - para um mesmo objeto - que fizer uso dele.
Assim, sem perda de detalhes, apresentamos a escala de magnitudes. Uma estrela com fluxo F1 terá magnitude m1 e a estrela com brilho F0 terá magnitude m0:
m1-m0 = -2,5 log10 (F1/F0) (Eq. 1)
Nessa fórmula "log10" é logaritmo na base 10, facilmente encontrado em muitas calculadoras. Tanto F1 como F0 são números positivos e se sabe que o logaritmo de um número menor que 1 é negativo. Portanto, se F1 < F0, a parte direita da equação acima será positiva, de forma que a magnitude do objeto 1 será
maior que o objeto 0. Um exemplo ilustrará melhor. Suponhamos que consideramos F0 como sendo o brilho da estrela
Vega (α Lyr). Essa estrela tem magnitude aproximadamente igual a zero (na verdade, para Vega, m0 = 0,03). Uma estrela com um décimo do fluxo de luz de Vega, ou seja F1 = F0/10, terá a magnitude:
m1 = -2,5*log10(0,5) = 2,5
porque log10(0,1) = -1. Portanto, quanto mais fraco o brilho de uma estrela (em comparação à Vega) tanto maior será sua magnitude aparente. Por outro lado, quanto mais brilhante ela for, menor será seu valor, pondendo inclusive ser um valor negativo. Por essa razão, o sol tem magnitude aparente -23, enquanto que a lua é vista como tendo magnitude aparente da ordem de -12.
Aplicando a equação da escala de magnitudes para instrumentos diferentes
Esse exemplo é uma aplicação da Eq. 1 para diferentes estrelas. Mas, o que poucos sabem é que a Eq. 1 pode ser aplicado ao mesmo objeto como visto por telescópios diferentes. Para ver isso, retornamos ao caso do balde e à quantidade de chuva captada. O fluxo de luz é como o volume de chuva. Mas esse volume é proporcional à área de captação, no caso, o quadrado do diâmetro do balde. Portanto, se temos dois equipamentos com diâmetros diferentes (por exemplo, D1 e D2) então a razão entre os fluxos de luz será dada conforme a relação abaixo:
F1/F2 = (D1/D2)^2
onde ^2 significa que o valor entre parênteses está elevado ao quadrado. A olho nu - ou "a vista desarmada" - a estrela Vega tem magnitude aparente próxima a zero. O olho desarmado tem um diâmetro de pupila (dilatada) máximo da ordem de 6 mm. Se temos um instrumento com 130 mm de diâmetro - e assumindo que não há perdas de reflexão ou nas partes ópticas do instrumento, qual será a magnitude aparente de Vega vista por esse telescópio? Nesse caso, tomamos D1 = 6 mm (olho) e D2 = 130 mm (telescópio). Então (D1/D2)^2 = 0,00213. Chamando m1 a magnitude de Vega vista pelo olho desarmado e m2 a magnitude como vista pelo telescópio e substituindo na Eq. (1) a razão entre os fluxos encontramos:
m2 = 2,5*log10(0,00213) = -6,67
ou seja, por esse instrumento, a magnitude aparente de Vega será negativa e, portanto, muito mais brilhante do que o planeta Vênus como visto pelo olho desarmado.
Essa equação pode ser usada para se determinar o diâmetro que um instrumento deve ter para que um objeto visto por ele atinja a magnitude 5,5 - que é a magnitude aparente da estrela mais débil que olho humano adaptado consegue ver. O que temos que fazer? Inverter a equação, colocando na parte esquerda a magnitude aparente de um objeto muito distante.
Assim, ao invés de dizer que um instrumento de tantos milímetros de diâmetro consegue observar um objeto a tantos "milhões de anos luz de distância", escolhemos o objeto - no caso podemos aqui usar o quasar
3C 273 que pertence à constelação da Virgem (ver Fig. 1) como exemplo. Esse objeto tem magnitude 12,9. A equação que deve ser resolvida é:
12,9 - 5,5 = -2,5*log10(6/D2)^2)
porque, o objeto - com magnitude aparente (a vista desarmada) 12,9 será levado ao limite de visibilidade (5,5) com um instrumento de diâmetro D2 a ser determinado. Para saber esse valor, resolvemos a equação:
12,9 - 5,5 = -2,5*log10((6/D2)^2) ->
7,4 = -5,0*log10(6/D2) ->
-1,48 = log10(6/D2) ->
10^(-1,48) = 6/D2 ->
D2 = 6*(1/0,03311) ->
D2 = 181,2 [mm]
Portanto, um telescópio de aproximadamente 182 mm de diâmetro (aproximadamente 7 polegadas) permitirá a observação do quasar 3C 273 que está localizado a
2,4 bilhões de anos-luz de distância! Observe que, por tal instrumento, esse objeto será visto como uma estrela de magnitude 5,5 - no limite da visão desarmada com a pupila dilatada. Na prática, o observador terá que usar um telescópio com diâmetro um pouco maior (por exemplo, 200 mm) para compensar as perdas de reflexão e absorção na óptica do instrumento e é conveniente evitar a poluição luminosa que reduz o contraste do objeto em relação ao fundo do céu.
Ao se questionar quão longe pode um telescópio ver, servem exemplos de quasares. A tabela a seguir (segundo
http://spider.seds.org/spider/Misc/qso.html) é um apanhado deles (com magnitude abaixo de 17,0) que estariam teoricamente ao alcance de amadores.
Designat. Name RA (2000.0) Dec Con mag z Notes
0026+129 PG 00:29:13.7 +13:16:04 Psc 14.78 0.142
0405-123 PKS 04:07:48.4 -12:11:37 Eri 14.82v 0.574
0521-365 PKS 05:22:57.9 -36:27:31 Col 14.62v 0.061 BL
0537-441 PKS 05:38:49.8 -44:05:09 Pic 16.48v 0.894 br 12.1
0735+178 OI 158 07:38:07.4 +17:42:21 Gem 14.85v 0.424 BL
0754+100 OI 090.4 07:57:06.7 +09:56:34 Cnc 14.5v BL
0754+394 1E 07:57:59.9 +39:20:27 Lyn 14.36 0.096
0851+202 OJ 287 08:54:48.9 +20:06:32 Cnc 14.0v 0.306? BL
1101+384 Mrk 421 11:04:27.3 +38:12:32 UMa 13.5v 0.031 BL br 12.0
1133+704 Mrk 180 11:36:26.8 +70:09:24 Dra 14.49v 0.046 BL
1219+755 Mrk 205 12:21:44.1 +75:18:37 Dra 14.5 0.070
1226+023 3C 273 12:29:06.8 +02:03:07 Vir 12.86v 0.158 br 11.7
1253-055 3C 279 12:56:11.2 -05:47:21 Vir 17.75v 0.538 br 11.0
1351+640 PG 13:53:15.8 +63:45:45 Dra 14.84 0.088
1510-089 PKS 15:12:50.6 -09:06:00 Lib 16.52v 0.361 br 11.6
1514-241 AP Lib 15:17:41.8 -24:22:19 Lib 14.8v 0.049 BL
1634+706 PG 16:34:29.0 +70:31:32 Dra 14.90p 1.334
1652+398 Mrk 501 16:53:52.2 +39:45:37 Her 13.88v 0.034 BL
2155-304 PKS 21:58:51.9 -30:13:30 PsA 13.09v 0.17 BL
2200+420 BL Lac 22:02:43.3 +42:16:40 Lac 14.72v 0.07 BL
O número z da tabela é proporcional à distância. O quasar 3C 273 tem z = 0,158 e magnitude 12,86 e já calculamos qual o diâmetro mínimo para sua observação. Bem distante é o objeto PG 1634+706 (sobre ele ver:
http://quasar.square7.ch/fqm/1634+706.html e a Fig. 2) com z = 1,33, o que corresponde a 9
bilhões de anos luz de distância (ou aproximadamente 4 000 Mpc). Com magnitude visual aparente de 14,9, ele está ao alcance de telescópios amadores de grande diâmetro. O leitor pode repetir os cálculos acima com esse objeto para saber exatamente qual o valor numérico dessa abertura.
|
Fig. 2 Que tal observar o objeto PG 1634+706 na constelação do Dragão? Localizado a 9 bilhões de anos luz de distância, esse talvez seja um dos corpos celestes mais distantes que se pode ver com instrumentos amadores. (Créditos: DSS2 / Mapa de 14´× 14´ / por S. Karge).
|