25 junho 2015

A conjunção quádrupla de Julho de 2015 e o que teria pintado Van Gogh

Fig. 1 Aspecto da conjunção em 18 de julho de 2015 como simulado pelo software Stellarium. O  horário é 18:00 do tempo legal de Brasília. 
Além disso, haverá uma interessante conjunção que merece toda atenção de nossos
numerosos amigos dessa nobre ciência dos céus.... em 20 de abril.
(C. Flammarion, referência à conjunção tripla da lua, Vênus, Mercúrio 
a 20 de abril de 1890 e que foi observada por 
Vincent van Gogh na Provença. Ver referência 3)

Conjunções são eventos pontuais no céu quando dois corpos celestes, em geral bem distantes um do outro, aproximam-se de forma aparente. Conforme já divulgamos aqui, a aproximação entre Júpiter e Vênus no céu ocidental irá presentear observadores com um interessante encontro não só envolvendo esses dois planetas brilhantes mas também a lua e a estrela Regulus. O fato ocorrerá no entardecer de 18 de Julho de 2015 e basta dirigir o olhar em direção ao por do sol para observar o evento (Fig. 1).

Os detalhes das distâncias, conforme observado as 18:00 do horário de Brasília, podem ser vistos na Fig. 2.
Fig. 2 Detalhes das distâncias aparentes entre os quatro corpos celestes na conjunção de 18 de julho de 2015.
van Gogh e uma interessante conjunção tripla

Do ponto de vista científico, as conjunções não mais têm importância, pois são encontros casuais no céu provocados pelo alinhamento entre os planos das órbitas planetárias. No passado, as conjunções tiveram certa importância para a astrologia, entretanto. Nosso interesse hoje é apenas contemplativo. Trata-se de uma boa oportunidade para registrar a diferença de brilho entre diferentes objetos. Júpiter, por exemplo, terá magnitude -1,7, Vênus -4,4, a lua -7,7 e Regulus 1,35, durante esse evento.

Conjunções foram registradas no passado. Um exemplo interessante está marcado em um quadro do famoso pintor Vincent van Gogh (1853-1890) chamado "Estrada com Cipreste e Estrela", pintado em 1890 pouco antes de sua morte. A identificação do evento ocorrido no céu está bem descrito na referência (1). Especialistas dizem que esse quadro reflete a crença de van Gogh de que ele iria falecer logo (o que de fato ocorreu em julho de 1890).

Fig. 3 Identificação dos objetos de uma conjunção ocorrida em 20 de abril de 1890 como pintado por Vincent van Gogh em seu quadro "Estrada com cipreste". O que lhe serviu de inspiração no anoitecer dessa data é visto na Fig. 4.

Segundo (1), van Gogh pintou esse quadro ao observar uma conjunção no céu de 20 de abril de 1890 em Saint-Rémy-de-Provence no sul da França. Biógrafos dizem que ele deixou Saint-Rémy no dia 16 de maio em direção à Paris, depois de um ano na Provença. 

Fig.4 Aspecto do céu como visto desde Avignon (próximo a Saint-Remy), França, em 20 de abril de 1890, com teria sido observado por van Gogh ao entardecer.
Fizemos uma simulação usando o Stellarium, que pode ser vista na Fig. 4. A lua podia ser vista como um fino crescente, tendo ao seu lado Vênus e, mais abaixo, Mercúrio. Tudo se encaixa, exceto pelo fato de van Gogh ter pintado a tripla de forma invertida! A posição da lua está correta (comparando a Fig. 3 a Fig. 4), mas certamente as posições de Vênus e Mercúrio estão invertidas.

Segundo (1), ele observou de fato essa conjunção, conforme escreveu em uma carta:
J’ai encore de là-bas un cyprès avec une étoile. Un dernier essai – un ciel de nuit avec une lune sans éclat, à peine le croissant mince émergeant de l’ombre projetée opaque de la terre – une étoile à éclat exageré, si vous voulez, éclat doux de rose & vert dans le ciel outremer où courent des nuages. En bas une route bordée de hautes cannes jaunes derrière lesquelles les basses Alpines bleues, une vieille auberge à fenêtres illuminées orangées et un très-haut cyprès tout droit, tout sombre. Sur la route une voiture jaune attelée d’un cheval blanc et deux promeneurs attardés. Tres romantique si vous voulez mais aussi je crois “de la Provence.” (2)
Ou, em uma tradução livre:
Tenho também lá um cipreste com uma estrela. Uma última tentativa - um céu noturno com uma lua delgada e sem muito brilho, que quase não emergia da sombra projetada da Terra - e uma estrela de exagerado brilho, se quiser, um brilho suave de rosa e verde em um céu ultramarino, onde corriam nuvens. Abaixo, uma estrada ladeada por altas canas além das quais se podiam ver o azul dos montes Alpilles, uma antiga estalagem com janelas iluminadas em amarelo e um cipreste bem alto, muito reto e escuro. Na estrada, podia-se ver uma carruagem amarela amarrada a um cavalo branco com dois caminhantes em regresso. Tudo muito romântico se quiser, mas também bastante 'Provençal'.
O fato de haver 'caminhantes em regresso' identifica o momento como o cair da tarde (e não a manhã). Especula-se ainda, que van Gogh teria sido avisado do evento por uma leitura de Camille Flammarion no L'Astronomie (3), publicado em Paris, onde consta o anúncio da conjunção tripla (veja a frase de abertura deste post). O mais provável, porém, é que van Gogh tenha simplesmente topado com o evento  ao sair para passear no anoitecer daquela data na Provença.

O que pintaria van Gogh no evento do dia 18 de julho próximo?

Referências

(1) Olson, D. W. (2014). Vincent van Gogh and Starry Skies Over France. In Celestial Sleuth (pp. 35-66). Springer New York.
(2) Ver (1): Letter 643, as numbered by Johanna van Gogh, Letter RM23, as numbered by the Van Gogh Letters Project.
(3) Flammarion, Camille, ed. (1890) Observations Astronomiques a faire du 15 avril au 15 mai. L’Astronomie 9 , 157–158.








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19 junho 2015

A conjunção Vênus-Júpiter de Junho de 2015

Imagem de uma conjunção de Vênus e Júpiter  em agosto de 2014 como visto desde a França.
Ver também: A conjunção quádrupla do dia 18 de julho de 2015!

O mês de junho de 2015 marca uma aproximação fechada entre dois "gigantes luminosos" no céu: Júpiter e Vênus. Para observar o evento, olhe em direção a Oeste, logo após o por do sol.

A conjunção irá ocorrer ao longo da última semana de junho e primeira semana de julho. O dia 30 de Junho marca a data da maior aproximação (o chamado "apulso"), com Júpiter e Vênus apresentando-se distantes em cerca de  22 minutos de arco ou ~0,36 graus às 18:00 (horário local para observadores em S. Paulo). Será uma oportunidade única para, por exemplo, observar se você consegue separar os dois planetas sem auxílio de instrumentos.

Simulação do apulso entre Vênus e Júpiter com o software Stellarium na data 30/6/2015 as 18:00. Você conseguirá separar o par a vista desarmada?
A lua visita o par no dia 20 de junho. Ela volta a visitar a conjunção no dia 18 de julho, com os integrantes mais próximos do horizonte ocidental.

O par se afasta depois disso em julho, com Júpiter "tomando a dianteira" de Vênus, que se dirige a sua máxima elongação.

Quem perder o apulso entre Vênus e Júpiter em 30 de junho, poderá assistir outro em 26 de outubro de 2015, porém, antes do nascer do sol

01 junho 2015

Quão longe pode-se ver com um telescópio amador?

Fig. 1 Região do céu na constelação da Virgem que contém o Quasar 3C273, um objeto bem distante que se pode ver com um telescópio amador. Imagem: Chris Cook, 2009. Abmedia.com.
O título deste post é muitas vezes a questão preferida de iniciantes na astronomia amadora. Para quem realmente se inicia no hobby, comprar um pequeno telescópio é a primeira coisa a se fazer. Com tantas opções disponíveis e diante de limitações de orçamento, frequentemente a primeira pergunta é sobre qual o melhor telescópio a se comprar (que cabe no bolso). A segunda é "o que podemos ver com ele e quão longe ele pode ver". Tentamos dar aqui uma resposta que permita ao iniciante saber isso para qualquer tipo de instrumento que pense em adquirir.

A escala de magnitude aparente

Sem querer, muitos iniciantes não sabem que essa pergunta nos leva direto à definição da escala de magnitudes - a maneira como se mede o brilho aparente das estrelas. Dizemos "brilho aparente" porque, obviamente, o quanto uma estrela parece brilhar para nós depende de sua distância. A escala usada para medir esse brilho é uma escala especial porque, quanto mais débil uma estrela for, maior será seu valor de magnitude - a unidade usada para medir brilho aparente, o que é algo que contraria a intuição (ou seja, esperaríamos que o valor numérico crescesse com o brilho).

Suponha que temos duas estrelas, uma com fluxo luminoso F1 e outra com fluxo luminoso F0. A estrela com fluxo F0 é mais brilhante (aparentemente) do que F1. O fluxo luminoso é uma medida de brilho e mede a quantidade luz que cada estrela faz incidir, por exemplo, sobre uma determinada área (pode ser tanto o espelho de um telescópio como a pupila do olho). Importante que se diga: o fluxo luminoso é uma medida diretamente associada ao instrumento usado para se captar a luz. O fluxo luminoso é proporcional, por exemplo, à área de captação - algo mais ou menos semelhante à diferença entre volumes de chuva captados com baldes diferentes. Quanto maior o balde, mais chuva se capta, da mesma forma, quanto maior o diâmetro do instrumento, tanto maior será o brilho aparente que ele causará a um observador - para um mesmo objeto - que fizer uso dele. 

Assim, sem perda de detalhes, apresentamos a escala de magnitudes. Uma estrela com fluxo F1 terá magnitude m1 e a estrela com brilho F0 terá magnitude m0:

m1-m0 = -2,5 log10 (F1/F0)         (Eq. 1)

Nessa fórmula "log10" é logaritmo na base 10, facilmente encontrado em muitas calculadoras.  Tanto F1 como F0 são números positivos e se sabe que o logaritmo de um número menor que 1 é negativo. Portanto, se F1 < F0, a parte direita da equação acima será positiva, de forma que a magnitude do objeto 1 será maior que o objeto 0. Um exemplo ilustrará melhor. Suponhamos que consideramos F0 como sendo o brilho da estrela Vega (α Lyr). Essa estrela tem magnitude aproximadamente igual a zero  (na verdade, para Vega, m0 = 0,03). Uma estrela com um décimo do fluxo de luz de Vega, ou seja F1 = F0/10, terá a magnitude:

m1 = -2,5*log10(0,5) = 2,5

porque log10(0,1) = -1. Portanto, quanto mais fraco o brilho de uma estrela (em comparação à Vega) tanto maior será sua magnitude aparente. Por outro lado, quanto mais brilhante ela for, menor será seu valor, pondendo inclusive ser um valor negativo. Por essa razão, o sol tem magnitude aparente -23, enquanto que a lua é vista como tendo magnitude aparente da ordem de -12. 

Aplicando a equação da escala de magnitudes para instrumentos diferentes

Esse exemplo é uma aplicação da Eq. 1 para diferentes estrelas. Mas, o que poucos sabem é que a Eq. 1 pode ser aplicado ao mesmo objeto como visto por telescópios diferentes. Para ver isso, retornamos ao caso do balde e à quantidade de chuva captada. O fluxo de luz é como o volume de chuva. Mas esse volume é proporcional à área de captação, no caso, o quadrado do diâmetro do balde. Portanto, se temos dois equipamentos com diâmetros diferentes (por exemplo, D1 e D2) então a razão entre os fluxos de luz será dada conforme a relação abaixo:

F1/F2 = (D1/D2)^2

onde ^2 significa que o valor entre parênteses está elevado ao quadrado. A olho nu - ou "a vista desarmada" - a estrela Vega tem magnitude aparente próxima a zero. O olho desarmado tem um diâmetro de pupila (dilatada) máximo da ordem de 6 mm. Se temos um instrumento com 130 mm de diâmetro - e assumindo que não há perdas de reflexão ou nas partes ópticas do instrumento, qual será a magnitude aparente de Vega vista por esse telescópio? Nesse caso, tomamos D1 = 6 mm (olho) e D2 = 130 mm (telescópio). Então (D1/D2)^2 = 0,00213. Chamando m1 a magnitude de Vega vista pelo olho desarmado e m2 a magnitude como vista pelo telescópio e substituindo na Eq. (1) a razão entre os fluxos encontramos:

m2 = 2,5*log10(0,00213) =  -6,67

ou seja, por esse instrumento, a magnitude aparente de Vega será negativa e, portanto, muito mais brilhante do que o planeta Vênus como visto pelo olho desarmado. 

Essa equação pode ser usada para se determinar o diâmetro que um instrumento deve ter para que um objeto visto por ele atinja a magnitude 5,5 - que é a magnitude aparente da estrela mais débil que olho humano adaptado consegue ver. O que temos que fazer? Inverter a equação, colocando na parte esquerda a magnitude aparente de um objeto muito distante. 

Assim, ao invés de dizer que um instrumento de tantos milímetros de diâmetro consegue observar  um objeto a tantos "milhões de anos luz de distância", escolhemos o objeto - no caso podemos aqui usar o quasar 3C 273 que pertence à constelação da Virgem (ver Fig. 1) como exemplo. Esse objeto tem magnitude 12,9. A equação que deve ser resolvida é:

12,9 - 5,5 = -2,5*log10(6/D2)^2) 

porque, o objeto - com magnitude aparente (a vista desarmada) 12,9 será levado ao limite de visibilidade (5,5) com um instrumento de diâmetro D2 a ser determinado. Para saber esse valor, resolvemos a equação:

12,9 - 5,5 = -2,5*log10((6/D2)^2) ->
7,4        = -5,0*log10(6/D2)     ->
-1,48      =      log10(6/D2)     ->
10^(-1,48)  = 6/D2                ->
D2 = 6*(1/0,03311)                ->
D2 = 181,2 [mm]

Portanto, um telescópio de aproximadamente 182 mm de diâmetro (aproximadamente 7 polegadas) permitirá a observação do quasar 3C 273 que está localizado a 2,4 bilhões de anos-luz de distância! Observe que, por tal instrumento, esse objeto será visto como uma estrela de magnitude 5,5 - no limite da visão desarmada com a pupila dilatada. Na prática, o observador terá que usar um telescópio com diâmetro um pouco maior (por exemplo, 200 mm) para compensar as perdas de reflexão e absorção na óptica do instrumento e é conveniente evitar a poluição luminosa que reduz o contraste do objeto em relação ao fundo do céu.

Ao se questionar quão longe pode um telescópio ver, servem exemplos de quasares. A tabela a seguir (segundo http://spider.seds.org/spider/Misc/qso.html) é um apanhado deles (com magnitude abaixo de 17,0) que estariam teoricamente ao alcance de amadores.

Designat. Name     RA (2000.0) Dec       Con  mag     z      Notes
0026+129  PG       00:29:13.7 +13:16:04  Psc  14.78   0.142
0405-123  PKS      04:07:48.4 -12:11:37  Eri  14.82v  0.574
0521-365  PKS      05:22:57.9 -36:27:31  Col  14.62v  0.061  BL
0537-441  PKS      05:38:49.8 -44:05:09  Pic  16.48v  0.894     br 12.1
0735+178  OI 158   07:38:07.4 +17:42:21  Gem  14.85v  0.424  BL
0754+100  OI 090.4 07:57:06.7 +09:56:34  Cnc  14.5v          BL
0754+394  1E       07:57:59.9 +39:20:27  Lyn  14.36   0.096 
0851+202  OJ 287   08:54:48.9 +20:06:32  Cnc  14.0v   0.306? BL
1101+384  Mrk 421  11:04:27.3 +38:12:32  UMa  13.5v   0.031  BL br 12.0
1133+704  Mrk 180  11:36:26.8 +70:09:24  Dra  14.49v  0.046  BL
1219+755  Mrk 205  12:21:44.1 +75:18:37  Dra  14.5    0.070
1226+023  3C 273   12:29:06.8 +02:03:07  Vir  12.86v  0.158     br 11.7
1253-055  3C 279   12:56:11.2 -05:47:21  Vir  17.75v  0.538     br 11.0
1351+640  PG       13:53:15.8 +63:45:45  Dra  14.84   0.088
1510-089  PKS      15:12:50.6 -09:06:00  Lib  16.52v  0.361     br 11.6
1514-241  AP Lib   15:17:41.8 -24:22:19  Lib  14.8v   0.049  BL
1634+706  PG       16:34:29.0 +70:31:32  Dra  14.90p  1.334
1652+398  Mrk 501  16:53:52.2 +39:45:37  Her  13.88v  0.034  BL
2155-304  PKS      21:58:51.9 -30:13:30  PsA  13.09v  0.17   BL
2200+420  BL Lac   22:02:43.3 +42:16:40  Lac  14.72v  0.07   BL



O número z da tabela é proporcional à distância. O quasar 3C 273 tem z = 0,158 e magnitude 12,86 e já calculamos qual o diâmetro mínimo para sua observação.  Bem distante é o objeto PG 1634+706 (sobre ele ver: http://quasar.square7.ch/fqm/1634+706.html e a Fig. 2) com z = 1,33, o que corresponde a 9 bilhões de anos luz de distância (ou aproximadamente 4 000 Mpc). Com magnitude visual aparente de 14,9, ele está ao alcance de telescópios amadores de grande diâmetro. O leitor pode repetir os cálculos acima com esse objeto para saber exatamente qual o valor numérico dessa abertura.

Fig. 2 Que tal observar o objeto PG 1634+706 na constelação do Dragão?  Localizado a 9 bilhões de anos luz de distância, esse talvez seja um dos corpos celestes mais distantes que se pode ver com instrumentos amadores. (Créditos: DSS2 /  Mapa de 14´× 14´ /  por S. Karge).