02 dezembro 2020

Alguns eventos astronômicos em 2021

D. Pedro II, patrono da Astronomia no Brasil.

Trecho do diário de D. Pedro II em 16 de maio de 1891: 
A 23 haverá eclipse total da lua visível em parte em Paris. 
Entrada no perímetro da terra às 4h50 da tarde...
Grandeza do eclipse 1299 de diâmetro da lua. 
Como a 23 a lua nasce em Paris às 7:44 da tarde, 
só se observará o fenômeno no fim,
 saindo a lua da sombra às 8:26 e da penumbra às 9:31.
(Acervo histórico do museu imperial)

O ano de 2021 terá alguns eventos astronômicos interessantes como eclipses parciais da lua. Porém, não há ainda previsão de grandes cometas. Quase sempre cometas muito brilhantes são descobertos quando já estão mais próximos do periélio. Vamos torcer para que 2021 nos traga ao menos um. 

Apresentamos abaixo alguns dos principais eventos previstos para cada um dos meses do ano, com destaque para sua observalidade desde o Brasil.

Detalhes de alguns dos eventos descritos abaixo serão apresentados ao longo de 2021.

Janeiro

Uma conjunção de Saturno e Mercúrio ocorre no dia 9, e Mercúrio está em conjunção com Júpiter no dia 11. O asteroide 14 Irene atinge oposição no dia 14 com mag. 9.3. O cometa C/2019 N1 (Atlas) alcançará máximo brilho (mag. 9.7) no começo do mês. A luna nova (13 de janeiro) não atrapalhará as observações. Máxima elongação oriental de Mercúrio em 24 de janeiro, o que permitirá observar esse planeta ao entardecer. Na verdade, serão vários dias em que o mais próximo planeta do sol poderá ser observado.  

Fevereiro

A lua nova ocorre no dia 11 e a cheia no dia 27. Não há previsão de cometas brilhantes, o mais importante deles no mês será o C/2019 N1 (Atlas), com mag. 12, acessível apenas por instrumentos. O pico do chuveiro Alfa Centauridas ocorre em 8 de fevereiro com um máximo de 6 meteoros por hora. No dia 22 ocorre a oposição do asteroide 29 Amfitrite que atingirá mag. 9.7. Uma conjunção da lua e saturno ocorre no dia 10.

Março

Mercúrio atinge a máxima elongação ocidental no dia 6, sendo possível observar esse planeta antes do sol nascer. Júpiter e Mercúrio estão em conjunção no dia 5. A lua nova ocorre no dia 13. Vênus atinge máxima elongação ocidental no dia 20, sendo facilmente observado antes do nascer do sol. Ao telescópio será possível observar facilmente a "meia-lua" do planeta.  O cometa 10P/Tempel 2 atinge o periélio no dia 24 atingindo mag. 11. 

Abril

A lua nova ocorre em 12 e a cheia em 27. Sem perspectiva de cometas brilhantes. O asteroide 4 Vesta atinge oposição no dia 4, atingindo mag. 6.2. (Ver Fig. 1 para mapa de localização desse asteroide). Haverá uma ocultação de marte pela lua em 17 de abril, que será visível apenas entre a Índia e a Austrália.

Figura 1 Mapa da localização em 2021do asteroide Vesta.

Maio

Haverá uma conjunção da lua com Saturno no dia 3 e da lua com Júpiter no dia 4. A lua nova ocorre em 11, o que é relevante para a observação das Eta Aquáridas e Eta Líridas que tem picos neste mês.  Esse último chuveiro, para o Brasil não será favorável (taxa horária baixa, ~3 meteoros por hora). Mercúrio atinge máxima elongação oriental em 17. Destaque para uma conjunção de Vênus e Mercúrio poderá ser vista em 29. O cometa mais brilhante do mês será ainda o 10P/Tempel 2, com mag. 11. Há um eclipse total da lua em 26 que será observado no Brasil como eclipse parcial, com a lua se pondo no horizonte ocidental. Em 29, Mercúrio e Vênus estão em conjunção.

Junho

Os cometas do mês são 15P/Finlay (que atinge o perigeu no dia 18) e 7P/Pons-Winnecke ambos com mag. 11. A lua nova ocorre no dia 10, quando um eclipse anular do sol poderá ser visto em regiões setentrionais (como o Canadá, Groenlãncia e Rússia). Esse eclipse não será observado no Brasil. Uma conjunção da lua com Saturno ocorre em 27 e da lua com Júpiter em 28.

Julho

Máxima elongação ocidental de Mercúrio no dia 4. A lua nova ocorre em 9. No dia 7, o cometa 15P/Finlay atinge máximo brilho (mag. 8.5-9). Com a proximidade da lua nova, será uma boa data para observação desse cometa. Há várias conjunções da lua com planetas: com Mercúrio (dia 8), com Vênus (dia 12), com Saturno (dia 24), com Júpiter (dia 25). O asteroide 12 Victoria atinge oposição no dia 30 com mag. 8.8. Nesse dia também ocorre o pico do chuveiro Delta Aquáridas austrais.  Em 13, ocorre uma conjunção entre Vênus e Marte, que estarão separados por apenas 29' (um diâmetro da lua cheia).

Simulação Stellarium da conjunção de Marte-Vênus-Lua
no entardecer do dia 12 de julho de 2021.

Agosto

Saturno atinge oposição no dia 2. A lua nova ocorre no dia 8. Há uma conjunção da lua com Vênus em 11. O máximo das Perseidas ocorrem no dia 12. Júpiter atinge oposição no dia 19. Os cometas mais brilhantes do mês são 8P/Tuttle e 15P/Finlay, ambos com mag. 9.0. O asteroide 89 Júlia atinge oposição no dia 24 com mag. 9.0. A lua cheia ocorrem em 22 e é considerada uma "lua azul". Em 19, ocorre uma conjunção de Mercúrio e Marte que estarão separados por apenas 41.

Setembro

O cometa mais brilhante no mês será o 8P/Tuttle que atingirá mag. 8, sendo visível antes do por do sol.  Observações desse cometa são ideais próximos à lua nova, que ocorre no dia 6. Outro cometa previsto para o mês é o 4P/Faye que tem periélio no dia 10. Esse cometa, entretanto, atingirá mag. 10-11. O asteroide 2 Pallas atinge oposição no dia 11 com mag. 8.6 (ver Figura 2).  Mercúrio atinge máxima elongação oriental no dia 13. A lua cheia ocorre no dia 20. 

Figura 2. Mapa da posição do asteroide Pallas em 2021.

Outubro

O asteroide 40 Harmonia atinge oposição no dia 1 com mag. 9.5.  A lua nova ocorre em 6. O cometa 8P/Tuttle continua visível com mag. 8. Outros cometas de mesmo nível de brilho são 6P/d'Arrest e 67P/Churyumov- Gerasimenko com mag. 9-10. Vênus atinge máxima elongação oriental no dia 29. O planeta é visível por vários dias após o entardecer.  A famosa chuva Oriônidas, tem máximo no dia 21 e será prejudicada pela lua cheia que ocorre no dia 20.

Novembro

A lua nova ocorre no início do mês, dia 4. O cometa mais brilhante deste mês será 67P/Churyumov-Gerasimenko com mag. 8. No dia 5, Urano estará em oposição. O mês anterior e novembro será um período ideal para observar Urano. A lua cheia ocorrem em 19, que também será marcada por um eclipse lunar visível como eclipse parcial no Brasil com a lua se pondo no horizonte ocidental. Esse eclipse será total no oceano pacífico. O pico do chuveiro das Leônidas ocorrem entre 17-18. O asteroide Ceres está em oposição no dia 27 quando atinge mag. 7.2 (ver mapa de sua posição). 

Dezembro

A lua nova ocorre no início do mês, dia 4. A data marca também um eclipse total do sol que será visível apenas da Antártica. Não haverá eclipse em qualquer outra parte do mundo. O cometa mais brilhante deste mês será 67P/Churyumov-Gerasimenko com mag. 9. O asteroide 44 Nysa estará em oposição em 10 quando atingirá mag. 9.1. A lua entra em conjunção com vários planetas: Vênus em 6, Saturno em 8, Júpiter em 9. A lua cheia ocorre em 19. Em 29 ocorre uma conjunção entre Vênus e Mercúrio. O dia 31 é marcado por uma ocultação de Marte pela lua que somente será visível da Antártica. Para outros locais no mundo, o evento será uma conjunção. 

Referências

https://in-the-sky.org/  (mapas dos asteroides)

http://www.seasky.org/astronomy/astronomy-calendar-2021.html


16 novembro 2020

Conjunção de Júpiter e Saturno em dezembro de 2020

Aspecto da conjunção de Júpiter e Saturno em 21/12/2020 como visto por um telescópio de baixo aumento.

Júpiter e Saturno em conjunção em 20-21 de dezembro de 2020, a aproximadamente 6' de arco de distância (1/10 de grau) ou 1/5 do diâmetro da lua cheia. Trata-se de um fenômeno fácil de se observar a vista desarmada e que somente ocorreu nas mesmas condições de aproximação em 1623.

O melhor horário de observação será depois do pôr do sol, por volta das 19:00 no horário local do observador. O tempo de observação da conjunção após o por do sol é pequeno, com os planetas muito próximos do horizonte ocidental.  Assim, a conjunção não será visível por muito tempo nas datas indicadas - a menos que o observador localize o par de planetas durante o dia. 

Júpiter e saturno estarão na constelação do Capricórnio.

Essa conjunção oferece uma boa oportunidade para fotografar o par de planetas usando uma câmera acoplada a uma teleobjetiva. Deve-se usar máximo ISO e um tempo de exposição que sature os discos dos planetas para registrar os satélites (de Júpiter e Saturno).  

O melhor instrumento para observar essa conjunção é um binóculo.

Associada à conjunção de dezembro, uma conjunção tripla envolvendo a lua, júpiter e saturno ocorrerá em 19 de novembro de 2020, na ocasião, os planetas estarão ainda bastante afastados. 

Conforme o site earthsky.org, uma conjunção semelhante somente ocorrerá em março de 2080.

Referência

[1] https://earthsky.org/astronomy-essentials/great-jupiter-saturn-conjunction-dec-21-2020 

08 outubro 2020

Uma rara monografia sobre Marte por R. R Freitas Mourão

 

Podemos calcular, portanto, que a observação telescópica nas condições mais favoráveis será um disco - equivalente, em superfície, a 16 luas cheias. O número de detalhes observáveis, então, com um tal aumento será teoricamente imenso. Para o astrônomo, entretanto, ver "tudo o que se pode ver" sobre a superfície de Marte, serão necessárias observações persistentes, noite após noite, no fim das quais seus olhos tornar-se-ão cada vez mais espertos, até que, por fim seja fácil distinguir pormenores superficiais completamente invisíveis no começo. (R. R. de Freitas Mourão, "O Enigma Marciano").

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão (1935-2014) foi um conhecido astrônomo brasileiro e diretor do Observatório Nacional. Dotado de uma cultura imensa, ele escreveu dezenas de obras relacionando a Astronomia com inúmeros outros temas. 

Já escrevemos aqui, na ocasião de seu falecimento, uma descrição de sua bibliografia. Em nossa biblioteca particular encontramos um livro antigo de nossos pais, a coleção "Ciência Atraente e Recreativa" da década de 50, editada por Ary Maurell Lobo (quinto livro), um interessante ensaio de Mourão, apresentado como aluno do Colégio Andrews no Rio de Janeiro. 

Trata-se do ensaio "O Enígma Marciano" (Fig 1 e ref. 1), na grafia típica da época. Ainda com 21 anos, seu estilo parece não ter se modificado. Isso indica a precocidade de sua personalidade e que a metodologia que ele adotaria para escrever suas obras já estava definida desde muito cedo.

Página Inicial do Ensaio de Mourão sobre Marte
Fig. 1 Página inicial do ensaio de Mourão sobre Marte.

O editor da obra, que também era professor de Mourão, afirma na introdução não ter realizado nenhuma alteração no manuscrito original. Embora sem contar com uma lista de referências bibliográficas, o texto é repleto de citações, mostrando que Mourão já tinha, desde muito cedo, acesso a uma grande quantidade de informação sobre a astronomia marciana ou "aerografia". 

O texto é interessante para historiadores da Astronomia Nacional, porque revela o conhecimento que tínhamos então - na era pré-espacial - sobre Marte. Sua relevância cresce por representar a opinião de um autor nacional - ainda que muito jovem. Assim, pela comparação entre o que sabemos hoje e o texto de Mourão, fazemos ideia do quanto avançamos nesse conhecimento ou não. 

Mourão mistura informações de então - colhida de nomes profissionais como G. Vaucouleurs e G. Kuiper - com dicas sobre como observar marte, bem como conexões com a mitologia e a história da Astronomia. Na época, sobravam teorias sobre como uma possível vegetação poderia ser responsável pelas alterações de cor e tonalidade observadas na superfície de Marte, todas elas realizadas por meio de telescópios terrestres e sem a ajuda de sondas espaciais. 

Exemplos: sobre a descoberta dos satélites de Marte por A. Hall, descreve Mourão:
Em 11 de agosto (1877), Hall, juntamente com a sua secretária (que por sinal era a sua esposa), e, com ele, também se mostrava bastante interessada nessa pesquisa), observa o primeiro satélite de Marte (Deimos). Como nas cinco noites subsequentes não faça bom tempo, no dia 17 é que ele volta a pesquisar as vizinhanças de Marte, encontrando, então, o segundo satélite (Fobos). (p. 161)
Fig. 2 Desenho clássico de Marte e especulações de Mourão
na legenda sobre a superfície marciana.

Especulações da época estão presentes na monografia (Fig. 2), demonstrando as crenças entre astrônomos sobre a dinâmica da superfície de Marte. Um autor muito citado por Mourão é Gérard Henri de Vaucouleurs (1918-1995). Por exemplo:
São tais variações de coloração as que maior interesse despertam, por estarem estreitamente ligadas à existência de uma possível vegetação no planeta. G. Vaucouleurs observou que elas estão relacionadas com a chegada nessas regiões de uma onda de umidade, que se propaga por difusão na atmosfera seca, alternativamente, a partir das regiões polares Norte e Sul ao curso da evaporação vernal dos depósitos de gelo polar. ("Manchas Escuras", p. 165)
essa opinião, de fato, fazia sentido na época, pois era natural imaginar que água evaporada ou derretida das calotas polares (que se podia ver apresentavam modificações visíveis de tamanho) poderia "inundar" os desertos ou estepes secas do planeta e fazer crescer a vegetação. Hoje sabemos que parte das calotas polares se derrete e é formada por água, mas opinião mudou desde Mourão sobre a composição das calotas. O fato é que a atmosfera de Marte, sendo muito tênue, não permite esse fenômeno de "difusão de umidade" especulado por Vaucouleurs. 
  
Sobre o aspecto de Marte ao telescópio, Mourão escreve:
Examinado ao telescópio, três quartas partes aproximadamente da superfície de Marte apresentam uma tonalidade rósea ou ocre. Elas são, de um modo geral, bastante monótonas e de grande estabilidade. seu relevo è assaz moderado, pois as deformações observadas atingem no máximo 2 a 3000 metros. Entretanto, algumas vezes, aparecem pequenos pontos brancos em certas partes fixas, que talvez sejam montanhas isoladas, muito altas, capazes de favorecer uma condensação de gelo ou nuvens. Esses pontos esbranquiçados tem sido observados por vários astrônomos, entre eles: Schiaparelli, Jarry-Desloges, Wright, Maggini, Trumpler e Antoniadi. ( "Manchas Claras", p. 168)
De fato, tais ideia se confirmaram. A "Nix Olympica", por exemplo, foi identificada mais tarde como o topo de um dos mais elevados vulcões do sistema solar, o "Olympus Mons" com 21 km de altitude. 


Sobre os canais (Fig. 3), Mourão faz um resumo da polêmica ainda existente na época sobre a existência dos canais marciano. 
Foi no histórico ano de 1977 - marco de uma nova aerografia, como muito bem asseverou o grande Flammarion - que, no Observatório de Milão, Giovanni Schiaparrelli observou traços mais ou menos regulares e finos, atravessando as regiões desérticas do planeta. Na denominação destas formações usou Schiaparelli o vocábulo italiano "canali", no seu sentido de origem (traço, linha etc), que, entrentanto, com o tempo - terrível é a deturpação das palavras! - passou a significar canais artificiais. Logo após, em 1886, o mesmo astrônomo relatava, perante a Regia Academia dei Lincei, o curioso fenômeno de "geminazione", por ele observado, em 1881 e 1882, no qual os canais se desdobravam em outros paralelos. (p. 173)
Mourão descreve a controvérsia (ver ref. 3) e divide os nomes de astrônomos em dois times: os que observaram o fenômeno dos canais e os que não conseguiram ver nada. Mourão cita Domingos Costa (1880-1956) como um dos que não conseguiram ver os canais de Marte (ver ref. 2). 

Fig. 3 Reprodução do famoso mapa de Schiaparelli dos canais de Marte na monografia de Mourão. 

A solução? Segundo Mourão, ela estava na próxima oposição de Marte, que ocorreria no ano da publicação de sua dissertação:
Contudo, a grande esperança para a completa elucidação dos canais é a próxima oposição deste ano, em que se utilizará o telescópio de 200 polegadas, de Monte Palomar - que pode fotografar Marte em exposições de um décimo de segundo ou menos - para se obter um número imenso de fotografias (na oposição de 1954, foram tidadas 8.100 fotografias, nos Observatórios de Monte Wilson e Palomar), que permitirão revelar a existência e a estrutura real dos "canais". (p. 174)
Desnecessário dizer que não houve solução alguma pelo telescópio de Palomar. De qualquer forma, na grande oposição de 2020, homenageamos aqui seu autor que, no cenário nacional presente de desencando e desinformação, está fazendo muita falta.

Referência
  1. R. R. F. Mourão (1956) - "O Enigma Marciano". Ciência Atraente e Recreativa, 5 Livro. p. 157-176. Interessados podem escrever para o autor deste post sobre como obter acesso ao texto integral. 
  2. Sobre Domingos Costa: http://brasilianafotografica.bn.br/?tag=domingos-fernandes-costa
  3. O que aconteceu aos canais de Marte? http://astronomiapratica.blogspot.com/2015/02/o-que-aconteceu-com-os-canais-de-marte.html