01 junho 2015

Quão longe pode-se ver com um telescópio amador?

Fig. 1 Região do céu na constelação da Virgem que contém o Quasar 3C273, um objeto bem distante que se pode ver com um telescópio amador. Imagem: Chris Cook, 2009. Abmedia.com.
O título deste post é muitas vezes a questão preferida de iniciantes na astronomia amadora. Para quem realmente se inicia no hobby, comprar um pequeno telescópio é a primeira coisa a se fazer. Com tantas opções disponíveis e diante de limitações de orçamento, frequentemente a primeira pergunta é sobre qual o melhor telescópio a se comprar (que cabe no bolso). A segunda é "o que podemos ver com ele e quão longe ele pode ver". Tentamos dar aqui uma resposta que permita ao iniciante saber isso para qualquer tipo de instrumento que pense em adquirir.

A escala de magnitude aparente

Sem querer, muitos iniciantes não sabem que essa pergunta nos leva direto à definição da escala de magnitudes - a maneira como se mede o brilho aparente das estrelas. Dizemos "brilho aparente" porque, obviamente, o quanto uma estrela parece brilhar para nós depende de sua distância. A escala usada para medir esse brilho é uma escala especial porque, quanto mais débil uma estrela for, maior será seu valor de magnitude - a unidade usada para medir brilho aparente, o que é algo que contraria a intuição (ou seja, esperaríamos que o valor numérico crescesse com o brilho).

Suponha que temos duas estrelas, uma com fluxo luminoso F1 e outra com fluxo luminoso F0. A estrela com fluxo F0 é mais brilhante (aparentemente) do que F1. O fluxo luminoso é uma medida de brilho e mede a quantidade luz que cada estrela faz incidir, por exemplo, sobre uma determinada área (pode ser tanto o espelho de um telescópio como a pupila do olho). Importante que se diga: o fluxo luminoso é uma medida diretamente associada ao instrumento usado para se captar a luz. O fluxo luminoso é proporcional, por exemplo, à área de captação - algo mais ou menos semelhante à diferença entre volumes de chuva captados com baldes diferentes. Quanto maior o balde, mais chuva se capta, da mesma forma, quanto maior o diâmetro do instrumento, tanto maior será o brilho aparente que ele causará a um observador - para um mesmo objeto - que fizer uso dele. 

Assim, sem perda de detalhes, apresentamos a escala de magnitudes. Uma estrela com fluxo F1 terá magnitude m1 e a estrela com brilho F0 terá magnitude m0:

m1-m0 = -2,5 log10 (F1/F0)         (Eq. 1)

Nessa fórmula "log10" é logaritmo na base 10, facilmente encontrado em muitas calculadoras.  Tanto F1 como F0 são números positivos e se sabe que o logaritmo de um número menor que 1 é negativo. Portanto, se F1 < F0, a parte direita da equação acima será positiva, de forma que a magnitude do objeto 1 será maior que o objeto 0. Um exemplo ilustrará melhor. Suponhamos que consideramos F0 como sendo o brilho da estrela Vega (α Lyr). Essa estrela tem magnitude aproximadamente igual a zero  (na verdade, para Vega, m0 = 0,03). Uma estrela com um décimo do fluxo de luz de Vega, ou seja F1 = F0/10, terá a magnitude:

m1 = -2,5*log10(0,5) = 2,5

porque log10(0,1) = -1. Portanto, quanto mais fraco o brilho de uma estrela (em comparação à Vega) tanto maior será sua magnitude aparente. Por outro lado, quanto mais brilhante ela for, menor será seu valor, pondendo inclusive ser um valor negativo. Por essa razão, o sol tem magnitude aparente -23, enquanto que a lua é vista como tendo magnitude aparente da ordem de -12. 

Aplicando a equação da escala de magnitudes para instrumentos diferentes

Esse exemplo é uma aplicação da Eq. 1 para diferentes estrelas. Mas, o que poucos sabem é que a Eq. 1 pode ser aplicado ao mesmo objeto como visto por telescópios diferentes. Para ver isso, retornamos ao caso do balde e à quantidade de chuva captada. O fluxo de luz é como o volume de chuva. Mas esse volume é proporcional à área de captação, no caso, o quadrado do diâmetro do balde. Portanto, se temos dois equipamentos com diâmetros diferentes (por exemplo, D1 e D2) então a razão entre os fluxos de luz será dada conforme a relação abaixo:

F1/F2 = (D1/D2)^2

onde ^2 significa que o valor entre parênteses está elevado ao quadrado. A olho nu - ou "a vista desarmada" - a estrela Vega tem magnitude aparente próxima a zero. O olho desarmado tem um diâmetro de pupila (dilatada) máximo da ordem de 6 mm. Se temos um instrumento com 130 mm de diâmetro - e assumindo que não há perdas de reflexão ou nas partes ópticas do instrumento, qual será a magnitude aparente de Vega vista por esse telescópio? Nesse caso, tomamos D1 = 6 mm (olho) e D2 = 130 mm (telescópio). Então (D1/D2)^2 = 0,00213. Chamando m1 a magnitude de Vega vista pelo olho desarmado e m2 a magnitude como vista pelo telescópio e substituindo na Eq. (1) a razão entre os fluxos encontramos:

m2 = 2,5*log10(0,00213) =  -6,67

ou seja, por esse instrumento, a magnitude aparente de Vega será negativa e, portanto, muito mais brilhante do que o planeta Vênus como visto pelo olho desarmado. 

Essa equação pode ser usada para se determinar o diâmetro que um instrumento deve ter para que um objeto visto por ele atinja a magnitude 5,5 - que é a magnitude aparente da estrela mais débil que olho humano adaptado consegue ver. O que temos que fazer? Inverter a equação, colocando na parte esquerda a magnitude aparente de um objeto muito distante. 

Assim, ao invés de dizer que um instrumento de tantos milímetros de diâmetro consegue observar  um objeto a tantos "milhões de anos luz de distância", escolhemos o objeto - no caso podemos aqui usar o quasar 3C 273 que pertence à constelação da Virgem (ver Fig. 1) como exemplo. Esse objeto tem magnitude 12,9. A equação que deve ser resolvida é:

12,9 - 5,5 = -2,5*log10(6/D2)^2) 

porque, o objeto - com magnitude aparente (a vista desarmada) 12,9 será levado ao limite de visibilidade (5,5) com um instrumento de diâmetro D2 a ser determinado. Para saber esse valor, resolvemos a equação:

12,9 - 5,5 = -2,5*log10((6/D2)^2) ->
7,4        = -5,0*log10(6/D2)     ->
-1,48      =      log10(6/D2)     ->
10^(-1,48)  = 6/D2                ->
D2 = 6*(1/0,03311)                ->
D2 = 181,2 [mm]

Portanto, um telescópio de aproximadamente 182 mm de diâmetro (aproximadamente 7 polegadas) permitirá a observação do quasar 3C 273 que está localizado a 2,4 bilhões de anos-luz de distância! Observe que, por tal instrumento, esse objeto será visto como uma estrela de magnitude 5,5 - no limite da visão desarmada com a pupila dilatada. Na prática, o observador terá que usar um telescópio com diâmetro um pouco maior (por exemplo, 200 mm) para compensar as perdas de reflexão e absorção na óptica do instrumento e é conveniente evitar a poluição luminosa que reduz o contraste do objeto em relação ao fundo do céu.

Ao se questionar quão longe pode um telescópio ver, servem exemplos de quasares. A tabela a seguir (segundo http://spider.seds.org/spider/Misc/qso.html) é um apanhado deles (com magnitude abaixo de 17,0) que estariam teoricamente ao alcance de amadores.

Designat. Name     RA (2000.0) Dec       Con  mag     z      Notes
0026+129  PG       00:29:13.7 +13:16:04  Psc  14.78   0.142
0405-123  PKS      04:07:48.4 -12:11:37  Eri  14.82v  0.574
0521-365  PKS      05:22:57.9 -36:27:31  Col  14.62v  0.061  BL
0537-441  PKS      05:38:49.8 -44:05:09  Pic  16.48v  0.894     br 12.1
0735+178  OI 158   07:38:07.4 +17:42:21  Gem  14.85v  0.424  BL
0754+100  OI 090.4 07:57:06.7 +09:56:34  Cnc  14.5v          BL
0754+394  1E       07:57:59.9 +39:20:27  Lyn  14.36   0.096 
0851+202  OJ 287   08:54:48.9 +20:06:32  Cnc  14.0v   0.306? BL
1101+384  Mrk 421  11:04:27.3 +38:12:32  UMa  13.5v   0.031  BL br 12.0
1133+704  Mrk 180  11:36:26.8 +70:09:24  Dra  14.49v  0.046  BL
1219+755  Mrk 205  12:21:44.1 +75:18:37  Dra  14.5    0.070
1226+023  3C 273   12:29:06.8 +02:03:07  Vir  12.86v  0.158     br 11.7
1253-055  3C 279   12:56:11.2 -05:47:21  Vir  17.75v  0.538     br 11.0
1351+640  PG       13:53:15.8 +63:45:45  Dra  14.84   0.088
1510-089  PKS      15:12:50.6 -09:06:00  Lib  16.52v  0.361     br 11.6
1514-241  AP Lib   15:17:41.8 -24:22:19  Lib  14.8v   0.049  BL
1634+706  PG       16:34:29.0 +70:31:32  Dra  14.90p  1.334
1652+398  Mrk 501  16:53:52.2 +39:45:37  Her  13.88v  0.034  BL
2155-304  PKS      21:58:51.9 -30:13:30  PsA  13.09v  0.17   BL
2200+420  BL Lac   22:02:43.3 +42:16:40  Lac  14.72v  0.07   BL



O número z da tabela é proporcional à distância. O quasar 3C 273 tem z = 0,158 e magnitude 12,86 e já calculamos qual o diâmetro mínimo para sua observação.  Bem distante é o objeto PG 1634+706 (sobre ele ver: http://quasar.square7.ch/fqm/1634+706.html e a Fig. 2) com z = 1,33, o que corresponde a 9 bilhões de anos luz de distância (ou aproximadamente 4 000 Mpc). Com magnitude visual aparente de 14,9, ele está ao alcance de telescópios amadores de grande diâmetro. O leitor pode repetir os cálculos acima com esse objeto para saber exatamente qual o valor numérico dessa abertura.

Fig. 2 Que tal observar o objeto PG 1634+706 na constelação do Dragão?  Localizado a 9 bilhões de anos luz de distância, esse talvez seja um dos corpos celestes mais distantes que se pode ver com instrumentos amadores. (Créditos: DSS2 /  Mapa de 14´× 14´ /  por S. Karge).

25 maio 2015

Cometas em 2015: C/2015 G2 (MASTER)

Imagem por A. Maury e J. G Bosch do cometa C/2015 G2. Imagem acessada em Maio de 2015 em Aerith.net.
Um cometa recentemente descoberto (em 10 de abril) por P. Balanutsa e outros está visível e favorável a observadores do hemisfério sul. Seu nome é MASTER segundo Mobile Astronomical System of the Telescope-Robots ou arranjo de telescópios do Observatório Astronômico Sul Africano que foi usado na descoberta.

Segundo S. Yoshiida (1), esse cometa teve periélio em 23 de Maio último. No final de Maio, esse cometa pode ser observado na fronteira entre Monoceros e o Cão Maior com magnitude entre 6.0 e 7.0. A curva de luz em (1) mostra que esse objeto terá magnitude abaixo de 10.0 até pelo menos Julho de 2015.

O extrato de uma carta de (2, abaixo) mostra a posição desse cometa como visível no final de Maio de 2015.

Carta segundo (2) com a posição no final de Maio de 2015 do cometa Master. A estrela no centro é Sírius. 

Referências

21 maio 2015

A história da Astronomia no Brasil (Livro)


O objetivo e a justificação do projeto, 
baseados na revisão bibliográfica da história 
da astronomia no Brasil e na periodização 
da história das ciências no Brasil, 
estipularam a abrangência da astronomia,
enquanto domínio de conhecimento e conjunto
de atividades, e dos temas a serem abordados
na obra. A consideração conjunta da utilidade e
do público-alvo da obra orientou a abordagem
dos temas e a sua organização, o estilo do texto
e a inclusão da história do tempo presente. É
feita uma avaliação do produto final e do seu
potencial para futuros estudos.
Oscar Toshiaki Matsuura
(MAST/MCTI e Programa HCTE/UFRJ)
Boa notícia do Prof. Tasso Napoleão:
Acaba de ser disponibilizada, no site do MAST, a versão eletrônica do livro "História da Astronomia no Brasil" (2013), em dois volumes e cerca de 1300 páginas no total. A organização da obra esteve a cargo do Prof. Oscar Matsuura, e sua elaboração coube a uma equipe de mais de cinquenta autores, entre os quais este amigo de vocês (Cap. 15, Vol 2).

Trata-se de obra inédita por sua extensão e abrangência: a última obra com este tema havia sido originalmente publicada em 1955 por Abrahão de Moraes (83 páginas, Ed. Melhoramentos) e reeditada em 1984 pela USP.

Essa fonte é, certamente, bastante relevante para quem se interessa por Astronomia em geral e, em particular, sobre o desenvolvimento dessa ciência no Brasil.

Link para a página da obra:


Dados da obra


História da Astronomia no Brasil (2013)

MAST/MCTI, Cepe Editora e Secretaria de Ciência e Tecnologia de Pernambuco | Recife, 2014

Oscar T. Matsuura (Org.)
Comissão Editorial: Alfredo T. Tolmasquim, Antonio Augusto P. Videira,
Christina H. Barboza e Walter J. Maciel
Companhia Editora de Pernambuco - Cepe | Recife, 2014

Realização Museu de Astronomia e Ciências Afins

Apoio Secretaria de Ciência e Tecnologia de Pernambuco

ISBN da versão digital

ISBN do volume 01 : 978-85-7858-276-0
ISBN do volume 02 : 978-85-7858-277-7

06 maio 2015

Uma saga de amadores

Cometa C/2014 E4 (Jacques) descoberto pelo SONEAR. Imagem de Agosto de 2014 por Gianluca Masi e Pier Luigi Catalano (Itália)
"...le hasard ne favorise que les esprits préparés". 
L. Pasteur (1822-1895)
No passado a descoberta de cometas era fruto do trabalho de astrônomos que não largassem as oculares e que estivessem dispostos a permanecer em vigília incansável, percorrendo vasto setores do céu em uma busca monótona e muitas vezes solitária. O advento de câmeras CCD, o barateamento de processos de inspeção automática de imagem, processadores numéricos e, principalmente, meios de comunicação bastante rápidos mudou as estórias de amadores, porque a busca por cometas e asteroides pôde ser automatizada de uma forma nunca antes imaginada.

O Brasil teve um observador da época pré-CCD que quase chegou a descobrir um cometa. Seu nome foi Vicente F. de Assis Neto (1936-2004, 1). Já na época da internet, destaca-se o trabalho de Paulo Holvorcem, que descobriu vários cometas e recebeu prêmios internacionais (2), com buscas feitas com instrumental fora do Brasil. Uma iniciativa pioneira acontece porém a partir do observatório Phoenix, que é conhecido como SONEAR, ou acrônimo para Southern Observatory for Near Earth Asteroids Research (Observatório austral para pesquisa de asteroides próximos a Terra, 3), instalado na cidade de Oliveira, estado de Minas Gerais. Segundo vários textos da rede (4), trata-se de investimento privado a serviço da busca por corpos próximos à Terra, uma atividade incentivada em várias partes do mundo. É pioneira porque usa equipamentos localizados em território nacional.
Fonte: Observatório SONEAR.

Como dissemos, a descoberta de um cometa cada vez menos acontece "por acaso", com seu descobridor grudado a ocular do telescópio em uma vigília feita com o olho.  Ainda assim, os recursos existentes presentemente podem fazer com que a busca de cometas pareça tarefa fácil. Entretanto, isso está longe de ser verdade. Há que se considerar o estado de competição internacional crescente, inclusive com um número cada vez maior de amadores bem equipados e preparados. Há várias campanhas profissionais bastante competentes, como é o caso da LINEAR (Lincoln Near Earth Asteroid Research), por exemplo, varrendo sistematicamente o céu. Hoje a descoberta se dá muitas vezes de dia, ao se vasculhar dezenas ou milhares de arquivos digitalizados colhidos em noites anteriores. Esses arquivos devem estar previamente calibrados e os telescópios muito bem alinhados para permitir a precisa determinação da posição. Portanto, a descoberta exige muito planejamento antecipado e aplicação de softwares dedicados - o que, naturalmente, requer conhecimento de processamento digital de imagem. Poucos amadores têm condições de compreender esse tipo de necessidade, quiça torná-la realidade operacional - o que aguarda maior automatização e integração da técnica. Mas, o SONEAR implementou esse processo com frutos que não se fizeram esperar: na lista de descobertas contam-se três cometas (C/2014 A4, C/2014 E2 e o C/2015 F4), sendo que o E2 alcançou visibilidade de binóculos, e 12 asteroides próximos à Terra, tudo isso utilizando principalmente um instrumento de 45 cm de diâmetro.

Hodiernamente, o diâmetro do instrumento é muito menos relevante do que a aplicação sistemática da técnica. Portanto, essas descobertas demonstram que alguns amadores avançados no Brasil têm conseguido resultados profícuos na busca por corpos no sistema solar, algo que não recebe a atenção devida dos profissionais desse pais. Isso é importante porque insere o Brasil na comunidade de buscas de corpos potencialmente perigosos e permite a descoberta de cometas, prática que perdeu muito de seu romantismo, mas que continua a ser uma aventura fascinante. 

Referências

Links acessados em Maio de 2015. 

(2) http://www.cometchaser.de/discoverystories/Comet-discoverers.html. A Paulo Holvorcem pode ser creditado o título de grande descobridor brasileiro de cometas da atualidade. Emmanuel Liais (1860-1900) descobriu um cometa em território nacional no século XIX conhecido como "cometa Olinda",  
(4) Ver:



02 maio 2015

Ocultações de estrelas pela Lua em 2015

Fig. 1 Mapa disponível no site da IOTA sobre a ocultação da estrela β do Capricórnio visível em 10 de Maio de 2015 em grande parte do Brasil.
Uma lista de oculatações de estrelas brilhantes pela Lua já está disponível no site da IOTA (1). Para a América do Sul, algumas das ocultações previstas (e que serão amplamente observadas em grande parte do território brasileiro) são:

Data    Designação Nome   Mag. Tipo %IL  Local 
06 May     ZC2399  24 Sco 4.9 RD    95-  nw South America
10 May     ZC2969  β Cap  3.1 RD    63-  n South America
26 Sep     ZC3269  θ Aqr  4.2 DD    93+  central South America, w central Africa
16 Dec     ZC3269  θ Aqr  4.2 DD    32+  s South America


Interessante, por exemplo, é o caso de β do Capricórnio (Fig. 1), visível em 10 de Maio e que está classificado como "RD" (reappearance dark), ou seja, a estrela reaparecerá no lado escuro (não iluminado) da Lua. 

Para a cidade de Campinas, SP, ao seguir o link indicado (2) na relação acima, o horário de reaparecimento é 6:15 TU. Portanto, o fenômeno ocorrerá de madrugada.  O horário para diversas outras cidades está relacionado no link.

Há várias referências na rede que dizem que ocultações de estrelas pela lua não tem muito valor científico. Na verdade, o valor científico está ligado à capacidade de registrar o fenômeno. Se o observador tiver meios de medir a curva de luz da estrela com a ocultação, diversos fenômenos interessantes podem ser registrados (3). Por exemplo, se a estrela ocultada for binária muito fechada - de forma que não seja observada como binária visualmente mesmo com telescópios - a curva de luz pode revelar a presença da companheira. Estrelas binárias podem assim ser descobertas durante ocultações (4). 

Referências

15 abril 2015

Um mapa celeste moderno: a ferramenta Aladin (versão 8.0)

Imagem do software Aladin 8.0 (para Windows). Esse sistema permite acessar todo o céu em vários comprimentos de ondas e com grande resolução. Diversas ferramentas de medida (fotometria etc) estão disponíveis como plugins. 
Talvez poucos sabem que, para se ter acesso a imagens do firmamento em resolução de céu profundo, basta um PC conectado a Internet. Foi-se o tempo de adquirir mapas celestes em papel, que iam até valores limites de magnitude abaixo de dois dígitos. Ou também adquirir caríssimos mapas de maior resolução, apenas disponíveis a observatórios profissionais. Uma ferramenta "leve" e pronta para uso é o software Aladin, que pode ser baixado desde:

http://aladin.u-strasbg.fr/

Clique em "Aladin Desktop" e escolha a versão de seu sistema operacional. Este software já está na versão 8.0 e é bastante leve porque a informação buscada é baixada à medida que é requerida. Alias, há uma versão para o brownser (http://aladin.u-strasbg.fr/AladinLite/), que não requer baixar nenhum aplicativo (mas que exige instalação do plugin JAVA) e que pode ser usado em plataformas móveis com, por exemplo, Ipads. O site acima descreve o software de uma maneira bem singela:
Aladin é um atlas celeste interativo que permite ao usuário visualizar imagens astronômicas digitalizadas de buscas completas, superimpor entradas de catálogos astronômicos e bancos de dados interativamente, acessar dados e informações relacionados ao banco de dados Simbad, do serviço VizieR, além de outros arquivos de objetos astronômicos no campo.
O VizieR (http://vizier.u-strasbg.fr/index.gml) é um serviço do Observatório Astronômico de Estrasburgo que é rota de acesso a um grande banco de dados de objetos astronômicos de diversos projetos. Com o Aladin é possível ter acesso ao céu em vários comprimentos de onda e não apenas no visível. Existem muitas funcionalidades associadas ao Aladin, que é uma aplicação feita em JAVA. A ideia do software é dar ao usuário a possibilidade de navegar pelo céu em várias "camadas" de dados - ou seja, a busca no mapa é, na verdade, uma inspeção em um banco. 

Uma das funcionalidades mais interessantes desse software é a função de zoom. De fato, ao se abrir o software pela primeira vez, a impressão que se tem é de um mapa da esfera celeste comum. É possível ampliar as regiões até escalas bem pequenas como 1 minuto de arco ou menos.

É possível realizar buscas com nomes conhecidos. Para isso, clique em "Ctrl+R" e preencha (em inglês) o nome do objeto buscado no campo "Location". Se ele estiver na lista interna da base, o resultado será a exibição do objeto no mapa.

O mapa na luz visível é obtido clicando-se no botão "DSS". Algumas das camadas de busca possíveis são:
  • 2MASS: para o infravermelho;
  • WISE para o infravermelho;
  • GALEX para o ultravioleta;
  • PLANCK: para a banda de rádio;
  • AKARI: para o infravermelho distante;
  • Fermi: para raios gama
  • Constell: carrega a fronteira entre as constelações;
  • WDS: indica a posição das estrelas duplas na área de busca do usuário;
  • GCVS: carrega as posições das estrelas variáveis na área de busca do usuário;
Imagem gravada do software Aladin mostrando pelos círculos amarelos a posição de estrelas duplas. 
Além dessas possibilidades, diversos plugins permitem manipular os dados, como é o caso da ferramenta de fotometria.

O Aladin é ideal para quem procura por um mapa de alta resolução - talvez, durante a execução de uma busca mais detalhada pelo céu, tenha topado com algum objeto desconhecido, possivelmente um asteroide ou cometa. Para o amador da astronomia no visível (observadores de estrelas duplas, variáveis, deep sky etc), pouco relevância parece existir nos mapas além do visível, porém a disponibilização desses extratos de dados em uma mesma ferramenta permite que buscas comparativas sejam feitas. Nesse sentido, a quantidade de informação disponível pelo sistema Aladin é realmente surpreendente.




01 abril 2015

Nota sobre o Eclipse da lua em 4 de abril de 2015


Quem tiver interesse no eclipse total da lua em 4 de Abril de 2015 deve saber que esse fenômeno não será observado em grande parte do hemisfério ocidental - incluindo o Brasil, África e a toda Europa conforme mostra o mapa acima

No caso do Brasil, apenas uma pequena faixa da parte mais ocidental (correspondente ao estado do Acre) poderá ser vista a lua se pondo com o eclipse em sua fase muito parcial. Essas condições não são favoráveis para a boa observação do fenômeno.

Observadores devem esperar até o dia 28 de Setembro de 2015 para apreciar um eclipse total da lua que será plenamente visível nos locais onde esse não será. 

21 março 2015

Nova Sagitarii 2015 (Nova Estrela na constelação do Sagitário)

O "antes e o depois" numa imagem de A. Valvasori feita no dia 16 de Março último,
usando um telescópio de 32 cm de diâmetro. A imagem tem 20' x 20' de área. Fonte: Ref. (1)
Descoberta no dia 15 de Março último, um estrela nova, de coloração amarelada e bem no centro do "pote de chá", pode ser vista por meio de binóculos e até a vista desarmada, caso o observador se localize em região com pouca poluição luminosa (sua magnitude na data deste post é de aproximadamente 4).  A notícia parece ter sido divulgada em primeira mão no site da revista "Sky and Telescope" (1). Segundo a revista, a estrela foi descoberta pelo caçador de novas John Seach na Austrália e apresentava na data a magnitude 6. Ainda segundo a nota, um dia antes nada havia sido registrado no campo da imagem pelo menos até magntude 10,5.

Essa estrela está ao alcance dos observadores do hemisfério sul por se localizar na constelação de Sagitário. A posição da estrela é declinação: –28° 55′ 40″ e Ascensão Reta: 18h 36m 56.8s. O equipamento ideal para sua observação é um binóculo, embora o registro fotográfico da estrela (usando uma montagem fixa) pode ser facilmente obtido.

Até um espectro da estrela já foi feito no dia 17 de Março último por Jerome Jooste na África do Sul conforme mostra a imagem abaixo extraída de seu site de divulgação

Espectro da estrela feito por Jerome Jooste na África do Sul, usando um telescópio refletor de 8 polegadas. As faixas brancas mostram presença de fortes linhas de emissão tipicamente associadas à atmosfera da estrela. 
Um mapa da localização da estrela pode ser visto abaixo como distribuído pela AAVSO. Embora a importância do evento, em 21/3/2015, não se registrou nenhuma notícia dessa nova na primeira página do site da AAVSO. Esse mapa será mais útil à medida que a nova perder brilho e novos observadores tiverem interesse em localizar essa estrela e avaliarem seu brilho. 

Mapa com a posição da Nova Sagitarii 2015 fornecido pela AAVSO.
Referências

01 março 2015

Cometas em 2015: C/2013 US10 (Catalina)

Fig. 1 Imagem do cometa C/2013 US10 por Jean-Francois Soulier em Setembro 2014. Esse cometa poderá ser visto no final de 2015 e será o cometa mais brilhante do ano. 
O ano de 2015 aguarda em seu final a visita de um cometa que poderá se tornar brilhante: o C/2013 US10, também chamado "Catalina" por ter sido encontrado no dia 31 de Outubro de 2013 na busca feita pelo sistema Catalina (1). Esse cometa foi descoberto por R. A. Kowalski com magnitude 18.0 e, no dia 2 de Novembro daquele ano, foi designado C/2013 US10. Inicialmente, o objeto foi tomado como sendo um asteroide, mas em buscas subsequentes (2), constatou-se que se tratava de um cometa. Acredita-se que esse cometa seja originário da nuvem de Oort, realizando sua primeira incursão ao interior do sistema solar. Por ter uma órbita parabólica (a excentricidade orbital é próxima de 1), é provável que esse cometa tenha um período de vários milhões de anos. 

Fig. 2 Madrugada de 7 de Dezembro de 2015, mostrando 
a conjunção do cometa com a Lua, Vênus e Marte.
É importante o leitor perceber que o nome "Catalina" refere-se genericamente a vários outros cometas, portanto, a busca por dados desse astro deve usar sua designação específica. Dados detalhados desse cometa em particular podem ser encontrados em (3) e (4). Seu periélio se dará em 15 de Novembro de 2015, portanto, é um objeto com observação favorável apenas no final de 2015. A razão para incluirmos ele aqui é que seu brilho poderá chegar abaixo de mag. 4.0, tornando-se o cometa mais brilhante do ano.

Onde encontrar o cometa Catalina

O palco para sua observação será o horizonte oriental, antes do nascer do sol, da segunda metade de Novembro de 2015 até aproximadamente quase a totalidade da primeira metade de Janeiro de 2016. As magnitudes esperadas nesse período estão entre 4.5-5.0. Para referência de observação, esse cometa poderá ser visto em "visita" (conjunção) a algumas estrelas, sendo que, no que vai abaixo, o  horário de observação é sempre 05:30 do tempo local (horário de Brasília para a posição de Campinas/SP):

27/11/2015 05:30 TL: HIP 69974, λ Vir. "Khambaliya";
09/12/2015 05:30 TL: HIP 69701, i Vir, "Syrma";
26/12/2015 05:30 TL: HIP 69612A, 15 Boo;
01/01/2016 05:30 TL: "Arcturus", α Boo.

Uma data que vale a pena se preparar acontecerá na madrugada do dia 7 de Dezembro de 2015, quando o cometa poderá ser visto próximo a Vênus e a Lua, com o planeta Marte um pouco mais acima como mostra a Fig. 2, para as latitudes austrais.  

Em particular, destaca-se também a conjunção com Arcturus na madrugada do dia 1 de Janeiro de 2016. Uma simulação desse encontro pode ser visto na Fig. 3. A magnitude estimada do cometa na data é aproximadamente 4.9, mas, por ser um cometa recente, pode se apresentar mais brilhante. Essa figura também mostra a renderização da posição da cauda do cometa - uma nova funcionalidade do software Stellarium. Essas conjunções ajudam a encontrar o cometa, envolvido nas brumas da alvorada ao longo de Dezembro de 2015.

Fig. 3 "Conjunção do cometa C/2013 US10  com a estrela α Bootes ou Arcturus em 1 de Janeiro de 2016 conforme simulação do software Stellarium.
O mapa da Fig. 4 permite identificar a posição desse cometa na madrugada da véspera de Natal de 2015. Admitida a presença da cauda, essa estará orientada em direção ao sol e pela imagem, o cometa se volta para o sul. O monitoramento da magnitude desse cometa é altamente recomendado, já que ele poderá passar por episódios de aumentos não esperados de brilho ao se aproximar do Sol. 

Fig. 4 Madrugada de 24 de Dezembro de 2015, mostrando o cometa C/2013 US10 entre as constelações de Virgem e o Boieiro, identificando-se a presença de Marte em Virgem. 
Referências e notas

(1) http://www.lpl.arizona.edu/css/
(2) http://southern-sky-observations.blogspot.com.br/2013/11/comet-catalina-2013-us10.html
(3)  http://www.minorplanetcenter.net/mpec/K13/K13V31.html
(4) http://www.aerith.net/comet/catalog/2013US10/2013US10.html

07 fevereiro 2015

O que aconteceu aos canais de marte?

Fig. 1 Imagem comparativa de um mapa feito por Eugene Michel Antoniadi (1870-1944) e imagem do telescópio Hubble de marte. Essa imagem estabelece uma "comparação areográfica" entre as mesmas regiões de marte como vista por Antoniadi e registradas pelo Hubble modernamente. O telescópio Hubble é um dos mais avançados sistemas de observação criados, enquanto que Antoniadi foi um dos mais hábeis observadores do início do Século XX. Ver também Fig. 4.

"Além disso, a maioria dos canais que foram observados visualmente 
no Observatório de Lowell foram gravados repetidas vezes em 
um grande número de fotografias feitas durante os últimos quinze anos.

Finalmente, que as observações visuais extensivas feitas nesse 
observatório foram confirmadas in toto e corroboradas 
em detalhes pelas fotografias." (E. C. Slipher, ref. 17)

"Tenho a suspeita irritante de que existe ainda uma característica
essencial no problema dos canais marcianos 
que ainda permanece desconhecida." (C. Sagan, "Cosmos", 1980)
A maior parte da "geração do milênio" conhece, do planeta marte, imagens trazidas por sondas de exploração (1) que desceram naquele planeta e revelaram detalhes sem precedentes. Há porém uma história esquecida de exploração de marte, história feita de personagens que estudaram com sinceridade e fervor a superfície daquele planeta, não obstante as limitações de recursos técnicos e as distâncias de milhões de quilômetros envolvidas.

Hoje, a maioria dos textos que relatam as observações dos famosos canais marcianos restringem a estória a invenções criadas por dois observadores (1b): Giovani Schiaparelli (1835-1910) e Percival Lowell (1855-1916). Sobre Schiaparelli - o descobridor dos canais - a pouco confiável "Wikipedia" diz que ele "inadvertidamente popularizou a falsa ideia de canais artificiais em marte" (2). O "inadvertidamente" distorce o registro histórico do que realmente aconteceu. O fato é que a esses dois astrônomos é imputada a culpa pela propagação da existência dos canais (3). Na verdade, a época que se estendeu desde meados do século XIX até praticamente a década de 1960 foi marcada pela crença generalizada na academia na existência dessas construções, o que não é ressaltado nos textos modernos ou postagens da rede que pretendem descrever esse capítulo da história da Astronomia.

Fig. 2 O refrator Merz do Observatório de Brera (4).
Esse telescópio funciona até hoje e foi usado por
Schiaparelli em seus estudos areográficos.
Artigos científicos que relatam observação dos canais

Felizmente, é possível hoje em dia pesquisar artigos desse período e conhecer a opinião de outros observadores sobre a visualização de estruturas filiformes na superfície de marte. Por meio do refrator "Merz" (Fig. 2), Schiaparelli fez mapas detalhados da superfície de marte mostrando o que ele chamou "canali". Pretende-se explicar a estória dos canais como estruturas artificiais por um problema semântico entre a tradução da palavra "canali" em Italiano para "canals" em Inglês. O fato é que essas sutilizas semânticas não têm relação com o que outros observadores afirmaram ter visto em sucessivas oposições de marte no final do século XIX e início do século XX.

Nossa busca se deu no "SAO/NASA Astrophysics Data System" (6) em um período que vai de 1886 a 1954. É importante que o leitor esteja contextualizado no debate que ocorreu na época. Havia dois grupos de astrônomos: os que aceitavam a existência dos canais e os que afirmavam nunca ter observado as estruturas. Ainda que a balança da história tenha pendido  a favor desses últimos, é possível entender as falhas de observação a inúmeros fatores climáticos e de favorabilidade da oposição de marte. Do lado dos "crentes" haviam figuras ilustres como Antoniadi, por exemplo, sobre quem se afirma ter sido um crítico da existência dos canais, o que não é verdade (ver Fig. 1 e Fig. 4). Tudo isso aumenta o mistério em torno do tema, porque as teorias de ilusão - criadas para explicar o que Schiaparelli e Lowell viam com seus telescópios - não explicam porque esse fenômeno não se repete hoje em dia.

Fig. 3 Correspondência entre um mapa de Schiaparelli
e uma imagem moderna da região de Elysium e Syrtis
Major. 
Um artigo que chama a atenção é "Analysis of the Martian Canal Network" (5) de W. A. Webb (1955). Logo na introdução do artigo, esse autor declara:
Edison Pettit (*) confirmou a existência dos canais em 1939 e se convenceu de que eles eram tão numerosos quanto representados nos mapas de Schiaparelli de marte. Assim como Trumpler, ele também deixou de comparar seus desenhos com aqueles mapas de marte até que oposição passasse e seus desenhos fossem preparados para publicação.
A referência a Pettit citada é de um artigo publicado na "Associação de Astronomia do Pacífico" em 1947. Portanto, vê-se que até a década de 1950, havia pesquisadores que afirmavam a existência dos canais, o que mostra que essa estória não morreu com Schiaparelli e Lowell. O mais interessante desse relato é que, para reforçar a existência dos canais, era exigido que novos observadores não se influenciassem pelos mapas de Lowell e Schiaparelli. Acreditava-se que a simples consulta a tais mapas poderia induzir observadores a ver através do telescópio a existência dessas estruturas.

Na "Memoir of the British Astronomical Association" (7) , há na "seção de marte" uma relação de canais de marte e seus respectivos observadores. De lá extraímos a seguinte passagem:
O diretor, Mr. Cammell, nota que o número de canais observados foi 27. O Jamuna foi o único canal duplo visto distintamente. Gehon e o Ganges eram aparentemente duplos. Anubis, Astusapus e Astaboras eram visto como manchas sombreadas. Os canais nunca foram vistos muito distintos ou pretos, com exceção do Ganges que, em várias ocasiões, era sempre negro.
O Sr. Roberts fala em marcas sendo vistas distintamente quando a definição de imagem era boa.
O Sr. Antoniadi, depois de contar 42 canais, menciona um novo, visto em primeiro de Novembro, que não aparece nos mapas de Schiaparelli, mas que foi visto por observadores de Lick em 1892.
As observações mais precisas dos canais foram feitas pelo Sr. Stanley Williams. Seu relatório é reproduzido completamente.
Nesse artigo, vários nomes de observadores são citados, indicando os canais que eles observaram. Nomes como "Anubis", Astusapus", "Astaboras" e "Ganges" correspondiam à nomenclatura dada por Schiaparelli para os canais. O leitor deve atentar para o fato de os observadores nesse relatório confirmarem a existência dos canais "quando a definição da imagem era boa", o que está ligado à oscilações na imagem causada por turbulência atmosférica (8). Quem já observou qualquer planeta com grandes aumentos está acostumado ao fenômeno. Logo, as marcas filares eram vistas quando a turbulência se reduzia consideravelmente, o que ocorria apenas durante alguns minutos.

Fig. 4 Mapa de E. Antoniadi de marte mostrando os canais. Fonte (9).
Frequentemente, fala-se que os tais canais só poderiam na época ser vistos com telescópios de pequena abertura (abaixo de 10 polegadas). Sabe-se que a turbulência atmosférica influencia mais a formação de imagem com aberturas maiores. Isso é fácil de ser entendido considerando que, com aberturas maiores, a frente de onda que forma a imagem é maior (se comparada, por exemplo, à metade da abertura), de forma que a turbulência atmosférica é mais eficiente em deformar a imagem final com grande instrumentos. Entretanto, no "Report of the mars section" (1917-1918), "Observation and telescopic notes" (10), lê-se:
Escrevendo a respeito do telescópio refrator de 28 polegadas, Steavenson diz: "No dia 22 de abril, o seeing chegou a 5-6 (na escala do Prof. Pickering) por duas horas. Vi muito pouco além do que tenho visto com o equipamento de 10 polegadas, mas o que vi foi quase que instantâneo, ao invés de aparecer laboriosamente ao longo de uma hora de observação e, quando isso aconteceu, manteve-se a imagem serena por minutos certamente. De outra forma, o planeta apareceu muito como costumava ver em refratores de 8 e 10 polegadas. Os 'canais' eram  largos e difusos, embora bastante retos e suavizados como um todo. Não há dúvidas de que qualquer deles se apresentava meramente como cantos de marcações de meio tom. Tem-se dito que, com aberturas maiores, o planeta se apresenta cada vez mais natural, mas, nessa noite, penso que ele se parecia menos natural do que já tive chance de observar anteriormente. Esse efeito se deve largamente à retidão e o comprimento de Protonilus, Deuteronilus, Phison e Euphrates
Orontes e Typonius eram os únicos riscos que pareciam descontínuos."
Dessa forma, um observador confirmou a existência dos canais com um telescópio de 28 polegadas.

Fotografias que registram os canais

Céticos afirmam que nunca foram tiradas fotos registrando os canais e que isso prova que eram ilusórios. Inicialmente, ressaltamos que é possível explicar a raridade das imagens pela limitação tecnológicas da época quando não havia ainda os dispositivos CCD ou câmeras digitais e os registros eram baseados em filmes químicos. Entretanto, segundo Webb (5):
R. J. Trumpler, na oposição de 1924 e 1926 fez, muitas centenas de fotografias de marte mostrando canais e, por um sistema de combinação de negativos, preparou mapas de marte que se parecem bastante com aqueles de Lowell e Schiaparelli. Embora Trumpler negue conhecimento prévio desses mapas, opositores da teoria dos canais dizem que ele foi influenciado por elas na preparação de seus próprios mapas.
A referência aqui é Robert J. Trumpler (1886-1956), astrônomo suíço, que não teve a fama de Schiaparelli ou Lowell. A referência que indica as fotos não pôde ser encontrada. Sobre tais fotos, escreveu Pettit (11):
Muitas tentativas foram feitas de fotografar essas difíceis marcas, os canais de marte. Embora imagens interessantes tenham sido obtidas, nenhuma fotografia revelou os detalhes finos descritos por observadores visuais. Com aumento de potência óptica e melhoria nas técnicas fotográficas agora disponíveis, pode parecer estranho que fotos melhores não tenham sido obtidas. A explicação comumente aceita é que grandes abertura não são adaptáveis ao problema, porque as condições de visibilidade nunca são suficientemente boas.
Esse autor reafirma que os canais são visíveis como "detalhes finos" na superfície de marte e que sempre escapam à fotografia por causa das condições de observação que pioram com grandes aberturas. Naturalmente, há vários trabalhos de Percival Lowell sobre fotografias de canais (12,13, 14) que foram desprezados. Mas, há também artigos de outros autores (15,16,17).
Fig. 5. Mapa de marte preparado na oposição de 1954 que, segundo (16) utilizou fotografias do planeta feita pelo telescópio refletor de M. Wilson de 100 polegadas (2,5 metros).
De particular interesse é o relatório de Pettit (16). Nele há um mapa feito na oposição de 1954 que mostra claramente os canais. No artigo pode-se ler (ver seção "Marcas identificadas como canais"):
As únicas fotografias em que buscamos canais foram as imagens em amarelo tomadas em 1, 2 e 3 de Julho durante boas condições de visibilidade, quando o planeta estava a 39800000 milhas de distância. Deve-se enfatizar que essas observações cobriram somente a região de 170 a 310 graus. Marcações visíveis em exposições foram identificadas com os canais Cerberus I, Hades, Eunostos I, Hyblaeus, Amenthes, Thoth-Nepethes e Gyndes-Alcyonus. Em nossas fotografias, essas marcações parecem como raias irregulares ou bandas. Em desenhos feitos em 1939 e 1941, observadores gravaram essas raias como duas linhas paralelas curvadas. Nossas fotografias as mostram como uma marca em forma de nuvem alongada. As únicas marcas que se pareciam como canais como são descritas usualmente foram Eunostos I e Hyblaeus que se assemelham a linhas grossas.  
Finalmente, em um artigo recente G. Mort (18) publicou algumas fotos e registros de marte feitos com o grande refrator Clark de 24 polegadas feitas em Mars Hill. Nelas se observam os detalhes finos na forma de canais como pode ser visto nas Figs. (6a) e (6b). A Fig. 6b mostra que a superfície de marte se parecia como uma rede de "veias" ou "rios" que percorriam o planeta. Portanto, cai por terra as teorias de que Lowell e Schiaparelli inventaram os canais ou foram iludidos por suas crenças em vida extraterrestre naquele planeta.

Fig. 6a. Direita: Registro fotográfico feito com refrator de 24 polegadas (ver ref. 18). Esquerda: imagem interpretada através de um desenho.
Fig. 6b. Registro fotográfico de marte feito com refrator de 24 polegadas (ver ref. 18) de Mars Hill (Arizona). Nessa imagem aparecem as estruturas filamentares que podem ser tomadas como canais.
Conclusões

Obviamente, a questão sobre a existência de canais artificiais em marte é hoje considerada resolvida. O que analisamos aqui como não resolvidas são as explicações e causas para o avistamento e registro de estruturas parecidas com isso por inúmeros observadores habilidosos como Antoniadi, Beer e Mädler e outros, para não citar Schiaparelli e Lowell.

Quando as primeiras imagens dos sistemas Mariner chegaram em 1966 revelando marte como um mundo parecido com a lua e desprovido de canais, a decepção foi geral. Então, surgiram teorias de que os canais eram avistamentos de cadeias de crateras sucessivas e que antigos observadores se deixaram levar por teorias de vida extraterrestre. Porém são inaceitáveis as descrições de que a estória dos canais foi uma criação das mentes de Schiaparelli e Lowell, ou que legiões de observadores se deixaram ingenuamente a acreditar e ver na superfície de marte essas estruturas. Ainda difícil de se acreditar hoje em dia é o efeito de influenciação psicológica por mapas areográficos em que essas estruturas aparecem. Na época acreditava-se que isso era possível e, provavelmente, ainda há pessoas que pensam assim.

Essas teorias remanescentes, que descrevem os canais como "ilusões de óptica", são adicionalmente inaceitáveis por uma razão muito simples: de dois em dois anos, marte entra em oposição e se torna um objeto altamente favorável à observação. Porém, desde os primeiros vôos aquele planeta, nunca mais as dezenas de canais foram observadas. Se a teoria da ilusão de óptica fosse ainda válida, poderíamos contemplar essas estruturas ainda hoje.

Em um artigo mais crível, G. Mort (18) propõe a teoria de que os canais existiram  de fato - como estruturas filamentares - mas foram cobertos pela atividade atmosférica daquele planeta desde então. Segundo esse autor:
(Essa teoria) mostra que aquelas observações feitas nos séculos XIX e XX se baseavam em algum tipo de realidade. Havia de fato marcas proeminentes na superfície marciana que foram legitimamente observadas com telescópios na Terra. Isso demonstra que o albedo da superfície marciana passou por mudanças dramáticas em um curto período de tempo areográfico. Talvez isso exija que se repense o processo evolutivo da climatologia marciana. Se não houver nada além disso, ela contribui para uma nova apreciação do trabalho de Schiaparelli de 1877 e as intrigantes observações que o sucederam. 
Segundo C. Sagan, seria impossível que tais características tivessem desaparecido pouco antes das primeiras Mariners chegarem ao planeta. A teoria de Mort é interessante, mas assume que essas revoluções de superfície aparentemente sepultaram para sempre os canais que foram vistos e correlacionados entre observadores em inúmeras oposições do planeta antes de 1964-1966, e que hoje não se avistam mais. Portanto, somos partidários da opinião de Sagan de que ainda existe uma "suspeita irritante" sobre toda essa estória dos canais.

Para quem tiver interesse em outras suspeitas irritantes relacionadas ao planeta vermelho, recomendo o  artigo sobre os "flares" marcianos por T. Dobbins e W. Sheehan (19) da ALPO

Para um mapa moderno (oposição de 2005) de marte por observadores na Terra, ver:

Referências e notas

(1) Para um relato da história de exploração de marte feita pela NASA ver: http://history.nasa.gov/marschro.htm

(1b) A. Manara e A. Wolter (2011). "Mars in the Schiaparelli - Lowell letters". Men. S. A. It. vol 82, 276. Ver: http://adsabs.harvard.edu/abs/2011MmSAI..82..276M

(2) http://pt.wikipedia.org/wiki/Giovanni_Schiaparelli (texto de Fevereiro de 2015).

(3)  Ver, por exemplo R. Milner (2011), "Tracing the Canals of Mars: An Astronomer's Obsession", em que o autor diz "ao menos um astrônomo proeminente estava convencido de que marte não só suportava vida, mas era morada de uma avançada civilização".

(5) Ver: http://adsabs.harvard.edu/full/1955PASP...67..283W. "Publications of the Astronomical Society of the Pacific", Vol. 67, No. 398, p.283

(7) "Report of the Mars Section. A List of Canals and Observers. Memoirs of the British Astronomical Association", vol. 4, pp.117-119 (1896). Ver: http://adsabs.harvard.edu/abs/1896MmBAA...4R.117.



(10) Ver: http://adsabs.harvard.edu/abs/1926MmBAA..26....1... Section for the Observation of Mars. 1917-1918. Introduction. Memoirs of the British Astronomical Association, vol. 26, pp.1-8 (1926)

(11) Ver: http://adsabs.harvard.edu/abs/1947PASP...59....5PPublications of the Astronomical Society of the Pacific, Vol. 59, No. 346, p.5 (1947)

(12) P. Lowell (1905) "The Canals of Mars - Photographed". Astronomische Nachrichten, volume 169, p.47. Ver: http://adsabs.harvard.edu/abs/1905AN....169...47L

(13) P. Lowell (1905) "The Canals of Mars-Photographed". Popular Astronomy, vol. 13, pp.479-484. Ver: http://articles.adsabs.harvard.edu/full/1905PA.....13..479L

(14) P. Lowell (1906) "First Photographs of the Canals of Mars". Proceedings of the Royal Society of London. Series A, Containing Papers of a Mathematical and Physical Character, Volume 77, Issue 515, pp. 132-135

(15) E. Pettit (1950). "Photographing Mars". Astronomical Journal, Vol. 55, p. 77. Ver: http://articles.adsabs.harvard.edu/full/1950AJ.....55R..77P

(16) E. Pettit e R. S. Richardson (1954) "Observations of Mars Made at Mount Wilson in 1954". 
Publications of the Astronomical Society of the Pacific, Vol. 67, No. 395, p.62. Ver: http://articles.adsabs.harvard.edu//full/1955PASP...67...62P/0000067.000.html?high=54d5f44f5d10654

(17) E. C. Slipher (1921). "Photographing the Planets with Especial Reference to Mars". Publications of the Astronomical Society of the Pacific, Vol. 33, No. 193, p.127. Ver: http://articles.adsabs.harvard.edu//full/1921PASP...33..127S/0000127.000.html?high=54d5f44f5d10654

(18) G. Mort. Mars: The Canal Cover-up. Martian revelations. http://www.gregmort.com/Bibliography_files/Mars_Canal_Cover-up_Final_Draft-5.pdf

(19) T. Dobbins e W. Sheehan. "Solving the Martian Flares Mystery".  http://www.alpo-astronomy.org/mars/articles/MartianFlaresALPO.pdf

20 janeiro 2015

Imagens de estrelas em telescópios

Fig. 1 Imagem simulada de uma estrela em um telescópio refrator, o chamado "disco de Airy". Não é possível ver nenhum detalhe da estrela, mas apenas um disco com vários anéis em volta. Por que isso acontece?
Telescópios são na verdade filtros de luz. O objetivo principal em termos de funcionalidade de um sistema telescópico é aumentar a quantidade de luz (e não o tamanho da imagem) proveniente de um objeto. Como tudo na Natureza, isso tem um custo. Esse custo vem em forma de uma limitação na capacidade de distinguir objetos localizados muito próximos, ou seja, separar a imagem de duas “fontes ideais” localizadas arbitrariamente próximas uma da outra.

O que acontece quando a luz proveniente de um objeto distante (em particular uma estrela) atinge o telescópio ? As frentes de onda que contêm informação sobre a estrela são distorcidas pelo sistema óptico. No caso dos telescópios refletores, as frentes de onda são obrigadas a convergir para um ponto, o ponto focal.
Fig. 2 A imagem de uma estrela é formada pela reflexão e “difração” das frentes de onda na superfície de um espelho refletor (no caso de telescópios refletores).
Acontece que o espelho tem uma dimensão finita. Nas bordas do espelho acontece um fenômeno que revela a natureza ondulatória da luz: as frentes de onda originais são “difratadas” (Fig. 2). Essa difração não permite que a imagem final reproduza com todos os detalhes a imagem original da estrela. Por causa disso, não é possível, por exemplo, ver detalhes na superfície da estrela. É possível ver que, se as frentes de onda originais forem distorcidas – como no caso dentro da atmosfera terrestre – a imagem é severamente piorada. Quaisquer outros meios ópticos que se interponham entre o espelho e a estrela distante causam distorção na imagem formada no ponto focal do espelho. Com telescópios de lentes – no caso dos refratores – também ocorre difração da luz nos cantos da lente.

Para descrever com precisão o processo de passagem da frente de onda pelo espelho do telescópio, precisamos de ter em mãos uma teoria que trate esse sistema. Em óptica é possível separar dois aspectos do fenômeno: um ligado a descrição da trajetória dos raios de luz desde a estrela, reflexão no espelho e convergência ao ponto focal; e outro ligado aos efeitos de difração. Isso colocado, as considerações aqui feitas se aplicam a qualquer sistema óptico com “abertura” circular e com diversos tipos de arranjos de obstrução. Para calcular a imagem por eles formada, é suficiente descrever a parte ondulatória (difrativa) da formação de imagem. As imagens reproduzidas de estrelas correspondem ao que se pode ver por sistemas bem colimados próximos ao "eixo óptico" do sistema. 
Fig. 3 Suporte de espelho secundário em "aranha" de um telescópio refletor Newtoniano (do autor). A projeção da sombra do suporte modifica a imagem de uma estrela, o que é conhecido como "padrão de difração" (característico do formato do suporte.
Telescópios de espelho fazem uso, em geral, de suportes especiais para os espelhos secundários ou apresentam furações na superfície do espelho principal. Como é a imagem de uma estrela formada por diferentes tipos de arranjo de suporte? Neste post vamos descrever isso através de simulações numéricas. Isso porque é possível calcular a imagem de uma estrela, usando a teoria da óptica física. 

Em primeiro lugar, vemos na Fig. 1 uma imagem produzida por um sistema do tipo "refrator", sem obstáculos ou perfurações. Para se observar uma imagem como essa é necessário que a atmosfera esteja límpida, com baixos gradientes de temperatura – como no caso da condição atmosfera após uma forte chuva. A Fig. 1 mostra o chamado disco de “Airy”, que em óptica física é a própria “função de ponto espalhado” (point spread function) do instrumento. Com essa função é possível – também por meio de computadores – simular a imagem de qualquer objeto extenso (como no caso de planetas). Ela é caracterizada por um disco central, circulado por uma série de “anéis”, conhecidos como “anéis de difração”.

Mas, essa imagem não aparece em outros tipos de instrumentos. Por exemplo, suponhamos um telescópio Newtoniano com suporte de secundário "simples", como mostrado na Fig. 4(a). Essa é a imagem que alguém vê ao olhar através do suporte da ocular de um telescópio Newtoniano com a ocular removida. Nesse caso, a imagem formada de uma estrela será de um ponto ladeado por dois "riscos" que, se ampliados, revelam a formação de uma figura de difração com vários anéis e "espículas" de difração. Isso está mostrado na Fig. 4(c).

Fig. 4 Perfil de sombra projetada no espelho secundário de um telescópio Newtoniano (a). Imagem de uma estrela (b). Imagem ampliada de contraste aumentado do padrão de difração (c).
Se o suporte form em "aranha", ou seja, um conjunto de três hastes distantes 120 graus que tem o secundário no centro (Fig. 5(a)), o perfil será como mostra a Fig.5(b). Essa imagem é a da clássica estrela de seis pontas. Observe que como cada haste produz duas espículas separadas por 180 graus, três hastes produzirão seis espículas separadas por 60 graus cada uma. Pode-se apreciar com mais detalhes as espículas de difração ampliadas como vistas pelo sistema da Fig. 5(a) na Fig. 6(a). Essa é uma imagem com intensidade aumentada de uma estrela como vista por um telescópio refletor do tipo Newtoniano contendo um suporte em aranha.
Fig. 5 (a) Perfil de suporte secundário em aranha. (b) Imagem estelar formada.
Fig. 6 (a) Imagem bastante ampliada e com contraste das espículas de difração aumentada de uma estrela como vista por um telescópio com suporte de secundário "em aranha". (b) Perfil de intensidade da estrela (gráfico 3D ou topográfico do perfil correspondente a (a)).
Efeito da difração: estrelas duplas.

Nas imagens simuladas acima, não levamos em consideração o efeito da turbulência atmosférica. Isso é bastante característico, porém, basta tentar observar uma estrela por um telescópio em uma noite qualquer; dificilmente a atmosfera estará calma o suficiente para resultar nas imagens como mostradas anteriormente. Em noites límpidas, haverá instantes de estabilidade em que se poderá contemplar imagens muito semelhantes às aqui apresentadas.

O maior efeito  da difração ocorre na observação de estrelas duplas. Em geral, estrelas duplas ou binárias são estrelas que parecem muito próximas, tão próximas que não é possível separar cada elemento a vista desarmada. Usando telescópios de determinadas dimensões e grandes aumentos isso é possível, dependendo da distância "aparente" entre cada estrela e da diferença de brilho entre elas. A Fig. 7 mostra uma simulação de uma "dupla cerrada" ou binária próxima ao chamado "limite de Dawes". Esse limite estabelece a distância angular aparente a partir da qual duas estrelas começam a ser separadas. Cada figura mostra versões de imagem em diferentes tipos de telescópio, como explica a legenda. O que acontece se a companheira for menos brilhante que a outra? Isso está mostrado na Fig. 8. Nessa simulação, uma estrela duas magnitudes abaixo de sua companheira principal (que tem maior brilho) é mostrada através de dois telescópios diferentes conforme explica a figura.

Fig. 7. Simulação de uma estrela binária com componentes de mesmo brilho próximas no chamado "limite de Dawes". Esse limite corresponde ao "poder de resolução" do equipamento. Em (a) vemos um par desse tipo como visto por um telescópio refrator. Em (b) vemos o mesmo  par através de um telescópio refletor com suporte em "aranha" (Fig. 3).
Fig. 8 Mesmo caso que Fig. 8, porém a estrela secundária está duas magnitudes abaixo da primária. (a) Imagem por um refrator. (b) Imagem por um refletor com suporte em "aranha".
Devemos deixar claro que os perfis reproduzidos só são realmente observados em instrumentos muito bem colimados (com óptica boa) e em condições de observação excepcionais. Isso muitas vezes é difícil de se conseguir na prática. As imagens simuladas mostram o perfil de intensidade para uma componente de frequência da luz apenas. Entretanto, variações no comprimento de onda da luz provocam uma mudança muito pequena na posição dos principais máximos e mínimos de difração, de forma que as simulações são uma excelente aproximação para o que se pode ver.

Nesse post apresentamos uma sequência de simulações numéricas de imagens de estrelas em telescópios de diferentes tipos para condições de atmosfera com turbulência nula. A abertura do telescópio funciona como um grande filtro de Fourier sendo que a imagem de um objeto pontual (como no caso de uma estrela) é a própria transformada da abertura (a conhecida função de Airy). A formação da imagem de objetos extensos pode ser pensada como a interferência de multiplas fontes que formam o objeto (nas quais ele pode ser dividido). Essa fonte fundamental é conhecida em inglês
com “point spread function” e é fundamental na análise e processamento de imagens astronômicas. As simulação aqui apresentadas foram feitas usando uma planilha .mcd do software MathCAD (versão 2000)

Referências



03 janeiro 2015

Cometas em 2015: C/2014 Q2 (Lovejoy)

Cometa Lovejoy (C/2014 Q2) em foto de Alexandra Albani (desde Banglore, Índia)
O ano de 2015 começa com um novo visitante visível à vista desarmada e durante a tarde. Trata-se do cometa C/2014 Q2, chamado "Lovejoy", descoberto em Agosto de 2014 por Terry Lovejoy. É um cometa de logo período (estima-se como 11 mil anos) e que está em boas condições de observação.

Atualização: Foto tirada em 17/1/2014  desde Campinas/SP. Nikon D40. ISO 1600, 30 segundos. Um rastro de satélite também foi capturado atravessando as Híades. (clique na foto para ampliar).

Um mapa para encontrar esse cometa nas primeiras semanas de Janeiro de 2015 pode ser visto abaixo. Pela sua posição no céu, é possível inferir que o C/2014 Q2 pode ser visto ao entardecer facilmente, estando próximo à constelação de Órion. 

Mapa: cortesia de cometchasing.skyhound.com
O objeto apresenta magnitude 4,9 no começo de Janeiro caindo cerca de 0,7 pontos em magnitude até o final do mês. Observadores do hemisfério sul devem correr porque o período de máximo brilho será seguido do movimento do cometa em direção ao hemisfério boreal, o que dificultará sua observação.

Como Janeiro é um mês chuvoso para a parte austral do Brasil, o planejamento de uma observação desse cometa pode ser bastante prejudicado. A Lua provavelmente irá influenciar pouco a observação, já que o C/2014 Q2 tem alto brilho.

Este cometa estará visível em binóculos por várias semanas, porém as condições serão mais propícias para observadores do hemisfério norte. Um mapa para até o final de Janeiro de 2015 pode ser baixado aqui.

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