14 outubro 2019

O trânsito de mercúrio em 2019

Fig. 1 Imagem obtida pelo Observatório de Dinâmica Solar (SDO/NASA) mostrando
uma composição de perfis de Mercúrio em  9 de maio de 2016.
Ainda que 2019 não tenha trazido muitos fenômenos celestes noturnos, ele terá um espetáculo relativamente raro para mostrar no céu de dia. Trata-se da passagem de Mercúrio pelo sol que ocorrerá no dia 11 de novembro de 2019 (segunda-feira). Juntamente com os eclipses de 2019, o trânsito de Mercúrio contribuirá para que este ano seja conhecido dos grandes eventos astronômicos diurnos. 

Esse post complementa o evento semelhante que ocorreu em 2016. Ver "O Trânsito de Mercúrio em 2016".

O que é?

As órbitas do planetas, embora individualmente siguam trajetórias em um plano, não estão alinhadas entre si. O plano de referência para medida das órbitas do planetas é o plano da eclíptica, ou plano da órbita da Terra.

A orientação da órbita da Terra e de Mercúrio pode ser vista na Fig. 2. Mercúrio é o planeta mais interior, o mais próximo do sol. Gira em  torno dele com um período de aproximadamente 88 dias. A órbita de Mercúrio está inclinada em relação à ecliptica em 7 graus.  Apenas ocasionalmente é que a Terra se encontra na chamada 'linhas dos nodos' ou linha de cruzamento dos planos das órbita terrestre e de Mercúrio. Como a linha dos nodos passa pelo sol, quando isso acontece, ocorre um trânsito de Mercúrio. Nessa ocasião, Mercúrio está em conjunção inferior. O mesmo fenômeno ocorre com Vênus. Entretanto, como esse planeta está mais distante do sol, os trânsitos de Vênus são mais raros do que os de Mercúrio.

Fig. 2 Representação esquemática da orientação da órbita de Mercúrio em relação à da Terra. Observe que o plano é o da eclíptica. Como a órbita de Mercúrio está inclinada com a eclíptica em 7 graus, somente há duas posições na posição da Terra em que Mercúrio se 'alinha' com a Terra. Essas posições são conhecidas como nodos (nodes). Fonte: In-the-sky.
A taxa de ocorrência de trânsitos de Mercúrio é da ordem de 13-14 por século. Quase sempre, são fenômenos que ocorrem em maio ou novembro por causa das diferenças de posição da Terra em relação à Mercúrio e a razão entre os seus períodos orbitais. 

Importância do fenômeno para a ciência

Como a determinação dos momentos exatos de entrada e saída de Mercúrio do disco do sol é importante, ela depende da dinâmica de forças que atua sobre Mercúrio e seu movimento. Assim, o rastreamento da posição de Mercúrio ao longo de vários séculos é importante para:
  • Conhecer se existem mudanças na taxa de rotação da Terra e perturbações da Lua (uma vez que a observação é feita desde a Terra);
  • Medir de forma indireta a massa de Vênus a partir de perturbações que ela induz na órbita de Mercúrio,
  • Medir eventuais variações de longo prazo no disco solar,
  • Modelar efeitos de queda de luminosidade do sol com a passagem do planeta, como subsídio para estudos de técnicas de detecção de exoplanetas (aplicar o método para outras estrelas).
Trânsito de Mercúrio e história

Como o fenômeno é periódico, ele foi registrado na história da Astronomia a partir da invenção do telescópio. O diâmetro aparente de Mercúrio varia de 4.5" a 13", tornando-o um objeto impossível de ser observado contra o disco do sol sem o uso de telescópios. Ou seja, mesmo em épocas remotas, quando o  trânsito ocorreu com o sol baixo e escurecido no horizonte, dificilmente Mercúrio pôde ser visto. 

A Wikipedia registra alguns fatos históricos que ocorreram na data de trânsitos:
  • 3 de maio de 1661: trânsito que ocorreu na data de coroação do rei Carlos II da Inglaterra,
  • 7 de novembro de 1677: observado por E. Halley desde a Ilha de S. Helena.
Os trânsitos de Mercúrio foram em particular importantes para a Física. Ao longo de vários séculos, erros se acumularam na determinação da trajetória de Mercúrio. Esse erro se deve ao movimento de precessão da órbita, conforme ilustrado na Fig. 3. 


Fig. 3 Ilustração do movimento de precessão orbital que ocorre com
Mercúrio por causa de efeitos da Relatividade Geral.
O avanço do periélio de Mercúrio sempre foi uma anomalia na Física até que A. Einstein em 1915 proveu uma explicação com base na sua recem criada Teoria da Relatividade Geral. 

Como observar 

Esse fenômeno ocorrerá durante o dia. Para observá-lo, desde que o sol não esteja encoberto, todas as recomendações necessárias para se observar em segurança o sol deverão ser tomadas. Conforme escrevemos em 2016:
Para observação do fenômeno, em particular de várias pessoas simultaneamente, o método de projeção usando um telescópio ou binóculo (Fig. 4) é recomendado. Porém, o uso de filtros com observação em ocular pode ser mais prazeroso pela impressão causada pelo disco de Mercúrio contra a fotosfera solar, por causa do efeito de constaste. O observador deverá se certificar, entretanto, que possui o filtro correto para observação e jamais deverá improvisar qualquer tipo de filtro. Filtros solares de boa qualidade em geral são caros e devem ser periodicamente verificados quanto ao seu "prazo de validade", porque elementos externos podem deteriorar sua qualidade. É importante que o leitor atente ao fato de que a maior parte da radiação do sol é invisível, de forma que mesmo que a imagem apresente-se aparentemente opaca em uma primeira impressão, um filtro incorreto poderá deixar vazar radiação em intensidade suficiente para provocar cegueira irreparável. Assim, caso tenha dúvidas quanto ao método a ser usado, não deixe de aplicar o da projeção (Fig. 4).
O método da projeção é ilustrado abaixo.

Fig. 4 Método da projeção apra observar o sol usando um telescópio.

Quando observar: aspecto do trânsito para Brasília/DF.

O geometria da posição de Mercúrio e da face da Terra favorecerá amplamente o Brasil. Praticamente, a América do Sul será o melhor lugar da Terra para ver o trânsito. Isso está mostrado na Fig. 5, que ilustra a face da Terra como vista desde o Sol ao longo do fenômeno. Como se pode ver, o final do trânsito não poderá ser visto desde a Europa e África. 

Fig. 5 Face da Terra como vista desde o sol ao longo do trânsito.
Para a cidade de Brasília/DF, o fenômeno será visto das 9:34 as 15:03 do horário local (12:34-18:03 TU).

Uma simulação da posição de Mercúrio ao longo do disco do sol conforme visto em Brasília é visto na Fig. 6. O fenômeno poderá ser observado em qualquer cidade do Brasil.

Fig. 6. Simulação do trânsito de Mercúrio em 13/11/19 como visto desde Brasília.

O próximo trânsito de Mercúrio pelo sol ocorerrá em 13 de novembro de 2032.

Referência

https://astronomiapratica.blogspot.com/2016/04/o-transito-de-mercurio-em-2016.html
https://en.wikipedia.org/wiki/Transit_of_Mercury
https://in-the-sky.org/news.php?id=20191111_11_101

15 setembro 2019

Cometas em 2019: C/2019 Q4 (Borisov)

Imaagem do cometa Borisov como obtida pelo telescópio GTC de 10,5 m nas ilhas Canárias (Espanha). 
Cometas em geral podem ser classificados de acordo com suas órbitas. Cometas que têm órbitas fechadas são periódicos. Em uma outra classe estão cometas com  trajetórias parabólicas ou mesmo hiperbólicas. Por terem um excesso de velocidade (se comparados a outros membros do sistema solar), objetos com órbitas hiperbólicas provavelmente nunca pertenceram ao sistema solar: são objetos extra solares ou interestelares, já que sua exata origem (de qual sistema estelar tiveram origem) não pode ser determinada.

No dia 30 de setembro, uma busca em campos de imagens do Observatório Astrofísico da Crimeia por Gennady Borisov detectou a presença de um objeto que se distinguia dos asteroides pela presença de uma fraca cabeleira. À medida que novas observações foram sendo obtidas, sua órbita pôde ser calculada. Tratava-se de um objeto que se movia em uma trajetória com enorme excentricidade orbital (da ordem de 3), o que indicaria sua origem interestelar. 

O objeto, na data de sua descoberta, era extremamente débil, com mag. ~18.5, o que dificultava uma análise mais detalhada de sua características físicas.  Em 14 de setembro, entretanto, uma análise espectrográfica foi conseguida no Instituto de Astrofísica de Canárias, o que revelou ser sua estrutura espectral não muito diversa dos cometas do sistema solar. Ainda assim, análises de dinâmica orbital desse cometa mostraram que seu excesso de velocidade tornam sua origem no sistema solar bastante improvável. Portanto, com certo grau de certeza confirma-se sua origem interestelar. 

Dinâmica orbital e proximidade com a Terra

Cálculos orbitais presentes (setembro de 2019) colocam o periélio desse objeto por volta de 10 de dezembro de 2019, ocasião em que as estimativas de brilho conservadoras preveem máximo de magnitude da ordem de 15.0 (o que permitiria sua observação apenas por telescópios de grande porte ou acima de 300 mm de abertura desde que localizados em regiões longe da poluição luminosa). Sua excentricidade é da ordem 3.2, com inclinação orbital da ordem de 45 graus em relação à eclíptica. Na data, não excederá em 1.9 UA de proximidade da Terra, quando então se localizará na região Hydra-Crater. Um mapa de sua movimentação pelo céu pode ser visto na figura abaixo.

Mapa da posição do cometa C/2019 Q4 fornecido por S. Yochida (aerith.net) onde a data é indicada no formato mês/dia.
A curva de magnitude estimada pode ainda sofrer ajustes e colocar o cometa ao alcançe de telescópios menores. De forma alguma, porém, ele poderá ser observado a vista desarmada. Para astrônomos amadores mais avançados, será um desafio observar esse cometa - que se coloca como um visitante de fora do sistema solar - e, quem sabe, obter o seu espectro no período de maior proximidade com a Terra.

Se novidades surgirem com esse cometa, atualizaremos esta página.

Referências

C/2019 Q4 (Borisov): The First Interstellar Comet



18 junho 2019

Sete questões sobre o eclipse lunar de julho de 2019

Lua eclipsada parcialmente. 25 de abril 2013.
1. Em qual data e horário ocorrerá o eclipse?

O eclipse terá​ ocorrerá na noite de 16 de julho de 2019. Trata-se de um eclipse parcial. O início do eclipse será por volta das 15:43 do horário local (tempo de Brasília) e ocorrerá com a lua abaixo do horizonte. Para Brasília/DF, a lua poderá ser vista já eclipsada por volta das 18:30 do tempo local. Esse também é o instante em que o eclipse estará em seu máximo.

A lua nascerá, de fato, parcialmente eclipsada para o Brasil, sendo que a fase parcial (quando a sombra  da Terra deixa o disco lunar) ocorrerá por volta das 8:00 do tempo local. O eclipse tem seu fim (fase penumbral) às 21:17 do tempo local. 

Em Brasília, o máximo de obscurescimento ocorrerá com a lua aproximadamente a 8 graus acima do horizonte.

2. Onde poderá ser observado o eclipse?

O mapa da Figura ​1​, retirado de ​[1]​, mostra as regiões onde o eclipse poderá ser observado, o que representa, portanto, todo o território do Brasil. O fenômeno não será visto, por exemplo, nos Estados Unidos

Para a região escurecida​,​ o eclipse poderá ser observado na forma parcial. Na região cinza ele será penumbral, onde será possível ver apenas um leve escurecimento da lua.

Porém, o fenômeno não se dará em todos os lugares da mesma forma ao mesmo tempo, porque a Terra é esférica​ [2]​. A região nordeste será a primeira a observar o fenômeno. Sucessivamente, a lua surgirá para as regiões mais a oeste.


Figura 1 Regiões de visibilidade do eclipse da lua de julho de 2019. A região mais escura corresponde a onde o eclipse será visto como parcial. A região cinza ele será penumbral. 
3. Quanto tempo durará o fenômeno?

​O tempo total depende da posição ​do observador. ​No Brasil, a lua estará acima do horizonte já eclipsada e o fenômeno durará quase duas horas​ aproximadamente​. ​Durará mais para observadores a leste e menos para observadores a oeste.

4. Qual o melhor meio de se observar o eclipse?

Sem dúvida, a observação visual poderá se beneficiar de um bom binóculo (do tipo 7X50 ou 10X60), porém a vista desarmada é um dos melhores meios de se observar o fenômeno.

Como a lua estará próxima do horizonte, será uma boa oportunidade para tomadas fotográficas​ incluindo objetos no horizonte​. 

Observações com telescópio também são indicadas. Nesse caso, deve-se usar baixos aumentos para apreciar o disco lunar inteiro nas diversas fases do eclipse.

5. A lua ficará vermelha?

Não. Por ser um eclipse parcial, não haverá obscurecimento total da lua, condição para que ela fique vermelha.

6. Preciso ir a um lugar escuro para ver o fenômeno?

Não. A lua é um objeto bastante brilhante, de forma que sua observação é sempre possível mesmo com a luz intensa das cidades.

7. Quando será o próximo eclipse total da lua visível no Brasil?

​O próximo eclipse será em 10 de janeiro de 2020, mas não será visível no Brasil. O próximo eclipse da lua (penumbral), será apenas em 5 de julho de 2020.

Um eclipse total da lua (com direito à lua vermelha), somente será visto completamente no Brasil em maio de 2022.

Referência e comentário

[2] Proposta de experimento para os Terraplanistas: assim que visualizar a lua eclipsada nascendo à leste, algum terraplanista no nordeste poderá ligar para um colega seu no Acre e perguntar se ele está vendo a lua. A resposta será surpreendente.