25 junho 2018

Um eclipse e um planeta em oposição (memorável noite de 27 de julho de 2018)

"Eclipse Lunar" por Scott Kahn. 
Lua e marte em Capricórnio brindam o início de uma nova noite pintados de vermelho. Brasil é o melhor país das Américas para se apreciar o evento.

O eclipse da lua de 2018, em 27 de julho, será acompanhado bem de perto por marte, o planeta vermelho em uma grande oposição. Lua e marte estarão tingidos de vermelho formando uma bela visão. O planeta por ser essa sua cor própria, a lua por estar oculta na sombra da Terra que, com sua atmosfera repleta de partículas que absorvem o azul, pintam de vermelho sua superfície. 

O céu em direção à leste como visto desde Brasília/DF por volta das 18:00. Simulação Stellarium do início da noite de 27/7/2018.
O fenômeno todo não será visível do Brasil e nem em todo o Brasil, mas apenas na sua parte oriental. 

A lua já nascerá completamente eclipsada. No hemisfério sul é inverno e o Brasil é o melhor país nas Américas para se apreciar o evento. Quem estiver na parte oriental do Brasil (região costeira) terá as melhores condições para apreciar o evento.

Temos sorte de, já às 18:00 (21:00 UTC) ser possível apreciar a bela visão do eclipse-conjunção em sua fase final, mas sem muita influência do sol que terá se posto à oeste.

O eclipse também será bem observado em sua fase final em todo continente Europeu. Entretanto, os melhores locais serão no Oriente Médio e a parte ocidental da África.

Não há muito o que fazer a não ser apreciar a bela visão que convida a uma fotografia. 

Em questão de menos de uma hora, o eclipse terá envoluído em direção à saída da lua da umbra, (a parte mais escura da sombra da Terra) e a segunda metade do eclipse penumbral será iniciada (a primeira parte ocorreu com a lua abaixo do horizonte). 

A umbra abandonará o disco lunar por volta das 19:10. Finalmente, ela estará completamente livre da sombra da Terra por volta das 20:28 (23:28 UTC) quando o eclipse se encerra.

Animação segundo a wikipedia, mostrando a evolução do elipse em 27 de julho e a dimensão relativa da lua em relação a sombra da Terra. O horário acima é dado em "Tempo Universal". Deve-se subtrair 3 horas para obter o tempo de Brasilia.

Lua cheia apogeana: 18 anos depois do último mais longo.

O eclipse será longo uma vez que a lua se encontrará no "apogeu" (ponto mais distante da Terra de um corpo em sua órbita), porém, isso não implicará em grande vantagem para os observadores no Brasil que acompanharão o fenômeno em seu fim. O diâmetro aparente da lua (aquele medido em minutos de arco) será menor e, combinado ao fato de a lua passar próximo ao centro da sombra da Terra, isso contribuirá para aumentar a duração do eclipse.

Em termos de duração, o último eclipse mais longo foi em 16 de julho de 2000. Aproximadamente 18 anos depois (o que corresponde ao período de Saros, importante na determinação dos eclipses) um novo eclipse longo ocorre.

Caso o leitor perca este eclipse, uma nova chance haverá em 21 de janeiro de 2019. Essa próxima ocasião será inteiramente favorável a observadores do Brasil, posto que todo o fenômeno será visível das Américas, porém estaremos no verão com maior incidência de nuvens que podem ocultar a lua.

Referências

https://eclipsewise.com/lunar/LEprime/2001-2100/LE2018Jul27Tprime.html 



12 abril 2018

Sobre a chuva de meteoros Eta Aquaridas em 2018

A boa observação de chuvas de meteoros requer exigentes condições que sintetizamos abaixo:
  1. Não pode "haver lua", o que significa que, preferencialmente, o evento não deve estar entre o quarto crescente e o minguante subsequente, mas, principalmente, a proximidade da lua cheia. A presença da lua cheia é um sério empecilho à observação;
  2. Altas taxas de "precipitação". A intensidade das chuva é medida pelo seu "rate" em número de meteoros por hora. É óbvio que, quanto maior esse número, maior a chance de se observar um evento;
  3. A posição da radiante. A radiante é um ponto fictício no céu de onde os meteoros "surgem". Na verdade, é um efeito geométrico e depende do arranjo entre as órbitas dos detritos e da Terra. O problema é que, se a radiante estiver muito baixa no horizonte, as chances de observação se reduzem por um efeito muito simples de entender, algo como a diferença de expectativa de receber um pingo de chuva no para-brisa de um carro e sua traseira quando o carro se move para frente. Radiantes muito baixas (o que ocorre se sua posição for muito boreal em relação ao hemisfério sul e vice-versa) simplesmente não produziram efeito algum. A posição ideal é a da radiante "diretamente acima" da cabeça do observador;
  4.  Ausência de iluminação artificial, o que torna difícil a observação das chuvas de meteoro (ideais) nas grandes cidades. Se as condições 1-3 acima forem satisfeitas, a observação de meteoros em grandes cidades está limitada apenas aos eventos mais brilhantes, conforme inúmeros registros em vídeo têm mostrado recentemente (2).
  5. Acrescentamos ainda a necessidade de tempo limposem nuvens, pois meteoros tornam-se visíveis muito além da camada de nuvens. Essa exigência é comum para qualquer evento no céu o que, no caso do Brasil (e América Latina), implica que são escassas as chances de boas observações nos meses chuvosos. Portanto, chuvas de meteoros que coincidam com a época seca (outono, inverno) provavelmente satisfarão essa necessidade.
Dito isso, lembramos que não é necessário nenhum instrumento de observação, a menos dos olhos. Nem mesmo binóculos devem ser usados para se observar. O uso de câmeras é possível, particularmente se possuírem objetivas com grande campo.

O caso das Eta Aquáridas em 2018

A única condição acima que depende do observador é a 4, porque ele pode 'escolher' de onde observar. Portanto, devemos estar atentos para 1, 2, 3 e 5. Um caso em 2018 é o da Eta (η) Aquaridas (1), cujo máximo ocorre entre 6 e 7 de maio (sim, é possível testemunhar o evento em duas datas). Membros da Eta Aquáridas poderão ser vistos desde 20 de abril e sua atividade persistirá até 12 de maio, mas o máximo se dará entre as datas indicadas. A época parece ser propícia para o hemisfério sul, pois é o início da estação seca, o que está de acordo com a condição 5.

Com relação à condição 2, as taxas previstas para o hemisfério sul giram em torno de 40 a 60 meteoros por hora, o que significa aproximadamente um ou mais evento a cada dois minuto. Essa é uma taxa razoavelmente "alta" se comparada a maioria das chuvas ao longo do ano (Quadrântidas, Delta Ariêtidas, Delta Câncridas, Coma Berenícidas, Corono-Austrálidas, Delta Dracônidas... esses são alguns dos nomes pitorescos). Já temporais celestes são eventos raríssimos, só acontecem sob condições excepcionais (como foi o caso das Leônidas em 1833, com taxas da ordem de 1 milhão por hora, um texto sobre isso pode ser encontrado aqui).

Fig. 1 Aspecto da orientação da constelação de Aquário de madrugada em maio. A posição da radiante é indicada pela estrela com pontas em η -Aquaridas. Olhe na direção leste algumas horas antes do nascer do sol.
Com relação à condição 3, para latitudes em torno de -23 graus sul, a Fig. 1 mostra o aspecto da constelação de Aquário em maio por volta das 5:00, conforme previsto pelo software Stellarium. A posição da radiante (altura em relação ao horizonte) é de aproximadamente 65 graus, o que é bastante satisfatório. Talvez essa seja a radiante mais bem localizada para o hemisfério sul. De fato, na data, a radiante estará acima do horizonte após as 00:00, mas o ideal é esperar sua ascensão em relação ao horizonte oriental, de forma a aumentar a probabilidade de observação, pouco antes do alvorecer.

Falta apenas a condição 1, que é decisiva. Consultando o calendário lunar (3), encontramos que será lua nova em 15 de maio. Em 2018, o evento terá alguma interferência da lua. O dia 6 de maio a chuva terá como testemunhos a Lua e Marte em conjunção.

Atenção: As chances são maiores de se observar um meteoro se a visão for concentrada em uma região distante 60 ou 90 graus da radiante. Ou seja, os meteoros não serão observados diretamente sobre o ponto da radiante. Ao observar um traço, preste atenção a sua persistência, você está vendo um resto do cometa de Halley!

Os detritos que geram os eventos na Eta Aquáridas se originam de um dos cruzamentos da órbita da Terra com a do cometa Halley. O outro cruzamento é responsável pelas "Oriônidas", por volta de 20 de outubro. Existem especulações (4) de que a órbita de Júpiter é responsável por variações na intensidade de Eta Aquáridas, mas ninguém é capaz de prever se este ano haverá aumento em relação a anos anteriores.

Referências

1) Já descrevemos aqui uma ocorrência anterior dessa chuva.
2) Ver: http://live.exoss.org/ (acesso em março de 2018).
3) Ver, por exemplo, http://www.calendar-12.com/moon_phases/2018 (acesso em abril de 2018).
4) Hajduk, A. (1970). Structure of the meteor stream associated with comet Halley. Bulletin of the Astronomical Institutes of Czechoslovakia, 21, 37.

03 abril 2018

A constelação de Órion (segundo gregos e egípcios)

Uma representação de Órion como visto no hemisfério sul, pelo sotware Stellarium.
Alguns dizem que a constelaçao de Canis Major é de Órion, porque esse era caçador e o cão foi colocado junto a ele no céu. (Pseudo-Hyginus, Astronomica 2. 35, [1])


Órion na mitologia grega

Segundo a mitologia grega, Órion (Ωριων), não se sabe se filho de Ireus ou do deus Poseidon com Euriale, natural da Beócia, era um caçador gigante muito bonito conhecido dos habitantes daquela região como Caldaon. Tendo peregrinado até a ilha de Quios, infestada de animais perigosos, sob influência da ninfa Hélice apaixonou-se por Mérope, filha do rei Enopion. Depois de caçar e matar todas as bestas de Quios, trouxe os espolios da caça aos pés da princesa como presente. Entretanto, o rei não queria o casamento.

Depois de várias tentativas de aproximação da princesa, Órion conseguiu entrar no quarto de Mérope. Enopion pediu ajuda ao deus Dionísio que fez com que Órion caisse, sob influência dos sátiros, em profundo sono. Nesse estado, Órion foi cegado por Enopion. Um óraculo disse a Órion que ele poderia se curar caso seguisse em direção a leste, retirasse seus olhos e os expusse aos raios de deus Hélios, ou o sol nascente. Seguindo o barulho dos martelos dos Cíclopes, Órion partiu para Lemos onde Hefesto fez com que Cedálion (semi-deus inventor da fundição) se tornasse guia de Órion. Quando bem depois o caçador recuperou a visão, retornou a Quios para se vingar. Entretanto, avisado por amigos, Enopion fugiu. Órion partiu então para a ilha de Creta para viver como caçador junto à Ártemis. 

Com relação à morte de Órion, existem várias versões.  Em uma delas, Órion, acreditando-se muito poderoso, prometeu limpar a terra de todos os animais selvagens. Gaia (a terra) enviou um terrível escorpião que o matou. Por isso Órion e o Escorpião estão no céu. O deus Asclépio tentou ressucitar Órion, mas foi impedido por um relâmpago lançado por Zeus. 

O nome de Órion parece derivar do nome grego para "montanha" - oros. Diz-se também que as Corônidas Mênipe e Metioque eram duas ninfas filhas de Órion. Quando a Beócia foi atingida por uma grande seca, essas duas ninfas se oferecem em sacrifício aos deuses. A deusa Perséfone teve piedade das duas e as transformou em um par de cometas. O nome "Koronis", do grego "que tem forma curvada", é uma lembrança da forma dos cometas. [1]

Alguns textos antigos de astronomia, segundo [1], justificam a posição de várias constelações no entorno de Órion:
A lebre (a constelação de Lepus) é representada como fugindo do cão do caçador Órion, pois quando querem representar Órion como um caçador, fazem-no participar de uma caça e assim colocam a lebre aos seus pés... Outros não concordam com isso, pois um caçador tão grande e nobre como Órion  - fala-se dele em sua luta com Escorpião - não deveria ser representado como caçando lebres. Calímaco (poeta grego do 3o século a. C) também é considerado culpado, pois quando Órion caiu nas graças de Diana (Ártemis), afirma que esta adorava carne de lebres e as caçava. Então, representaram Órion caçando o Touro. (Pseudo-Hyginus, Astronomica 2. 33, [1], II Século d.C.)
Os antigos egípcios e a constelação de Órion

A imagem de um homem parece sempre se associar ao agrupamento de estrelas de Órion em várias culturas. É assim, por exemplo, que um "homem-velho" é visto pelos Tupis-Guaranis da América do Sul a partir de um vasto aglomerado de estrelas em que Órion e as Híades estão incluidos [2]. Já escrevemos algo sobre a mitologia de Órion em nosso post sobre as "Três Marias". Por isso, aqui dedicamos descrever Órion do ponto de vista de outra civilização antiga: os antigos egípcios.
Mapa celeste moderno com a região da constelação de Órion.

De acordo com Orofino [3], ainda que várias interpretações alternativas existam sobre a importância que os Egípcios davam a Órion:
Pensa-se comumente que os antigos Egípcios associavam a constelação de Órion (Sah) - em particular a região do cinturão de Órion, a Osíris, um dos mais importantes deuses do panteão Egípcio, enquanto que Sírius (Sopdet ou Sothis) representava a deusa Íris, irmã e esposa de Osíris. 
Cena do zodíaco de Denderah mostrando
Sah (Órion) e Sopdit (Sírius) como um vaca.
Sah era considerado o "pai dos deuses", e o cinturão, a coroa sobre sua cabeça. O reaparecimento de Sírios depois de 70 dias era de grande significado para os antigos Egípicos, pois marcava o início das inundações do rio Nilo.

Além disso:
De qualquer forma, parece certo que os Egípcios acreditavam em um pós-vida celeste para a qual as almas dos mortos transmigravam depois da morte. De acordo com os Textos das Pirâmides, tal reino celeste era localizado na região do céu ao redor do cinturão de Órion. Nesse sentido, as pirâmides foram provavelmente construídas para ajudar o Faraó em sua jornada até a próxima vida. [3]
Eis a chamada "conexão Gizé-Órion", uma teoria não aceita academicamente, criada por Robert Bauval [4] em 1989, segundo a qual a posição das três estrelas do cinturão [5] estão em escala com o centro das três grandes pirâmides da necrópole de Gizé, Khufu (Quéops), Kafre (Quéfren) e Menkaure (Miquerinos), mesmo considerando o movimento aparente das estrelas do cinturão desde a época da construção das pirâmides. O erro de posição depois de algum trabalho de alinhamento não é maior que 3' de arco, dentro do esperado da acuidade da vista desarmada. Bauval criou uma controvérsia, pois afirma além disso que o posicionamento correto das estrelas do cinturão com as pirâmides demonstra que a data de construção dessas últimas remonta a 11 mil a. C e não ao período academicamente aceito. Orofino e Bernardini também estabelecem uma correlação entre as alturas das pirâmides o brilho das estrelas do cinturão.

Mapa de Orofino e Bernardini [3] mostrando a correspondência entre a posição das Pirâmides da necrópole de Guizé e as três estrelas do cinturão de Órion [5] (Mintaka, Alnilam e Alnitak). 
Imagem do complexo de pirâmides de Guizé.
Seriam elas uma gigantesca representação do cinturão de Órion? (fonte: Wikipedia)
Tais constatações de arqueoastronomia são suficientes para despertar o interesse e curiosidade nossa, ainda que todos esses fatos sejam descartados como  meras coincidências pelos acadêmicos, na falta de mais textos antigos de validação. Mas, sem outras formas de conhecer o passado, essa correlação provavelmente nunca deixará o campo especulativo.

Deixamos ao leitor apreciar e discutir em maiores detalhes essas informações sobre essa brilhante constelação que é Órion. Não deixe de compartilhar sua opinião, escrevendo abaixo seu comentário.

Referências

[2] G. Afonso. (2006) Mitos e Estações no Céu Tupi-Guarani. Scientific American Brasil. Edição Especial sobre Etnoastronomia. Acesso em outubro de 2016.
[3] Orofino, V., & Bernardini, P. (2016). Archaeoastronomical Study of the Main Pyramids of Giza, Egypt: Possible Correlations with the Stars? Archaeological Discovery, 4, 1-10.
[4] Bauval, R. G. (1989). A Master Plan for the Three Pyramids of Giza based on the Configuration of the Three Stars of the Belt of Orion. Discussions in Egyptology, 13, 7-19.
[5] As Três Marias. Blog "Astronomiapratica": https://astronomiapratica.blogspot.com.br/2016/10/as-tres-marias.html