27 março 2016

Texto sobre a história da descoberta da chuva Eta Aquáridas

Uma foto do cometa de Halley em 1910. Esse cometa é o responsável pela geração do chuveiro de Eta Aquáridas.
Traduzimos abaixo um texto excelente de http://meteorshowersonline.com/eta_aquarids.html (acesso em março de 2016) sobre a história da chuva de meteroros Eta Aquáridas, que se mostra como uma das melhores a serem observadas no hemisfério sul. Este texto contem detalhes históricos importantes que justificam a contagem de meteoros da Eta Aquáridas, conforme apresentaremos em um futuro post.

Suspeitas de que uma chuva estaria provavelmente ativa no final de abril e começo de maio começaram a aparecer em 1863, quando H. A. Newton examinou as datas de antigos chuveiros e sugeriu uma série de períodos que mereciam melhor atenção de observadores. Um desses períodos foi 28-30 de abril e incluiu a observação de chuveiros em 401 d.C., 839 d.C., 401 d.C.., 827 d.C. e 934 d.C. e 1009 d.C. 

As Eta Aquáridas foram oficialmente descobertas em 1870 pelo coronel G. L. Tupman (enquanto velejava pelo mar Mediterrâneo). Ele observou 15 meteoros em 30 de abril e 13 nas noites de 2 e 3 de maio daquele ano. Mais tarde, W. F. Denning examinou registros da Associação de Meteoros Italiana e identificou 45 meteoros entre 29 de abril e 5 de maio de 1870. Finalmente, a primeira confirmação do chuveiro veio no dia 29 de abril de 1871, quando Tupman consegui observar 8 meteoros.

Observações das Eta Aquáridas eram raras, mas, em 1876, A. S. Herschel descobriu algo que geraria interesse nesse chuveiro. Ele conduziu  uma busca matemática para encontrar cometas que fossem aptos a produzir as maiores chuvas. Encontrou que o cometa de Halley esteve mais próximo da Terra a 4 de maio, quando a radiante estava em Aquário. Herschel imediatamente notou que as radiantes observadas por Tupman em 1870 e 1871 estavam muito perto dessas previsões.

As Eta Aquáridas permaneceram pouco observadas por causa da ausência de observadores ativos no hemisfério sul. Somente suspeitas ocasionais de atividade da chuva foram reportadas já que observadores setentrionais entravam no crepúsculo pouco depois que a radiante se elevava acima do horizonte oriental. Não obstante isso, H. Corder detectou alguma atividade na manhã de 4 de maio de 1878 com 3 ocorrências de meteoros, revelando a radiante próxima à estrela Eta do Aquário. Nesse ano, Herschel examinou todas as observações disponíveis e notou que a radiante desse chuveiro parecia se mover para leste a cada dia.

W. F. Denning finalmente conseguiu observar essa chuva de 30 de abril a 6 die maio de 1886. Um total de 11 meteoros foi registrado, revelando a radiante próxima à estrela Eta do Aquário. Dessas observações, ele afirmou que a radiante tinha de 5 a 7 graus de diâmetro. Além disso, acrescentou que a aparente proximidade dessa radiante com aquela prevista por Herschel identificava "de forma inequívoca" sua associação com o cometa de Halley.

Felizmente, vários bons observadores de meteoros apareceram no hemisfério sul durante a década de 1920 e o conhecimento de chuveiros importantes para o hemisfério sul cresceu dramaticamente. Um dos observadores mais prolíficos foi R. A. McIntosh (de Auckland, na Nova Zelândia) que publicou um dos relatórios mais significativos sobre as Eta Aquáridas em 1929. McIntosh indicou que suas observações nesse ano entre 22 de abril e 13 de maio mostravam uma "boa noção da dispersão provocada pela ação dos planetas ao longo dos séculos, desde quando a influência do cometa pai se mostrou presente". Ele estabeleceu que o máximo estava localizado definitivamente no começo de maio, embora o tempo ruim tivesse prejudicado a determinação exata da data. Taxas horárias entre 10 e 20 foram observadas no período entre 2 a 11 de maio. O diâmetro da radiante ficou consistentemente em 5 graus, e os cálculos orbitais de McIntosh mostraram bom acordo com a órbita do cometa de Halley.

A partir de 1947, as Eta Aquáridas juntaram-se ao grupo dos primeiros chuveiros a serem detectados por técnica de eco de rádio. Entre 1 a 10 de maio, o radiotelescópio de Jodrell Bank indicou uma taxa horária de 12. Pouco foi acrescentado pelo Jodrell Bank no restante da década de 1940 e 1950. De fato, esse chuveiro foi ignorado, já que o radiotelescópio raramente era operado no começo de maio. Felizmente, observadores usando um equipamento de radar do Observatório de Meteoros de Springhill (Ottawa, Canadá) e, mais tarde, o Observatório Ondrejov (na então Tchecoslováquia) foram capazes de gerar algumas das séries de dados mais extensivas sobre esse chuveiro.

Os dados de Springhill cobrem o período de 1 a 10 de maio e um fato importante foi revelado por A. Hajduk (Instituto Astronômico da Academia de Ciências da Eslováquia, Bratislava) sobre a complexidade da taxa de atividade horária desse chuveiro. Usando médias compiladas do período de 1958 a 1967, notou-se o aparecimento de dois máximos aparentes: um em 4 de maio e outro no dia 7. Esse resultado representava alguns dos dados de eco, mas outro estudo complementar de ecos de longa duração (aproximadamente 1 segundo), revelaram os dois mesmos máximos, exceto que o declínio entre as duas datas não era tão pronunciado no último dado. Também presentes estava um último aumento, que veio apenas no dia 10 de maio. 

Astrônomos amadores fizeram observações significativas dessa chuva de meteoros durante os últimos 30 anos. Com base em observações amadoras de organizações dos Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Austrália e Nova Zelândia, sabe-se que há uma diferença dramática nas taxas de atividade desse chuveiro entre os hemisférios norte e sul. Enquanto que taxas horárias chegam a 20 por hora nos Estados Unidos, Europa e Japão, a frequência sobe para 30 a 40 por hora conforme relatado por observadores na Austrália e Nova Zelândia. A razão é simples: a constelação de Aquário está mais alta no céu para o observadores abaixo do equador. Tais organizações também revelaram que cerca de 1/3 dos membros da Eta Aquáridas produzem rastros persistentes, que são os traços de luminosidades deixado pelos meteoros nos últimos segundos.

Durante a aparição do cometa de Halley em 1985, várias organizações de observação de meteoros ao redor do mundo colocaram membros em alerta para um possível aumento da atividade da Era Aquáridas (e também Oriônidas).  Registros de grupos na Austrália, Nova Zelândia, Bolívia, Norte América e Japão indicaram que não houve aumento de atividade na data. 

01 março 2016

A oposição de Júpiter e trânsitos das luas galileanas

Fig. 1 Reprodução do Stellarium mostrando o trânsito "duplo" de Io e Ganimedes em 23 de março de 2016 por volta das 21:20 (tempo de Brasília). Io projeta uma sombra.
Março é o mês da oposição "joviana" ou de Júpiter. Ela acontece "oficialmente" no dias 8 de março de 2016 aproximadamente às 10:00 TU (tempo universal). No período de oposição, esse planeta pode ser visto ao entardecer durante toda a noite e madrugada.

Na verdade, fevereiro, março e abril são meses ideais para observação de Júpiter, o que pode ser ainda mais facilitado pelo uso de um telescópio amador. Conforme o diâmetro da objetiva do instrumento usado para observação, progressivamente mais detalhes podem ser vistos no disco do planeta. Essas características estão sempre mudando, de forma que o  observador irá constatar ser a face de Júpiter muito movimentada se comparada a relativa imutabilidade de outros fenômenos celestes ou de outros planetas.

Idealmente, diâmetros acima de 200 mm devem ser usados para observar detalhes mais finos da atmosfera, mas, em geral, aberturas menores são possíveis, principalmente na observação de trânsitos. Conforme descreve Jean Nicolini (1):
Se um telescópio de 200 mm for empregado e à condição de que o observador tenha adquirido boa experiência, não raro torna-se possível acompanhar as particularidades da evolução, transformações, modificação das zonas claras, das nodosidades existentes nas faixas sombria, dos "penachos" equatoriais ou mesmo de algumas particularidades permanentes existentes nas diversas regiões que dividem o planeta.
Nicolini lembra que, na oposição, é possível observar uma rotação completa do planeta, ao se iniciar observações à noite ao longo de aproximadamente dez horas. Isso pode tanto ser feito visualmente como por meio de fotografias, como a tirada pelo autor deste blog na imagem da Fig. 2.

Fig. 2 Foto de Júpiter tirada pelo autor deste blog em 30/4/2006 por meio de um telescópio
refletor Maksutov-Cassegrain de 5 polegadas.
Trânsito de satélites galileanos

Com a proximidade do planeta, outros eventos dinâmicos podem também ser observados na "corte" de satélites que fazem parte do sistema de Júpiter. Este ano, em particular, o par de satélites Io e Europa cruzarão simultaneamente o disco em várias datas. Para facilitar observadores dentro da zona -3 GMT, abaixo fornecemos as datas para alguns desses trânsitos.
  • 08/3- Trânsito duplo Io-Europa que ocorre de 00:28 a 01:56 TU
  • 15/3- Trânsito duplo Io-Europa que ocorre de 2:21 a 4:34 TU.
  • 23/3- Trânsito duplo de Io-Ganimedes que ocorre de 23:47 a 0:58 TU (em 24/3).
  • 01/4 - Trânsito duplo Io-Europa que ocorre de 20:16 a 21:19 TU.
  • 08/4 - Trânsito duplo Io-Europa que ocorre de 22:54 a 23:14 TU.
Todos esses eventos ocorrem no dia anterior marcado para a zona -3GMT se a data de início for depois das 00:00 TU, ou seja, ocorrem durante a noite (do dia anterior). Assim, por exemplo, o evento de 23/3 começa às 20:47 (Tempo de Brasília) nessa data e termina às 9:58 em 23/3. Para outros lugares do mundo, basta somar ou subtrair do valor TU  conforme o meridiano.

Na Fig. 1 ilustramos uma imagem desse evento. A movimentação dos satélites é rápida e confirma o emoção que é observar Júpiter.

Referências e notas

(1) J. Nicolini (2004). Manual do Astrônomo Amador. Papirus Editora, 4a Edição.

19 fevereiro 2016

Software planetário C2A


Fig. 1 Janela do aplicativo C2A.
Há uma grande quantidade de softwares planetários disponíveis para se calcular ou exibir seus próprios mapas celestes. O mais famoso deles, não só pelo realismo das imagens simuladas, mas pela facilidade de controle e operação é o Stellarium (1). Aqui comentamos outro exemplo, o Software C2A, que pode ser acessado em sua página em inglês em (2). A página oficial do sistema é http://www.astrosurf.com/c2a/ e o copyright do software é assinado por Philippe Deverchère.

Longo na página de rosto desse software podemos ler:
O C2A (de "Computer Aided Astronomy") é um software planetário que permite construir visões detalhadas de campos estelares. Está disponível apenas para a versão Microsoft Windows (todas as versões). Um importante objetivo desse software é levar em consideração os principais catálogos disponíveis para astrônomos profissionais e amadores, a fim de preparar observações sobre pequenos campos, assim como em trabalhos astrométricos e fotométricos. C2A também é uma aplicação de propósito geral fácil de usar e com muitas funções.
De fato, um ponto positivo desse sistema é a grande quantidade de mapas que ele "suporta": SAO Catalogue, Hipparcos Catalogue, Guide Star Catalogue, Tycho-2 Catalogue são alguns, além da série USNO. Mais informação sobre os catálogos disponíveis pode ser lida em (3). 

A instalação do software não apresenta problemas. Uma janela como mostrada na Fig. 1 é exibida ao se abrir o aplicativo. A primeira coisa que percebi - pelo menos não conseguir alterar a configuração que faz isso - é que os nomes das constelações foram traduzidos para o inglês! "Virgo" torna-se "Maiden", "Libra", "Scales"...  Isso é algo estranho já que os nomes latinos são usados por convenção internacional e essa parece ter sido uma prática desnecessária introduzida por seu desenvolvedor. 

Acostumado ao sistema de arrastamento do céu do Stellarium, o uso de um campo fixo cuja posição deve ser modificada clicando-se em botões é estranha, mas de acordo com a prática também encontrada em outros softwares mais antigos (como é o caso do "Carte du Ciel", 4). Não é possível "arrastar" para girar o campo de fundo, isso deve ser feito clicando-se nos botões de coordenadas geográficas "N", "S", "E" e "W" na parte superior da janela. O Stellarium introduziu uma usabilidade em que o céu é um objeto a ser manipulado, nas versões antigas de planetários, a Terra ainda é fixa e o céu deve ser girado a partir de um ponto de vista fixo no usuário.

Muitos botões

Alias, a multiplicidade de botões e janelas auxiliares é espantosa nesse aplicativo, o que contribuir para uma pontuação negativa com relação a sua "facilidade de uso". Praticamente qualquer coisa que se pretenda fazer tem um botão de controle, o que é bom de um lado, pois significa "controlabilidade", mas dificulta a operação rápida do aplicativo de outro. De forma geral, o C2A cumpre seu papel de ser um recurso para construção de mapas de campos restritos, como o mostrado na Fig. 2, que apresenta um filtro de magnitude da ordem de 17.5 (mas as estrelas exibidas parecem ter magnitude numérica muito menor, talvez por um erro interno de filtragem). 

Fig. 2 Campo montado pelo C2A com o catálogo SAO. A cruz representa o planeta Vênus (que é verde nessa representação) em sua posição no dia 13/12/2015. Os diversos objetos NGC são mostrados em vermelho com as designações em verde. 

Os planetas são representados de forma simbólica no mapa, mas de maneira "realística" com o uso de zoom. A Fig. 3 traz uma imagem de Saturno e alguns de seus satélites como representado no C2A. Ao se comparar com a imagem real de Saturno, é fácil ver que a abertura dos anéis não é representada corretamente no C2A, pelo menos na data em que essa avaliação foi feita (dezembro de 2015). Aparentemente, a posição dos satélites está correta.

Fig. 3 Representação realística de saturno 
no C2A para a data 13/12/2015. Não 
obstante o realismo, a posição dos 
anéis de Saturno (abertura) está errada.

Não foi a mim possível avaliar o funcionamento próprio de funções de controle de telescópio automático, que podem ser acessadas no menu "Telescope". Há subrotinas específicas como "Go to Telescope Position", "Connect to Telescope", "Continuous Target Tracking" que exigem hardware específico. Uma função para interface com o hardware do telescópio pode ser estabelecida por meio de "Telescope Options".

Gerador de Efemérides

O softweare C2A possui diversos aplicativos embutidos que permitem criar gráficos interessantes. Um deles é o gerador de efemérides. Por exemplo, depois de atualizar a lista de objetos do sistema solar, encontramos a referência do banco interno do C2A para o C/2013 US10 (Fig. 4). Ajustamos a data inicial e final conforme mostrado para essa figura e pedimos as posições em tempo local a cada 5 dias, na posição do ponto vernal para o ano 2000. As coordenadas Topocêntricas - o que inclui a magnitude do objeto - podem ser vistas na Fig. 3.  Seria interessante que, ao se clicar sobre uma data específica, a janela principal do C2A montasse o mapa celeste correspondente à posição, mas isso não acontece. Aparentemente, as posições calculadas coincidem como aquelas determinadas pelo Stellarium.

Fig. 4 Efemérides locais geradas para o cometa C/2013 US10 (Catalina) desde Dez-2015 a Feb-2016. 
Outras ferramentas (que não funcionam) no software C2A

Horários de crepúsculos, nascer e ocaso do Sol.

O Menu "Tools" tem diversas ferramentas que não são fáceis de se encontrar em outros softwares. Por exemplo, "Sun set and sun rise" para a data 13/12/2015 resulta no gráfico da Fig. 5, que traz informações sobre os crepúsculos astronômico, náutico e civil, além de nascer e ocaso do sol. Entretanto, não há correspondência entre esses tempos e a localidade que foi ajustada em "Location" na janela de "Options". Essas aplicações, entretanto, não funcionam corretamente.

Fig. 5 Tempos de crepúsculo astronômico, náutico, civil, nascer e ocaso do sol no C2A. Aparentemente essa função não fornece os tempos corretos para a localidade ajustada.
Calendário lunar

Uma tabela com as fases da lua (Fig. 6) é fornecida em "Moon phases" do menu "Tools".
Fig. 6. Tabela das fases da lua para o mês de novembro de 2015 de acordo com o C2A.
Visibilidade dos planetas

A visibilidade dos planetas é exibida em um diagrama horário como mostrado na Fig. 7. Essa visibilidade não parece ser ajustada à localidade do usuário, mas a do criador do C2A talvez.

Fig. 7 Visibilidade dos planetas para 13/12/2015 não ajustada para a localidade do usuário.
Há também "Planetary Positions" e "Visibility", que exibem gráficos específicos de posições dos planetas e visibilidade em janelas que são muito pequenas e que não podem ser ajustadas em tamanho.

Conclusões

No menu "Images" o C2A parece abrir uma suite de softwares de processamento de imagem e não entendemos porque esse tipo de função estaria dentro de um software de carta celeste. Talvez seu criador tenha interesse em disponibilizar uma suite de programas dedicados, o que faria jus ao conceito de "computer aided astronomy", em detrimento da especificidade (quer dizer, no nosso entendimento, é melhor ter um aplicativo dedicado a um tarefa do que vários que fazem mal feito um grupo de funções). Não testamos o funcionamento dessas funções de análise de imagem por termos desanimado diante das falhas encontradas no software.

De forma geral, para a criação de cartas celestes, o C2A parece se ajustar bem (5), já que dá acesso a um conjunto grande de banco de dados de posições de estrelas e é gratuito. Então, o C2A pode ser usado como uma interface gráfica para esses bancos que constantemente têm seu conteúdo aumentado com mais programas de observação do céu. Para as outras funções, usuários do C2A deverão aguardar a finalização do projeto. 

Referências

(1) http://www.stellarium.org/pt/
(2) http://www.astrosurf.com/c2a/english/index.htm
(3) http://www.astrosurf.com/c2a/english/information.htm
(4) http://www.stargazing.net/astropc/oldversion/index.html
(5) O C2A está inscrito na softpedia: http://www.softpedia.com/get/Others/Home-Education/C2A.shtml