02 fevereiro 2016

Polo Astronômico de Amparo

Fig.1 Imagem do interior do planetário, uma das facilidades do polo astronômico de Amparo.
Amadores de Campinas e região aguardaram com ansiedade a abertura do Polo Astronômico de Amparo (PAA, com endereço em http://www.poloastronomicoamparo.com.br/, 1). É importante destacar essa iniciativa de abertura de um espaço que seja dedicado à observação do céu, já que não é todo dia que se vê isso. O interesse do público pela astronomia tem crescido bastante e essa é uma das razões porque divulgamos aqui o PAA.


Um projeto desse tipo tem, porém, vários públicos. Assim, outra razão é que, em outro sentido, a simples possibilidade de se ter uma área de uso para observação do céu, que seja livre da poluição luminosa severa, agrada a muitos aficionados da astronomia com conhecimento mais avançado ou que tenham interesse em tirar fotografias do céu. Fizemos uma pequena entrevista com Carlos Mariano, responsável pela criação do espaço do PAA que segue abaixo sobre essa possibilidade. 

1) Como surgiu o projeto do polo astronômico?
O Polo Astronômico é um sonho antigo. Há pelo menos 25 anos eu sonhava com um espaço completo e adequado para o ensino e a difusão da Astronomia. Esse sonho virou realidade, graças ao sucesso da empresa Sphaera Planetaria (3), que foi inaugurada por mim em 2001. Especializada na fabricação de planetários fixos e itinerantes, essa empresa viabilizou economicamente a construção do Polo, que foi iniciada em maio de 2013. Em setembro de 2015, inauguramos a primeira etapa, como o Planetário (Fig. 1), a Estação Beta do Observatório, a Lanchonete e demais espaços.
2) Por que Amparo?
Amparo foi escolhida devido às seguintes condições: existência de locais adequados para a construção de observatórios com morros de até 1200 m de altitude e com pouca poluição luminosa; cidade com grande potencial turístico e que faz parte do Circuito das Águas Paulista; a Prefeitura Municipal prestigiou o projeto; localização estratégica e com fácil acesso para visitantes vindos de regiões importantes dos estado, como Grande São Paulo, Região Metropolitana de Campinas; região com índices de qualidade de vida muito bons.
3) Quais são os planos de longo prazo (caso seja possível divulgação) do polo?
A longo prazo, pretendemos tornar o PAA um berço para projetos inovadores nas áreas do ensino e da difusão. Nosso objetivo é tornar o Polo uma referência no ensino de Astronomia.
4) O polo apoiará atividades voltadas para astrônomos amadores?
Os astrônomos amadores são muito bem vindos. Pretendemos oferecer no futuro diversas atividades para esse público, como cursos específicos e mais especializados e também encontros de Astronomia. Isso inclusive já vem acontecendo. Em novembro de 2015 oferecemos o curso Vida no Universo, e em dezembro de 2015 realizamos o I Encontro de Telescópios Vintage, que teve a participação de vários colecionadores e admiradores de telescópios antigos. Também faz parte dos planos do Polo, a criação de grupos para a realização de pesquisas em várias áreas da Astronomia, como ocultações, asteroides, cometas, variáveis, Sol etc. Amadores interessados poderão participar desses programas observacionais que serão realizados no Polo e coordenados por astrônomos mais ligados à pesquisa astronômica.
Além de um planetário, o PAA conta com um observatório próprio. A lista de instrumentos pode ser lida em (4), com destaque para futura instalação de um telescópio de 655 mm de abertura, o que, segundo o site, fará do PAA o espaço a abrigar o telescópio de maior abertura destinado à visitação pública.



Localização e mapa de poluição luminosa

Segundo o site do PAA, sua localização é na "Estrada do Sertãozinho, sem número, Bairro do Sertãozinho, Amparo-SP, Brasil", com coordenadas Lat.  -22.775173,  Lon -46.723628.

As direções dadas são "saída para o Bairro do Sertãozinho, na altura do  Km 29 da SP-095, Rodovia Benevenuto Moretto".

Por meio da página https://www.google.com.br/maps/, o par ( -22.775173,  -46.723628) fornece a imagem da Fig. 2 . Nessa imagem, pode-se ver a estrada SP-095, bem como outras que lhe dão acesso. 

Fig. 2 Zoom de um mapa google para as coordenadas (-22.775173,-46.723628), indicando a posição do PAA.
Por meio do site da Ref. 5 é possível ver um mapa georreferenciado de poluição luminosa (para 2015) na região do entorno do PAA (Fig. 3). As regiões em vermelho e amarelo são de maior poluição luminosa (>3E-9W/cm2*str). Como esse mapa mostra, de fato, o PAA está numa região de fluxo baixo (entre 0.4 a 1E-9 W/cm2*str) porém não de céu absolutamente escuro, como é de se esperar por causa da  relativa proximidade (<200 km) com Campinas.  Sua localização certamente é muito melhor do que a do observatório de Capricórnio (6, Fig. 4), que já conta com público expressivo, mas que parece se dedicar exclusivamente ao público leigo. Entre um e outro, com certeza o PAA oferece melhores condições de observação.

Fig. 3 Mapa do entorno do PAA (marcado na figura) superposto à distribuição de fluxo de iluminação artificial média (regiões em vermelho e amarelo são de predomínio de poluição luminosa, a área em vermelho acima é a cidade de Amparo). Esse mapa confirma a localização privilegiada do PAA.
Fig. 4 Mapa com a posição do Observatório do Capricórnio (6). Em termos de iluminação artificial, a região do Capricórnio tem três vezes mais luz do que a do PAA. Além disso, a presença da região metropolitana de Campinas prejudica ainda mais a posição desse sítio, criando um "sky glow" prejudicial à observação próximo ao horizonte.
Assim, o PAA tem qualificativos para ser um ​grande ​centro​,​ que reúna públicos com diversos graus de maturidade e interesse em astronomia, o que é importante para ​prover a disseminação de uma cultura de interesse, que não fique apenas sob a tutela de alguns poucos​,​ mas que cresça e se alimente da democracia dos "muitos saberes" que apenas o coletivo poderá propiciar.

Referências e notas

1 - Acesso em janeiro de 2016.
3 - http://www.sphaeraplanetaria.com.br/ (acesso em janeiro de 2016)
5 - Ferramenta online: http://www.lightpollutionmap.info/ (Acesso em janeiro de 2016)
6 - Ver http://observatorio.campinas.sp.gov.br/


10 janeiro 2016

Cometas em 2016: C/2013 X1 (Panstarrs)

Cometa PanSTARRS (C/2013 X1) como visto desde Bologna, Itália,
em 12 de Dezembro de 2015. Imagem por Adriano Valvasori.
A observação do cometa Catalina (C/2013 US10) na parte sudeste da América do Sul foi bastante prejudicada pelo período de chuvas de final de ano (em 2015). Isso mostra que observação favorável de cometas nessa parte do planeta Terra deve também contemplar o período ideal de observação, que coincide com os meses secos do ano. Tal é o caso do cometa C/2013 X1 que poderá ser visto em meados de 2016.

Segundo S. Osada (1) esse cometa foi descoberto em Dezembro de 2013 pelo programa Pan-STARRS (2) usando um telescópio no Havaí. Na ocasião o objeto foi fotografado com uma coma minúscula com magnitude 20.0. Pelos elementos orbitais desse cometa (ver 1) sabemos que a excentricidade de sua órbita é aproximadamente unitária, ou seja parabólica. Portanto, seu periélio - que ocorrerá no dia 2 de Abril de 2016 - fará do evento algo único.

Provavelmente, esse cometa poderá ser visto sem o uso de instrumentos, nos meses não chuvosos da América do Sul e o que é melhor, em condições de posição que favorecem o hemisfério sul.

Onde e quando encontrar o C/2013 X1.

A trajetória aparente, em um período de oito meses, desde 15 de Janeiro de 2016, pode ser vista nas Figs. 1 e 2 abaixo. O movimento do cometa é bastante rápido depois de junho de 2016, que corresponde ao período de máxima aproximação da Terra. Escrevendo desde janeiro de 2016, esse objeto pode ser localizado na constelação de Pegasus, com magnitude ~9.0 (Fig. 1). 

Fig. 1 Mapa da posição de C/2013 X1 desde janeiro a junho de 2016.
Fig. 2  Mapa da posição de C/2013 X1 desde junho a agosto de 2016.

Existem várias possibilidades de curva de brilho previstas para o período de melhor aproximação que corresponde ao final de junho de 2016. Em particular, algumas preveem magnitude abaixo de 6.0 para esse período (de novo, conforme gráfico de curva de luz predita em 1) com uma configuração bastante favorável, pois o brilho será maior por conta da proximidade com a Terra (em torno de 0.65 UA ou ~ 100 milhões de quilômetros).  

A observação poderá ser algo prejudicada alguns dias antes e depois da lua cheia, que ocorrerá em 20 de junho. Porém, acreditamos que o período que antecede o 15 de junho (o quarto crescente é em 12 de junho), poderá ser particularmente favorável. Por exemplo, no dia 10 ele está próximo da estrela Eta Piscis Austrinis como mostra a fig 4 que traz um mapa por volta das 4:30 da manhã como visto desde Campinas/SP (Latitude -22 graus sul). Oportunidades para belas poses fotográficas não faltarão. Por exemplo, no dia 4 de junho de 2016 o cometa passa próximo da nebulosa da Hélice (NGC 7293).

De novo, alguns dias antes do dia 20 de junho até aproximadamente 25 de junho, poderá a lua prejudicar a observação a vista desarmada, embora, pelo fato de seu brilho estar abaixo de 6.0, será sempre possível usar um binóculo. Na fig 3 mostramos um mapa de simulação Stellarium para a posição desse cometa no dia 15 de junho de 2016, próximo à constelação de Microscopium. Nesse dia, o cometa poderá ser visto em boa posição durante toda a madrugada (do dia 15). O C/2013 X1 será praticamente um objeto circumpolar, facilitando sua observação no hemisfério sul. 

Fig. 3 Posição do cometa C/2013 X1 no dia 15 de junho de 2016, por volta das 2:00 como visto desde Campinas/Brasil. O ângulo de elevação desse objeto em relação ao horizonte na data é de 60 graus, favorecendo sua observação.
Fig. 4 Posição do cometa C/2013 X1 no dia 10 de junho de 2016, por volta das 4:30 como visto desde Campinas/Brasil.
Em suma, a observação do cometa C/2013 X1 será mais favorável nas duas primeiras semanas de junho de 2016.

Depois disso, seu brilho diminui de forma marcante, podendo ser observado com binóculos ou telescópios até o começo de agosto (mag. ~9.0). Por meio de telescópios, o cometa poderá ser fotografado até meados de novembro de 2016, porém seu brilho reduz drasticamente depois disso. Ainda assim, ele continuará em posição favorável para observadores do hemisfério sul.

Além do Stellarium, efemérides desse objeto poderão ser criadas por meio do recurso disponível na referência (3).

Referências


04 janeiro 2016

Ocultações como método de medida celeste.

Registro de uma ocultação de Saturno pela Lua em 2 de março de 2007 por Dave Smith (fonte: http://astrosnaps.co.uk/). O tempo de ocultação do disco do objeto pode ser usado para se determinar o diâmetro aparente e "real" conhecendo-se sua distância.  
Ocultações lunares sempre foram ocasiões importantes de medida em astronomia. Isso porque a velocidade da lua no céu é conhecida e, a partir dessa velocidade, é possível usar a lua como uma espécie de "paquímetro cósmico" e medir tamanhos de objetos ocultados. O objetivo esse post é mostrar de forma aproximada como isso pode ser feito. Para isso usamos de geometria, uma disciplina muito antiga, irmã da matemática. 

Qual é a ordem de grandeza desse "paquímetro cósmico"? O tempo de revolução lunar (período de revolução da lua) em torno da Terra deve descontar o movimento do par "Terra-Lua" em torno do próprio sol. Portanto, para se ter um valor mais correto para a velocidade angular da lua, devemos determinar essa velocidade em relação ao fundo do céu e usar o chamado "mês lunar sideral", que é de aproximadamente 27.322 dias e não o mês sinódico (1). Uma vez que uma dada posição no terminador lunar varre 360 graus, então a velocidade angular aparente média da lua (vL, ver Fig. 1) em torno da Terra é

vL=360*60*60/(27.322*24*60*60)=360/(27.322*24)=0.549"/s (segundos de arco por segundo)

que é igual a 0.549 graus por hora ou minutos de arco por minuto. Portanto, em um minuto (=60 s), a lua cobre aproximadamente 32.94 segundos de arco no céu.  Isso significa que, se tivermos como medir com precisão o tempo, podemos usar o período da ocultação, que chamamos aqui Δt (início da imersão no limbo até desaparecimento completo), como uma medida de extensão. Com o conhecimento da distância do objeto, é possível saber seu tamanho. Do contrário, conhecendo sua dimensão, pelo tempo de ocultação determinamos sua distância. 

Por exemplo: Sabemos que o diâmetro equatorial de Júpiter (Dia_jupiter) é da ordem de 139 820 km. Ele foi ocultado pela lua, e o tempo Δt de desaparecimento do disco de Júpiter foi de 1 minuto e 7 segundos ou ~67 segundos. Qual a distância de Júpiter da Terra?

No cálculo da resposta, desprezamos o movimento de translação da Terra, o movimento próprio de Júpiter durante seu desaparecimento, assim como diferenças de posição geométrica (parte do terminador lunar onde ocorreu a ocultação) e admitimos que ela se deu ao longo do "equador" lunar. Uma regra de três simples, permite obter sua distância D,

(Dia_jupiter)/D= (67s/60s)*32.94"=36,783"=1.78328E-4 rad.

O resultado final deve ser escrito em radianos para se obter uma relação direta com a proporção de distâncias (Fig. 1). Invertendo-se a equação encontramos D = 139820km/1.78328E-4=7.84E8 km ou aproximadamente 784 milhões de quilômetros. Veja o papel importante da velocidade vL na equação acima. Ela é a constante que resulta no diâmetro aparente de Júpiter (36.78") para se obter a razão das distâncias em radianos.  Esse diâmetro também poderia ser obtido por um micrômetro filar mas, mais recentemente,  o registro de imagens tornou a astronometria uma ciência mais precisa.
Geometria do fenômeno da 
ocultação lunar.

Aplicação às estrelas.

Sem dúvida, o método da ocultação lunar permite determinar diâmetros ou distâncias. O mais natural é que sirva, no sistema solar, para se inferir o diâmetro de objetos já que suas distâncias são calculadas a partir da dinâmica de movimento (3a lei de Kepler). Mas, poderiam as ocultações serem usadas para se medir estrelas?

Para saber isso, basta calcular o tempo de ocultação de uma estrela, digamos, a 10 anos-luz de distância da Terra (que está praticamente na vizinhança do Sol) admitindo novamente que se trata de uma ocultação no "equador lunar" (ou seja, não é "rasante"). Esse tempo de ocultação deve ser comparado ao período de amostragem do medidor - no caso, representamos como o tempo de tomada de cada pose, ou tempo de exposição da uma câmera. Esse cálculo é importante porque vai mostrar que não basta ter um método, é preciso haver resolução suficiente para sua medida.

Imaginemos uma estrela com o diâmetro igual ao do Sol, ou dia_sol = 1 394 000 km. Agora, 1 ano-luz é igual a 9.461E12 km. Portanto, o diâmetro aparente da estrela será de

dia_sol/D = 1394000km/9.461E13km = 1.4734E-8 rad. 

Ora, o ângulo resultante da razão entre as distâncias corresponde a um diâmetro aparente de 5.3E-5". Para saber o tempo de ocultação do disco da estrela, dividimos pela velocidade aparente da lua:

Δt=5.3E-5"/0.549"/s ~ 1.E-4 s

que é aproximadamente igual a 1/10000 segundos! (um valor mais preciso é 9.66E-5 s). Para se determinar o tempo de ocultação com razoável precisão, uma câmera com resolução temporal dez vezes maior é recomendada. Portanto, para se medir tal diâmetro de estrela, uma câmera com 100 mil quadros por segundo seria necessária. Existem câmeras especialmente desenhadas e construídas - para fins de pesquisa - com essa "frame rate" ou até mais (2), porém, nenhuma câmera comercial está disponível com tal característica. 

Portanto, nenhum amador, munido das melhores câmeras existentes, conseguirá presentemente medir o diâmetro de uma estrela próxima com base no método da ocultação. Ainda que a estrela estivesse 10 vezes mais próxima (a 1 ano-luz, por exemplo) ou fosse 10 x maior que o Sol, ainda assim seria impossível resolver seu diâmetro por esse método.  E a situação é ainda pior para a imensa maioria das estrelas que estão a centenas de milhares de anos-luz de distância da Terra...

Referências