20 janeiro 2015

Imagens de estrelas em telescópios

Fig. 1 Imagem simulada de uma estrela em um telescópio refrator, o chamado "disco de Airy". Não é possível ver nenhum detalhe da estrela, mas apenas um disco com vários anéis em volta. Por que isso acontece?
Telescópios são na verdade filtros de luz. O objetivo principal em termos de funcionalidade de um sistema telescópico é aumentar a quantidade de luz (e não o tamanho da imagem) proveniente de um objeto. Como tudo na Natureza, isso tem um custo. Esse custo vem em forma de uma limitação na capacidade de distinguir objetos localizados muito próximos, ou seja, separar a imagem de duas “fontes ideais” localizadas arbitrariamente próximas uma da outra.

O que acontece quando a luz proveniente de um objeto distante (em particular uma estrela) atinge o telescópio ? As frentes de onda que contêm informação sobre a estrela são distorcidas pelo sistema óptico. No caso dos telescópios refletores, as frentes de onda são obrigadas a convergir para um ponto, o ponto focal.
Fig. 2 A imagem de uma estrela é formada pela reflexão e “difração” das frentes de onda na superfície de um espelho refletor (no caso de telescópios refletores).
Acontece que o espelho tem uma dimensão finita. Nas bordas do espelho acontece um fenômeno que revela a natureza ondulatória da luz: as frentes de onda originais são “difratadas” (Fig. 2). Essa difração não permite que a imagem final reproduza com todos os detalhes a imagem original da estrela. Por causa disso, não é possível, por exemplo, ver detalhes na superfície da estrela. É possível ver que, se as frentes de onda originais forem distorcidas – como no caso dentro da atmosfera terrestre – a imagem é severamente piorada. Quaisquer outros meios ópticos que se interponham entre o espelho e a estrela distante causam distorção na imagem formada no ponto focal do espelho. Com telescópios de lentes – no caso dos refratores – também ocorre difração da luz nos cantos da lente.

Para descrever com precisão o processo de passagem da frente de onda pelo espelho do telescópio, precisamos de ter em mãos uma teoria que trate esse sistema. Em óptica é possível separar dois aspectos do fenômeno: um ligado a descrição da trajetória dos raios de luz desde a estrela, reflexão no espelho e convergência ao ponto focal; e outro ligado aos efeitos de difração. Isso colocado, as considerações aqui feitas se aplicam a qualquer sistema óptico com “abertura” circular e com diversos tipos de arranjos de obstrução. Para calcular a imagem por eles formada, é suficiente descrever a parte ondulatória (difrativa) da formação de imagem. As imagens reproduzidas de estrelas correspondem ao que se pode ver por sistemas bem colimados próximos ao "eixo óptico" do sistema. 
Fig. 3 Suporte de espelho secundário em "aranha" de um telescópio refletor Newtoniano (do autor). A projeção da sombra do suporte modifica a imagem de uma estrela, o que é conhecido como "padrão de difração" (característico do formato do suporte.
Telescópios de espelho fazem uso, em geral, de suportes especiais para os espelhos secundários ou apresentam furações na superfície do espelho principal. Como é a imagem de uma estrela formada por diferentes tipos de arranjo de suporte? Neste post vamos descrever isso através de simulações numéricas. Isso porque é possível calcular a imagem de uma estrela, usando a teoria da óptica física. 

Em primeiro lugar, vemos na Fig. 1 uma imagem produzida por um sistema do tipo "refrator", sem obstáculos ou perfurações. Para se observar uma imagem como essa é necessário que a atmosfera esteja límpida, com baixos gradientes de temperatura – como no caso da condição atmosfera após uma forte chuva. A Fig. 1 mostra o chamado disco de “Airy”, que em óptica física é a própria “função de ponto espalhado” (point spread function) do instrumento. Com essa função é possível – também por meio de computadores – simular a imagem de qualquer objeto extenso (como no caso de planetas). Ela é caracterizada por um disco central, circulado por uma série de “anéis”, conhecidos como “anéis de difração”.

Mas, essa imagem não aparece em outros tipos de instrumentos. Por exemplo, suponhamos um telescópio Newtoniano com suporte de secundário "simples", como mostrado na Fig. 4(a). Essa é a imagem que alguém vê ao olhar através do suporte da ocular de um telescópio Newtoniano com a ocular removida. Nesse caso, a imagem formada de uma estrela será de um ponto ladeado por dois "riscos" que, se ampliados, revelam a formação de uma figura de difração com vários anéis e "espículas" de difração. Isso está mostrado na Fig. 4(c).

Fig. 4 Perfil de sombra projetada no espelho secundário de um telescópio Newtoniano (a). Imagem de uma estrela (b). Imagem ampliada de contraste aumentado do padrão de difração (c).
Se o suporte form em "aranha", ou seja, um conjunto de três hastes distantes 120 graus que tem o secundário no centro (Fig. 5(a)), o perfil será como mostra a Fig.5(b). Essa imagem é a da clássica estrela de seis pontas. Observe que como cada haste produz duas espículas separadas por 180 graus, três hastes produzirão seis espículas separadas por 60 graus cada uma. Pode-se apreciar com mais detalhes as espículas de difração ampliadas como vistas pelo sistema da Fig. 5(a) na Fig. 6(a). Essa é uma imagem com intensidade aumentada de uma estrela como vista por um telescópio refletor do tipo Newtoniano contendo um suporte em aranha.
Fig. 5 (a) Perfil de suporte secundário em aranha. (b) Imagem estelar formada.
Fig. 6 (a) Imagem bastante ampliada e com contraste das espículas de difração aumentada de uma estrela como vista por um telescópio com suporte de secundário "em aranha". (b) Perfil de intensidade da estrela (gráfico 3D ou topográfico do perfil correspondente a (a)).
Efeito da difração: estrelas duplas.

Nas imagens simuladas acima, não levamos em consideração o efeito da turbulência atmosférica. Isso é bastante característico, porém, basta tentar observar uma estrela por um telescópio em uma noite qualquer; dificilmente a atmosfera estará calma o suficiente para resultar nas imagens como mostradas anteriormente. Em noites límpidas, haverá instantes de estabilidade em que se poderá contemplar imagens muito semelhantes às aqui apresentadas.

O maior efeito  da difração ocorre na observação de estrelas duplas. Em geral, estrelas duplas ou binárias são estrelas que parecem muito próximas, tão próximas que não é possível separar cada elemento a vista desarmada. Usando telescópios de determinadas dimensões e grandes aumentos isso é possível, dependendo da distância "aparente" entre cada estrela e da diferença de brilho entre elas. A Fig. 7 mostra uma simulação de uma "dupla cerrada" ou binária próxima ao chamado "limite de Dawes". Esse limite estabelece a distância angular aparente a partir da qual duas estrelas começam a ser separadas. Cada figura mostra versões de imagem em diferentes tipos de telescópio, como explica a legenda. O que acontece se a companheira for menos brilhante que a outra? Isso está mostrado na Fig. 8. Nessa simulação, uma estrela duas magnitudes abaixo de sua companheira principal (que tem maior brilho) é mostrada através de dois telescópios diferentes conforme explica a figura.

Fig. 7. Simulação de uma estrela binária com componentes de mesmo brilho próximas no chamado "limite de Dawes". Esse limite corresponde ao "poder de resolução" do equipamento. Em (a) vemos um par desse tipo como visto por um telescópio refrator. Em (b) vemos o mesmo  par através de um telescópio refletor com suporte em "aranha" (Fig. 3).
Fig. 8 Mesmo caso que Fig. 8, porém a estrela secundária está duas magnitudes abaixo da primária. (a) Imagem por um refrator. (b) Imagem por um refletor com suporte em "aranha".
Devemos deixar claro que os perfis reproduzidos só são realmente observados em instrumentos muito bem colimados (com óptica boa) e em condições de observação excepcionais. Isso muitas vezes é difícil de se conseguir na prática. As imagens simuladas mostram o perfil de intensidade para uma componente de frequência da luz apenas. Entretanto, variações no comprimento de onda da luz provocam uma mudança muito pequena na posição dos principais máximos e mínimos de difração, de forma que as simulações são uma excelente aproximação para o que se pode ver.

Nesse post apresentamos uma sequência de simulações numéricas de imagens de estrelas em telescópios de diferentes tipos para condições de atmosfera com turbulência nula. A abertura do telescópio funciona como um grande filtro de Fourier sendo que a imagem de um objeto pontual (como no caso de uma estrela) é a própria transformada da abertura (a conhecida função de Airy). A formação da imagem de objetos extensos pode ser pensada como a interferência de multiplas fontes que formam o objeto (nas quais ele pode ser dividido). Essa fonte fundamental é conhecida em inglês
com “point spread function” e é fundamental na análise e processamento de imagens astronômicas. As simulação aqui apresentadas foram feitas usando uma planilha .mcd do software MathCAD (versão 2000)

Referências



03 janeiro 2015

Cometas em 2015: C/2014 Q2 (Lovejoy)

Cometa Lovejoy (C/2014 Q2) em foto de Alexandra Albani (desde Banglore, Índia)
O ano de 2015 começa com um novo visitante visível à vista desarmada e durante a tarde. Trata-se do cometa C/2014 Q2, chamado "Lovejoy", descoberto em Agosto de 2014 por Terry Lovejoy. É um cometa de logo período (estima-se como 11 mil anos) e que está em boas condições de observação.

Atualização: Foto tirada em 17/1/2014  desde Campinas/SP. Nikon D40. ISO 1600, 30 segundos. Um rastro de satélite também foi capturado atravessando as Híades. (clique na foto para ampliar).

Um mapa para encontrar esse cometa nas primeiras semanas de Janeiro de 2015 pode ser visto abaixo. Pela sua posição no céu, é possível inferir que o C/2014 Q2 pode ser visto ao entardecer facilmente, estando próximo à constelação de Órion. 

Mapa: cortesia de cometchasing.skyhound.com
O objeto apresenta magnitude 4,9 no começo de Janeiro caindo cerca de 0,7 pontos em magnitude até o final do mês. Observadores do hemisfério sul devem correr porque o período de máximo brilho será seguido do movimento do cometa em direção ao hemisfério boreal, o que dificultará sua observação.

Como Janeiro é um mês chuvoso para a parte austral do Brasil, o planejamento de uma observação desse cometa pode ser bastante prejudicado. A Lua provavelmente irá influenciar pouco a observação, já que o C/2014 Q2 tem alto brilho.

Este cometa estará visível em binóculos por várias semanas, porém as condições serão mais propícias para observadores do hemisfério norte. Um mapa para até o final de Janeiro de 2015 pode ser baixado aqui.

Referência

19 dezembro 2014

Alguns eventos astronômicos em 2015

Sem dúvida, o grande acontecimento do ano a ser noticiado pela mídia será a visita que a sonda New Horizons fará ao último planeta do Sistema Solar, Plutão. O evento está marcado para 14 de Julho.
Quais serão os principais eventos no céu em 2015? Abaixo temos uma lista de eventos já previstos, muitos deles a serem comentados e detalhados ao longo de vários posts em 2015 antes de acontecerem. No que segue abaixo, faltam informações sobre os cometas de 2015 que serão postadas oportunamente em um artigo dedicado.

O grande destaque do ano é para o eclipse total da Lua em 28 de Setembro que será plenamente visível no Brasil e a visita da sonda New Horizons a Plutão a 14 de Julho.

Janeiro

A 14 de Janeiro ocorre a máxima elongação oriental do planeta Mercúrio facilitando sua observação com a chegada da noite.

Fevereiro

Exploração espacial: em algum momento de Fevereiro, a sonda Dawn irá se encontrar como o asteroide Ceres. Ceres não é bem uma "pedra" solta no espaço, mas um verdadeiro mini planeta (ele tem 950 km de diâmetro). Ela passará vários meses estudando esse corpo celeste e enviando imagens à Terra.

No dia 6 de Fevereiro ocorre a oposição do planeta Júpiter. É a ocasião perfeita para observação desse planeta.

Anoitecer do dia 20 de Fevereiro com uma conjunção entre Vênus e Marte. 
A Lua irá prestigiar o evento, aproximando-se da dupla.
Haverá uma conjunção entre Vênus e Marte no dia 20-22 de Fevereiro com a fina lua crescente nas proximidades. A imagem acima é uma previsão da disposição desses corpos celestes para o dia 20/2 as 20:00 (Hora de Brasília) como visto desde Campinas/SP.

Março

Teremos um eclipse total do sol no dia 20 de Março. Infelizmente, esse eclipse projetará a sombra numa posição muito setentrional da Terra, de forma que não será visível no Brasil.

Declinações dos planetas conforme consta no Astronomical Almanac for the Year 2015 (ISSN 0737-6421). Por meio desse gráfico, é possível ver que Saturno terá uma boa visibilidade no hemisfério sul (declinação -20 graus), enquanto que Júpiter será mais bem visto no hemisfério norte. (Imagem disponível via Google).

Abril

A Lua cheia de 4 de Abril será marcada por um eclipse total da lua que será desfavorável ao hemisfério ocidental. No Brasil ele será visto com a lua se pondo à Oeste.

A chuva de meteoros Líridas terá seu máximo em 22 e 23 de Abril. Associados ao cometa C/1861 G1 Thatcher, essa chuva apresentará uma frequência de aproximadamente 20 meteoros por hora. Como a lua nova ocorre no dia 18, é provável que a data seja favorável a sua observação, desde que feita de lugares escuros.

Maio

A chuva de meteoros Eta Aquáridas ocorre em 5-6 de Maio. Essa chuva é conhecida por frequências de até 60 meteoros por hora e por ser associada ao famoso cometa Halley, Ela também é apreciável no hemisfério sul. Infelizmente em 2015 a lua cheia será um problema, impossibilitando a observação de meteoros mais débeis. 

No dia 23 de Maio ocorre oposição de Saturno, marcando o período ideal (alguns meses antes e depois dessa data) para observação desse planeta.

Junho

A 6 de Junho ocorre a máxima elongação oriental do planeta Vênus facilitando sua observação ao anoitecer.

Julho

Exploração espacial: No dia 14 de Julho ocorrerá a grande aproximação da sonda New Horizons do planeta Plutão. Se tudo der certo será uma data memorável na história da Astronomia já que Plutão é um dos planetas que ainda não foi explorado por nenhum engenho humano.

Entre 28 e 29 de Julho ocorre o pico da chuva de meteoros Delta Aquáridas. Associados a restos dos cometas Marsden e Kracht, essa chuva apresenta uma taxa de 20 meteoros por hora. Novamente a proximidade da lua cheia (que acontece no dia 31) irá prejudicar a observação dessa chuva.

Agosto

Entre 12 e 13 de Agosto ocorre o pico da chuva de meteoros Perseidas. Associados a restos do cometa Swif-Tutle, essa chuva apresenta uma taxa de 60 meteoros por hora. Este ano o fino crescente lunar (a lua nova ocorre em 14 de Agosto) não atrapalhará sua observação, recomendando-se ainda assim um lugar escuro para sua melhor apreciação.

Setembro

O dia 1 de Setembro marcará a oposição do planeta Netuno. Por estar muito distante, os dias em torno dessa data são os mais favoráveis para sua observação, o que requer o uso de um telescópio.

No dia 13 de Setembro ocorrerá a lua nova e um eclipse parcial do sol que não poderá ser visto no Brasil (as melhores regiões de observação são sul da África e Antártica).

No dia 28 de Setembro ocorrerá aquele que será provavelmente o maior evento astronômico do ano. Um eclipse total da lua será plenamente visível no hemisfério Ocidental, em particular no Brasil e na Europa Ocidental (Portugal).

Outubro

A 11 de Outubro, ocorrerá a oposição do planeta Urano. As noites em torno dessa data marcam os melhores momentos para apreciar este planeta por meio de um telescópio.

Entre 21-22 de Outubro ocorre a chuva de meteoros Orionidas, associadas ao cometa Halley. Com um pico de 20 meteoros por hora, há chance de observação de alguns meteoros, considerando que a lua estará em quarto crescente (lua nova em 13 de Outubro).

Conjunção entre Vênus e Júpiter na madrugada do dia 26 de Outubro.
Um pouco antes do Halloween, mais precisamente a 26 de Outubro, haverá uma conjunção entre Júpiter e Vênus. Na verdade, a conjunção é tripla, com Marte nas cercanias. A imagem acima é da madrugada do dia 26 por volta das 6:00 da manhã como visto desde Campinas/SP.

Ainda no dia 28 de Outubro, Marte se aproximará ainda mais de Vênus e Júpiter em uma conjunção tripla, visível pouco antes do nascer do sol. 

Novembro

A madrugada de 17-18 de Novembro marcará a presença da chuva de meteoros Leônidas. Associada ao cometa Tempel-Tuttle, este ano haverá pouca influência da lua, que estará no período de nova em 11 de Novembro.  As Leônidas já se apresentaram como tempestades, mas, em 2015, a taxa média esperada é de 15 meteoros por hora.

Dezembro

O dia 7 de dezembro marca a presença de uma interessante conjunção da Lua e Vênus. O momento de maior aproximação se dará por volta das 17:00 da tarde do dia 7, quando a lua estará abaixo do horizonte para o Brasil. Com alguma paciência na busca da lua, essa conjunção poderá ser vista por volta das 15:00 (em pleno dia), procurando-se por Vênus. Recomenda-se o uso de um binóculo de baixo aumento (e grande campo).

Na madrugada 13-14 ocorrerá a famosa chuva de meteoros Gemínidas. Ela é considerada a "rainha" das chuvas, com picos que beiram os 120 meteoros por hora associados à passagem de restos asteroide 3200 Feton. Este ano a lua não atrapalhará o evento, mas maiores informações são necessárias sobre as condições de observação dessa chuva para o hemisfério sul. Aguardem!

O dia 25 de Dezembro (Natal) é marcado por uma lua cheia.

Mais detalhes sobre eventos astronômicos em 2015 serão postados ao longo do ano neste blog. Aguardem.

Referências