20 fevereiro 2014

Ocultações de Saturno pela Lua (em 2014)

Fig. 1 Ocultação de saturno pela Lua em 3/11/2001. Imagem por Étienne Bonduelle, Cambrai, França. Meade 8-polegadas e câmera Philips ToUcam Pro.
Uma ocultação é o fenômeno de passagem de um astro 'em frente' a outro, ou  seja, durante uma ocultação, um objeto celeste fica no meio do caminho da linha de visada do observador. 

Ocultações podem ser provocadas por diversos corpos celestes tais como planetas, asteroides e, principalmente, a Lua. Por ter um diâmetro aparente grande, a Lua frequentemente intercepta diversas estrelas em seu caminho. No passado, a temporização de ocultações de estrelas pela Lua foi importante para se estabelecer correções nos chamados 'elementos orbitais' desse satélite e, assim, determinar, com precisão, a influência de perturbações no movimento da Lua, que é bastante irregular.

Hoje, as ocultações principalmente de asteroides pela Lua e de asteroides de estrelas são importantes para se determinar - a partir da curva de brilho - o diâmetro de asteroides.  Ocultações de planetas pela Lua tem uma razão mais contemplativa, já que pouco pode ser acrescentado ao nosso conhecimento sobre planetas na era das explorações espaciais.

Em 2014 ocorrerão duas ocultações do planeta saturno pela Lua (Fig. 1) que serão visíveis em boa parte do Brasil e na sua parte mais ao sul. Ressaltamos que nas áreas em que tais ocultações não acontecem, o fenômeno será apreciado como uma conjunção.

Ocultação de 21 de Março de 2014 (1).
Fig. 2 Simulação da fase e posição de saturno
no egresso  da ocultação em 20/3/2014.
(via Stellarium)

Essa ocultação inicia-se no dia 20/3/2014 por volta das 22:30 com a Lua aproximadamente a 17 graus acima do horizonte. O fenômeno será relativamente rápido, com egresso previsto por volta das 23:15 com a Lua a 28 graus de elevação. Portanto, a duração total será de aproximadamente 45 minutos.

O mapa da Fig. 3 ilustra a posição geográfica da 'sombra da Lua' para esse evento.

Fig. 3 Mapa da localização geográfica da 'sombra' da Lua para saturno em 21/3/2014. O fenômeno será visto em boa parte do Brasil. Fonte: IOTA (ref. 2)

Ocultação de 17 de Abril de 2014.

Essa será uma ocultação apenas para a região sul do Brasil, conforme pode-se ver pela distribuição geográfica da sombra na Fig. 4. Em Porto Alegre/RS, por exemplo, a ocultação se inicia por volta das 5:00 do dia 17/4 e termina por volta das 5:54 com quase uma hora de evento.

Nas regiões em que ela se mostrar como uma conjunção, ela também mostrará saturno sucessivamente mais distante da Lua, à medida que o observador se posicionar mais ao norte.

Fig. 4 Mapa da localização geográfica da 'sombra' da Lua para saturno em 17/4/2014. O fenômeno será visto em boa parte do Brasil. Fonte: IOTA (ref. 2)

Em Campinas/SP, por outro lado, por 'pouco' a ocultação não será visível. Ao invés disso, o que se verá será uma 'conjunção' entre saturno e a Lua, conforme ilustra a simulação via Stellarium da Fig. 5. A conjunção será bem 'cerrada' com a distância de saturno ao limbo lunar de aproximadamente 1' na sua maior aproximação.

Fig. 5 Simulação da posição de Saturno e da Lua em 17/4/2013 para a região de Campinas/SP por volta das 5:36.  O fenômeno é uma conjunção.

O que se pode ver?

É possível cronometrar o instante de ocultação não só de saturno e seus anéis, mas também de diversos satélites, contanto que se tenha um instrumento razoavelmente potente (mais de 10 cm de abertura).

Com grandes aumentos (desde que justificados com aberturas suficientes), é possível contemplar o 'por de Saturno' na Lua ou o seu 'nascimento' (durante o egresso), o que, se registrado de forma fotográfica, pode resultar em um interessante imagem para a posteridade.

A observação à vista desarmada também é interessante, uma vez que cada observador relatará de forma diferente o evento, o que depende do grau de acuidade visual de cada observador.

A observação com binóculos também é recomendada.

Notas e referências

1 - Observe que a data oficial da ocultação (referenciada por meio de tempo universal é 21 de março, mas ocorrerá no Brasil no dia 20/3).
2 - IOTA, The International Occultation Timing Association, http://www.lunar-occultations.com/iota/iotandx.htm

10 janeiro 2014

Alguns eventos astronômicos em 2014

Quais são os grandes eventos celestes para 2014? Apresentamos aqui um resumo dos principais eventos, outros serão comentados ao longo do ano em vários posts.

Oposição de planetas: destaque para Marte.

 Um planeta 'superior' (isto é, externo à órbita da Terra) está em oposição quando se encontra alinhado com a reta que liga o sol à Terra. Em 2014, espera-se a oposição dos principais planetas visíveis: Júpiter para o começo do ano (dia 5 de Janeiro), Marte (em 8 de abril) e Saturno (em 10 de Maio).

Júpiter chega a atingir o diâmetro aparente de 47", Marte, 15", e Saturno 19". A oposição de Saturno ocorrerá na constelação de Libra e terá anéis inclinados em 22 graus em relação à linha aparente que nos une a ele.

De particular interesse para amadores será a oposição de Marte, uma vez que esse planeta apenas a cada dois anos, aproximadamente, pode ser observado em condições favoráveis. O diâmetro que ele atingirá (que se deve à combinação de geometria entre as distâncias da Terra e Marte) é apenas pouco mais da metade da oposição mais favorável (que chega a quase 26"). Marte está se tornando um objeto gradativamente mais favorável para observação. Por exemplo, na próxima oposição favorável (a 22 de Maio de 2016, Marte atingirá 18,4").  A 27 de Julho de 2018, será 24,1".
Fig. 1 Imagem de Marte em 2005.

A observação de Marte é particularmente difícil, detalhes requerem que a noite esteja límpida e a atmosfera bem serena. Entretanto, o registro fotográfico - principalmente se feito com técnicas modernas de redução de ruído (como as que usam o processo de empilhamento de imagens) sempre conseguirá revelar mais detalhes do que a observação com o olho.

A Fig. 2 traz um aspecto do céu em 8 de Abril de 2014, a data da oposição de Marte. Brilhando então com mag. -1,5 ele terá como companheiros no céu a estrela Spica (da Virgem) e os asteróides Vesta e Ceres, brilhando respectivamente a 5,5 e 4,2.

Fig. 2 Mapa do Stellarium da posição de Marte no céu próximo da estrela Spica na noite de 8 de abril de 2014 (oposição). Junto com Marte, também será possível ver os asteroides Vesta e Ceres.
Urano, embora não seja planeta dos mais brilhantes, atinge oposição em 7 de Outubro de 2014, quando se apresenta com um disquinho de aproximadamente 4" de diâmetro e brilhando com mag. ~6,0.

Eclipses

Abril de 2014 também traz um eclipse da lua, que será o primeiro completamente visível (em todo hemisfério obscurecido da Terra na data) deste Dezembro de 2011. Ocorrerá na madrugada do dia 15 de Abril de 2014. A imersão da sombra terrestre na lua, para moradores do fuso -3h (correspondente ao horário de Brasília) ocorrerá a partir da 3:00, com a lua aproximadamente a 45 graus de elevação em relação ao horizonte. Às 04:00 ela já estará completamente eclipsada, e terá, como companheiros no céu, Spica (α Vir) e Marte, já em direção ao horizonte oeste. A sombra começará a sair da superfície da lua a partir de 05:26. É importante notar que o final do eclipse não será visível no Brasil.


Fig. 3 Lua quase completamente eclipsada a 15/4/2014, 04:00 tempo de Brasília, tendo Spica (α Vir) como companheira a aproximadamente 2 graus de distância.  O conjunto por si forma uma espécie de conjunção.
O mais interessante da ocorrência desse eclipse é o escurecimento do céu, que permitirá ver a olho nu estrelas que são bastante ofuscadas com a presença da lua cheia. Também brilhante será a presença de Marte, com mag. -1,4, já passada a  data de oposição.

O eclipse lunar será seguido de um eclipse anular do sol a 29 de Abril de 2014 que não será visível no Brasil.

Outro eclipse lunar ocorrerá a 8 de Outubro de 2014, que será principalmente visto no meio do oceano Pacífico e, portanto, desfavorável ao Brasil.

Conjunções

Uma conjunção é o fenômeno de localização aparente próxima entre dois astros 'não fixos' (planetas, sol, lua). Sem valor científico algum, as conjunções têm importância histórica (porque permitem conhecer com precisão a data de ocorrências passadas desde que tenham sido registradas historicamente) e de valor contemplativo.

Conjunção Lua-Marte: A noite de 7 de Junho de 2014 mostrará a lua (em fase crescente) próxima à Marte.

Conjunção Júpiter-Vênus. No alvorecer do dia 18 de Agosto de 2014, bem próximo ao horizonte leste, será possível ver Júpiter e Vênus, no que será a 'conjunção do ano' distantes apenas 12' um do outro. O horário mais favorável para observação será as 6:00 da manhã (horário de Brasília), mas, com o fenômeno, será interessante seguir os dois astros também durante o dia.

Fig. 4 Conjunção Vênus-Júpiter a 18 de Agosto de 2014 (aproximadamente 5 graus acima do horizonte leste).
Cometas em 2014.

Existirá algum cometa visível em 2014? Depois do 'fiasco' com o cometa Ison, fica sempre a pergunta sobre os próximos cometas.

Logo no começo do ano, há ainda chance de se observar o cometa C/2013 R1 (Lovejoy), de manhã, mas com brilho bastante reduzido em relação aquele de 2013. A data ideal para observá-lo será a partir do começo de Fevereiro de 2014, quando já terá se afastado o suficiente do Sol para ser visto antes da alvorada.

As duas outras 'promessas' de cometas em 2014 são cometas de fraco brilho, pelo menos para a vista desarmada:

  • C/2012 K1 (Panstarrs) que será visível com mag. 10 ou mais brilhante a partir de Abril de 2014 e que poderá atingir mag. 6 em meados de Outubro de 2014;
  • C/2013 A1 (Siding Spring) que atingirá mag. 8 no final de Setembro e começo de Outubro de 2014 e que irá passar muito próximo de Marte no dia 19 de Outubro. Já falamos sobre esse cometa no post: "Cometas em 2014: C/2013 A1 (colisão com marte?)" Dados recentes mostram que ele não irá se chocar com Marte.
Ainda que o Panstarrs seja mais brilhante, o espetáculo ficará com a 'conjunção' (nesse caso, não aparente) entre Marte e o cometa Siding Spring, que ocorrerá no dia 19 de Outubro de 2014. Um cometa com mag. 8, muito próximo de um planeta vermelho com mag. 1,0, será visível? O contraste de brilho é grande o suficiente para dificultar a visualização de ambos os corpos celestes ao mesmo tempo, mesmo com instrumentos, principalmente nas regiões com poluição luminosa. Como já discutimos no post citado, a 'colisão', ou seja, o momento de menor aproximação entre Marte e o cometa não será visível do Brasil. Assim, o melhor mesmo é tentar ver o par no dia 18 de Outubro de 2014, conforme mostra a Fig. 5, que prevê uma distância aparente de aproximadamente 43 minutos de arco (pouco mais que uma lua cheia) na data. 


Fig. 5 Posição no céu do cometa Siding Spring na noite de 18 de Outubro de 2014  (21:15 TL).  O momento de máxima aproximação não será visível  no  Brasil. A distância entre Marte e o cometa nesta data é de aproximadamente 43 minutos de arco que serão consumidos nas horas seguintes. Nesse horário, o par, entretanto, estará muito baixo, próximo ao horizonte ocidental.
O espetáculo será muito maior, porém, como visto deste a superfície de Marte, dada a proximidade do cometa do planeta (aproximadamente 140 mil quilômetros).

Mais informações sobre o C/2012 K1 (Panstarrs) serão fornecidas aqui em 2014. Por enquanto, esse cometa permanece como o mais brilhante de 2014. Vamos aguardar, quem sabe, a descoberta de algum outro ainda mais brilhante ao longo do ano.

Referências







02 dezembro 2013

A questão dos nomes astronomia, astrofilia e o significado da astronomia amadora.

D. Pedro II (1825-1891)
O dia 2 de Dezembro é conhecido nacionalmente como 'dia do astrônomo'. Esse é também o dia de nascimento de Pedro de Alcântara ou D. Pedro II que é reconhecido (merecidamente) como patrono da astronomia brasileira. Sempre nesse dia surge a dúvida se a comemoração deve incluir não somente os astrônomos profissionais mas os amadores também. Para tentar resolver a dúvida, devemos antes discutir um pouco sobre o significado próprio dos nomes usados para designar a ciência da astronomia e a prática da observação do céus "sem compromisso", como realizada por amadores.

Por que as ciências que estudam fenômenos, ocorrências relacionados à vida se chama "biologia", e aquela que estuda fenômenos e ocorrências relacionados aos astros se chama "astronomia"? Além disso, não se fala em uma 'física amadora' ou uma 'biologia amadora'; não se ouve falar (em clubes) de 'físicos amadores' ou 'biólogos amadores', então, porque existiria 'astronomia amadora'? 

A julgar pela disposição das palavras, o certo seria substituir "astronomia" por "astrologia" (no mesmo sentido de "biologia"), enquanto que o significado presente de "astrologia" deveria ser "astromancia" (de 'mancia' que significa 'adivinhação, ou seja, a astromancia seria a prática da adivinhação futura pela observação dos astros). 

O mesmo ocorre com o uso do temo 'astrônomos amadores' para designar pessoas que têm interesse diletante pelos astros. De fato, a astronomia amadora nada tem de científica na acepção correta desse termo porque a atividade dos 'astrônomos amadores' apenas guarda com os astrônomos profissionais o objeto da observação dos astros. Astrônomos amadores, com raríssimas exceções, não estão envolvidos com o desenvolvimento ou exploração ativa de um paradigma científico ou teorias criadas para explicar fenômenos celestes.

De fato, pode-se destacar três "áreas de atuação" para astrônomos amadores:
  1. Especialização na aquisição de imagens de corpos celestes por meio de equipamentos construídos amadoristicamente ou adquiridos no mercado. São os "imagers" em inglês;
  2. Dedicar-se ao ensino e divulgação de astronomia para crianças, jovens e adultos;
  3. Colaborar com alguma campanha de observação no levantamento de dados em rede para uso por profissionais (estrelas variáveis, cometas, análise de dados online de projetos de 'big science': telescópios espaciais etc) ;
Recentemente, surgiu uma quarta classe de 'interessados em astronomia', que não observam nada no céu, mas passam horas na frente de computadores replicando mensagens e textos de material sobre astronomia e imagens astronômicas. De qualquer forma, a chance de uma contribuição efetiva ao progresso da ciência astronômica só é relevante com o terceiro grupo listado acima e, mesmo assim, na dependência das descobertas serem validadas por algum profissional.

Apenas porque têm um interesse diletante pelo céu, quando chegam mesmo a desenvolver algumas técnicas de observação, ou se valem de recursos tecnológicos semelhantes a de astrônomos profissionais, não os coloca no mesmo patamar de atividade desses últimos...

Porém, muitos diletantes em astronomia amadora acabam fazendo eco a vozes do cientificismo ingênuo de nossa época e pregam uma 'religião cética', quando pretendem extrapolar as descobertas específicas da ciência astronômica para qualquer outro fenômeno. Mas,  ciência de verdade nada tem a ver com esse cientificismo. Ciência é uma atividade complexa, que exige anos de treinamento e dedicação e que não se resume a tirar algumas fotos do céu ou fazer um relatório de observação.

Mas, existiria um nome mais preciso para designar a prática da astronomia amadora conforme as três classes descritas acima? Uma boa sugestão seria talvez um neologismo como 'astrofilia': astrônomos amadores seria 'astrófilos' ou praticantes da 'astrofilia' (sem o termo amador adicional, 1).

O fato é que, consagrado pelo uso e sem nenhuma referência à lógica da semântica original dos radicais, a atividade de 'astronomia amadora' está incorporada em parte ao imaginário popular como uma prática científica, mas ela verdadeiramente não é. Isso não muda em nada o fato de que as comemorações do dia 2 de dezembro devem, merecidamente, abarcar todo os interessados, sejam eles profissionais ou meros amantes do céu.

Referências

(1) Esse nome parece ter sido adotado por amadores italianos. Ver http://www.astrofili.org/