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01 novembro 2015

A misteriosa luz cinérea de Vênus: vamos tentar observar?

Fig. 1 Desenhos mostrando a luz cinérea de Vênus como feitos pelo astrônomo amador Valdemar Axel Firsoff entre 1958 e 1959. Para tanto, ele usou telescópios refletores entre 165 mm e 320 mm de diâmetro, com aumentos de 200 X a 300 X e diversos filtros.  Fonte: British Astronomical Association (1).
Vênus é o planeta que nos aparece com o maior brilho de todos. Sua visibilidade é notória na forma da estrela d'alva ou da estrela vespertina, dois dos nomes pelos quais esse planeta é conhecido em seu aparecimento (elongações) matutino e vespertino. 

O brilho de Vênus é ainda mais notável através do telescópio. Conforme sua posição em relação ao sol (fase) e diâmetro do instrumento, é necessário usar filtros para observá-lo de forma cômoda. O brilho de Vênus é tão grande que pode causar ofuscamento. Porém, por causa de sua espessa cobertura de nuvens, a contemplação de Vênus pode se tornar algo monótono. Um crescente alvinitente invariável, algo modificado em suas bordas pelo efeito da atmosfera terrestre é o que se vê na maior parte do tempo em que o planeta se aproxima de uma conjunção inferior (Fig. 3).

Giovanni Riccioli 1598- 1671
Porém, afirma-se, o observador perspicaz e paciente poderá ver - com alguma ou muita sorte - algo mais no disco de Vênus.   Diz-se que o astrônomo Giovanni Riccioli, em 1643 (alguns anos após a invenção do telescópio) distinguiu todo o disco venusiano que se destacava em relação ao seu crescente. Na Terra, a chamada "luz cinérea da lua" é vista durante as fases minguante e crescente da lua alguns dias antes e depois da lua nova, respectivamente. Mas, essa luz é provocada pela reflexão da luz do sol na superfície da Terra que, marcada com nuvens igualmente alvinitentes, acaba tornando o disco lunar  plenamente visível no fino crescente. 

Mas, no caso de Vênus, essa explicação não serve. Essa luz é conhecida como "Ashen light of Venus" em inglês e constitui um mistério que ainda cerca o planeta. Outros observadores habilidosos como W. Herschel e J. Schöter também reportaram ter visto a luz cinérea. A Fig. 1 traz um desenho feito pelo astrônomo Valdemar Firsoff, no final da década de 1950, da luz cinérea de Vênus. Com descrito em (1), em seu livro "Life Among the Stars" (2), Firsoff descreve o aspecto do fenômeno em uma última observação feita em março de 1961:
"... à media que apliquei o canto do olho para observar, consegui discernir pequenos pontos de luz, como estrelinhas enevoadas, espalhadas aqui e acolá".  
Esse fenômeno cai na categoria dos "mistérios" visto que não é observado por todos, é esporádico e, provavelmente, requer habilidades e condições especiais de observação. O mistério que envolve o caso é ainda maior porque as sondas interplanetárias que visitaram o planeta não detectaram os tais pontos de luz. Por exemplo, no ano de 1985, a espaçonave Vega da ex-URSS (3) lançou uma sonda no lado escuro de Vênus com sensores de luz especiais. Porém, nada foi detectado, talvez pelo fato de os balões que sustentaram a sonda terem permanecido nas camadas superiores da atmosfera venusiana. Trata-se, portanto, de um problema que tem quase 400 anos que, além disso, nunca foi registrado fotograficamente.

Teorias para explicar a luz cinérea venusiana não faltaram: desde explicações baseadas em ilusão de óptica até fogos de artifício lançados pelos habitantes de Vênus na atmosfera para coroação de seu imperador. A teoria da ilusão, de efeitos de auroras atmosféricas e de relâmpagos são as mais aceitas sendo que a última parece ser a mais provável (4). 

Como observar?

No passado, foram feitas diversas "campanhas de observação" da luz cinérea, que se podem ler tanto em (1) como em (3). Qual seria a importância de se observar o fenômeno? Poderíamos dizer que observações modernas - principalmente se puderem ser acompanhadas de registros fotográficos - podem auxiliar a resolver parte do mistério ou determinar com maior precisão as condições necessárias para sua observação. Pode acontecer que a luz cinérea esteja fortemente correlacionada com a atividade solar ou ocorrências desconhecidas na atmosfera do planeta ou, ainda, uma interação entre essas duas coisas. 

De qualquer forma, o monitoramento telescópico da luz cinérea, pode ser uma atividade interessante para grupos de amadores, o que contrasta com a monotonia da observação de Vênus. Segundo a BAA (1), aberturas acima de 75 mm são necessárias para observar a luz. A melhor condição de observação exigirá que o céu esteja o mais escuro possível, o que pode ser um problema dependendo da elevação do planeta em relação ao horizonte. A fase do planeta também impõe uma condição, já que a luz cinérea seria observada o mais próximo possível da conjunção inferior, quando ocorre o fino crescente (Fig. 3), o que implica maior proximidade do planeta com o sol. Janelas de observação com céu escuro suficiente para prover contraste ao fenômeno são bastante curtas com a proximidade da conjunção inferior. O uso de filtros que bloqueiem o verde e o vermelho também é indicado, como comentado em (3).

Amadores mais avançados poderiam tentar obter mais dados além daqueles reportados por G. Newkirk em 1959 (Ver (5)), que usou um espectrógrafo para registar emissões de ultravioleta da parte escura do disco de Vênus. Essa emissão foi associada a existência de atividade elétrica, o que, provavelmente, reforça a tese defendida em (4), porém, não é uma causa definitiva do fenômeno que se dá na forma de luz visível

Há, porém, ocasiões especiais em que a luz cinérea poderia ser detectada. Durante fenômenos de ocultação - principalmente quando Vênus reaparece com seu lado escuro primeiro no limbo escuro da lua. Durante esses raros episódios, o monitoramento fotográfico do limbo - inclusive com ajuda de espectroscópios - poderia revelar "definitivamente" a luz cinérea. 

Essa é a ideia no artigo em (6), que também contém um vídeo de uma tentativa recente de observação feita na Austrália. O resultado reportado no vídeo foi negativo mas, somos da opinião que isso aconteceu por causa da qualidade do instrumento usado (principalmente câmera de baixa sensibilidade). Portanto, para fenômenos delicados como esse, é preciso ainda contar com a ajuda de equipamentos sensíveis o suficiente para o registro.

Fig. 3. Imagem por Herbert Raab, Maio de 2004, Linzer Astronomische Gemeinschaft desde Linz, Áustria. Refletor Cassegrain de 50-cm f/10, filtro Wratten 29 "vermelho profundo", câmera de vídeo Mintron 12V1C-EX B/W, imagem a partir de processamento de vídeo de 2-min de duração.
Dados de registro

Segundo (3), alguns dos dados que se deve registrar durante as observações da luz cinérea são:
  • Data, tempo universal e coordenadas do local de observação;
  • Tipo de instrumento, aumento, filtros usados e dispositivo de ocultação (se usado para bloquear a luz de Vênus);
  • "Seeing" e transparência do céu por meio de escalas que sejam adequadas e universalmente aceitas;
  • Distribuição e duração das emissões eventualmente observadas;
  • Comparativo de brilho dos padrões vistos através de vários filtros;
  • Presença de outros fenômenos: extensões dos cúspides, irregularidades no terminador ou escurecimento aparente do lado escuro em relação ao brilho do céu;
  • Registros feitos fotograficamente, principalmente com recursos de filtro no ultravioleta próximo.
Atualização (22 Novembro de 2015)

O astrônomo amador e astrofotógrafo Richar Bosman (7) fez o seguinte registro de Vênus:

Fig. 4. Imagem de Vênus capturada por R. Bosman. Fonte: http://www.astrofotografie.nl/venus_dark_side1.htm
Trata-se de uma sequência de imagens de longa exposição, obtida com um telescópio de 280 mm. Na parte final o que ele chama de "dark side" pode ser visto, onde a região superexposta foi retirada. Aparentemente, esse parece ser o primeiro registro fotográfico que conhecemos da luz cinérea de Vênus, mostrando que o fenômeno observado desde o Século 17 existe mesmo.





Referências

(2) V.A.Firsoff  (1974), Life Among the Stars, Allan Wingate, p. 77.
(4) L. V. Ksanfomaliti (1980) "Discovery of frequent lightning discharges in clouds on Venus." Nature. 244-246.    
(5) Newkirk, G. (1959). The airglow of Venus. Planetary and Space Science, 1(1), 32-36.