Mostrando postagens com marcador ocultações lunares. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador ocultações lunares. Mostrar todas as postagens

05 julho 2021

O software Occult - previsão de ocultações e outras efemérides

Fig. 1 Tela de uma das janelas do software Occult prevendo a ocultação da estrela θ Ophiuchi em 13 de setembro de 2021 as 22:11 TU, para a localidade onde o autor deste blog mora.

Há muitos eventos no céu que acontecem conforme a posição geográfica do observador. Esses são fenômenos "locais", que exigem que o observador tenha sua posição fornecida para que o evento seja previsto e observado corretamente. Ocultações (tanto por asteroides como pela Lua) são alguns desses fenômenos.

Tabelas com ocultações podem ser encontradas, por exemplo, em sites como o da IOTA (International Occultation Timing Association) [1] para diversas localidades. A observação desses eventos requer planejamento antecipado, e, muitas vezes, o uso de equipamentos de cronometragem. De fato, para que serve a observação de ocultações? Conforme  [1]:

Uma ocultação é um das visões mais extraordinárias que um astrônomo amador pode testemunhar. Ocultações são como eclipses, pois envolvem a passagem de um objeto celeste em frente a outro. Esse processo cria a oportunidade de estudar a natureza de um ou de ambos os objetos, e oferece a astrônomos amadores e profissionais excitantes oportunidades de pesquisa continuada. Se, como astrônomo amador ou dono de telescópio, você sente necessidade de ser relevante, fazer algo útil em sua vida e ver coisas que muito poucos viram, então ocultações foram feitas para você. Os fenômenos de ocultação oferecem possibilidades de descobertas e pesquisas. É possível ao amador descobrir novas companheiras de estrelas, ajudar e melhorar a estimativa dos diâmetros polares do Sol e da Lua, identificar a existência de possíveis satélites orbitando asteroides, melhor nosso conhecimento da altura das montanhas lunares e as profundidade de vales lunares nas regiões polares, determinar correções para erros de efemérides e avaliar erros na posição de estrelas, melhor nosso conhecimento da forma e tamanho de asteroides e muito mais, tudo através da ciência das ocultações. Não importa onde se vive no mundo. Se você tem acesso a um computador e possui um telescópio de ao menos 4 a 6 polegadas, se você sabe sua posição geodética seja por meio do GPS ou de um bom mapa topográfico, tem uma boa fonte de sinal horário e gravador, você pode fazer suas próprias observações desses raros e críticos eventos.

O que acontece, porém, se onde eu moro não aparece nessas tabelas? Como faço para saber quais os principais eventos de ocultação?

Para isso existe o software Occult. Na sua versão 4.12.9.1 esse programa para desktop permite calcular diversos fenômenos interessantes para as coordenadas do observador. Essas coordenadas são facilmente encontradas por meio de aplicativos de GPS para celular.  

O software Occult pode ser instalado gratuitamente com as instruções fornecidas em [2]. 

Depois de instalar, o usuário deve ir para a seção de manutenção ("Maintenance" -> "General downloads", no canto inferior esquerdo, ver Fig. 2) e baixar os diversos bancos de posição de estrelas, bem como de elementos orbitais atualizados de asteroides, planetas etc). Isso é feito de forma regular e está instruído no software.

Fig. 2 Janela principal do Occult.

Conforme mostrado na Fig. 2, são várias as possibilidades de previsão:

  • Para ocultações de asteroides;
  • Para ocultações por planetas e pela Lua;
  • Tabelas de efemérides;
  • Predições lunares;
  • Fenômenos relacionados aos satélites de grandes planetas;
  • Eclipses e trânsitos.

Prevendo eclipses

Eclipses exigem a menor quantidade de informação de entrada possível. Basta clicar no botão e escolher entre eclipses do sol, da lua ou trânsitos de Vênus e Mercúrio pelo disco solar. Clicando-se em "lunar eclipses" ficamos sabendo que a data de 16 de maio de 2022 nos trará um eclipse lunar total que será amplamente visto nas Américas como mostra a Fig. 3.

Fig. 3 Previsão do Occult para o eclipse lunar total de 16/5/22. 

Essa figura mostra diagramas da Terra como vista desde a Lua eclipsada. Como a America do sul é visível, então a Lua estará em boa posição no céu, confirmando 04:11 TU como o horário de máximo. 

Atenção, todos os horários no Occult estão em "Tempo Universal" (TU), de forma que é necessário  converter para o fuso do horário local e prestar atenção para a incidência de horários de verão!

Ocultações lunares

Vá direto para "Lunar predictions" e, em seguida, "predictions for single sites". Na tela que aparece, o usuário deve escolher "use single" para entrar com coordenadas de sua posição e altitude. Chamei o meu lugar de "Home", e o Occult grava essa posição para uso futuro.

Uma boa experiência é calcular ocultações para estrelas mais brilhantes que mag. 4.0 (escolha "XZ < 4.0"), deixando as opções "grazes only" e "doubles only" não selecionada. Essas opções somente selecionam "ocultações razantes" ou por estrelas "duplas". Um bom período de cálculo é um ano. O Occult passa então a varrer o calendário buscando por ocultações conforme os requisitos de entrada. As primeiras duas entradas retornadas preveem uma ocultação para a minha localidade (long -48°0'40.3" e lat -15°50'21.8" e 1200 metros de altitude) conforme a tabela abaixo:

Occultation prediction for Home

E. Longitude - 48  0 40.3,  Latitude -15 50 12.8,  Alt. 1200m;  Telescope dia 15cm;  dMag 0.0

       day  Time     P   Star  Sp  Mag  Mag    % Elon Sun  Moon   CA   PA  VA  AA

 y   m  d  h  m   s       No  D     v    r V  ill     Alt Alt Az   o    o   o   o

21 Jul 20  5 19 46   m    2307 B1  3.9  4.0   80+ 126      7 250   4S 188  83 178

   R2307 = Kow Kin = omega 1 Scorpii

   Distance of 2307 to Terminator = 3.2"; to 3km sunlit peak = 0.0"

21 Jul 20  5 19 51   Gr   2307 B1  3.9  4.0   80+ 126      6 ** GRAZE: CA  3.5S; Dist. 39km in az. 339deg. [Lat =-15.46+0.36(E.Long+48.01)]

   Distance of 2307 to Terminator = 10.9"; to 3km sunlit peak = 0.0"

21 Sep 13 21  7 43   D    2500cB2  3.3  3.4v  50+  90  -1 81 186  35S 149 142 146

   R2500 = theta Ophiuchi

      2500 is double: AB 3.4 6.2 0.08"  20.2, dT = -0.2sec

      2500 is a close double. Observations are highly desired

      2500 = tet Oph, 3.25 to 3.31, V, Type BCEP, Period 0.140531 days, Phase  55%

A primeira estrela (amarelo acima) é ω1 Scorpi ou "Kow Kin" no Escorpião, para o dia 20 de julho de 2021 às 5:19 TU, e se trata de uma ocultação rasante, com distância estimada em 3.2". Enquanto que o segundo evento (verde acima) é em 13 de setembro de 2021, às 7:43TU para θ Ophiuchi.  Conforme mostrado na Fig. 1, uma representação gráfica da Lua e da posição da estrela é mostrada ao se clicar na linha do evento assinalado para o dia 13 de setembro. O software também comenta a ocultação. Por exemplo, para θ Ophiuchi, a observação do evento é "altamente desejável" considerando que se trata de uma estrela dupla cerrada - ou seja, se espera que a variação do brilho não seja abrupta.

Ao se escolher a opção "planetas", o Occult calcula eventos de ocultação lunar para planetas. Para minha localidade, estão previstas ocultações de Júpiter em 22 de março e 2023, Mercúrio em 4 de dezembro de 2021 e 24 de outubro de 2022, Urano em 22 de julho de 2022. O evento de 22 de março de 2023 é previsto para as 21:13 TU, e uma imagem Stellarium confirmando o que vai ocorrer é visto na Fig. 4 para 18:12 do tempo local. De fato, na data, a Lua se encontrará recém saída da fase nova e a cerca de 13° acima do horizonte oeste! Uma rápida consulta ao mapa lunar revela que a ocultação de Mercúrio pela Lua em dezembro deste ano será muito difícil de ser observada, pois a Lua estará muito próximam do Sol. 

Fig. 4 Confirmação da ocultação de Júpiter pela Lua pelo Stellarium, como previsto pelo Occult, para a minha localidade em 22 de março de 2023 as 18:12 do tempo local. 

Para conhecer a região da Terra onde essa ocultação será visível, basta seguir o caminho "Lunar Predictions" -> "Predictions of single objecs", escolher "Planets: Jupiter" e ajustar os anos da busca (p. ex., entre 2021 e 2026). O resultado é mostrado numa lista na parte inferior da janela. Para 22 de março de 2023, o gráfico da Fig. 5 demonstra a região de observabilidade do evento da Fig. 4.

Fig. 5. Gráfico do Occult da região de observaçao da ocultação de Júpiter pela Lua em 22 de março de 2023 ou o evento simulado na Fig. 5.

Fenômenos nos satélites de Júpiter e Saturno

Ocultações ou eclipses nos satélites dos grandes planetas Júpiter e Saturno também são possíveis e demonstram a complexa projeção de luzes e sombras nesses sistemas de múltiplos satélites e de rica dinâmica. A observação deles pode ser difícil, a depender da resolução óptica do instrumento usado e das condições de observação.

De razoável interesse são os eclipses e ocultações "mútuas", que se pode escolher ao clicar em "satellite phenomena" da janela principal do Occcult. Escolhendo Saturno e um período de 3 anos desde julho de 2021, busquei por eventos com separação de até 0.5" entre luas de Saturno. O resultado foram eventos quase todos concentrados em 2024 (provavelmente por causa do alinhamento enre o plano orbital dos satélites e a eclíptica). 

Fig. 6 Previsão do Occult para "quase ocultação" entre Encélado e Mimas para 1 de junho de 2024 as 6:30TU. 

Diversos eventos são previstos para junho e julho de 2024. Em 1 de junho de 2024, às 6:30 TU, p. ex., ocorre um evento desse tipo entre Encélado e Mimas, com separação inferior a 0.5", não talvez para cacterizar uma verdadeira ocultação. A escala mostrada na Fig. 6 (de 10") demonstra que grandes aumentos (e uma grande abertura, talvez um telescópio de 30 cm de diâmetro) são neecessários para observar esse evento.

Ocultações por asteroides

A observação de ocultação por asteroides pode ser planejada e reportada pelo Occult, que foi certamente a principal utilidade planejada desse software. Pode-se tanto tentar observar ocultações em qualquer lugar do mundo, como tentar encontrar ocultações futuras na posição geográfica de seu observatório. Eu tentei essa última opção clicando em "Asteroid Predictions-> Search for and list occultations". O processo exige que se tenha carregado os catalogos Tycho 2 (para plotar os mapas) e uma das versões GAIA (no meu caso escolhi até mag. 12). 

Escolhi um período de 2 anos de busca desde julho de 2021. O resultado deve ser gravado em um arquivo, que é ajustado automaticamente pelo Occult. Usei como "search filters" passagens a 300 km de minha posição geográfica (basta clicar e "select site", como mostra a Fig. 7. 

Fig. 7 Quadro de opção dos filtros para o cálculo de ocultações por asteroides em uma localização específica. 

Não se deve aumentar muito o limite de magnitude das estrelas escolhidas, pois ocultações de estrelas brilhantes são raríssimas e o resultado será quase sempre vazio (estrelas brilhantes aqui são aquelas com magnitude abaixo de 9.0!). No  meu caso, limitei o brilho à mag. 12. Ao se clicar no botão "Search" da área 5, o software passa a varrer uma lista de asteroides (quase 5000 corpos) por ocultações sobre a região escolhida. Para a minha localidade, apenas uma ocultação foi encontrada, mesmo assim, ela não cai exatamente sobre minha posição, mas a centenas de quilômetros ao norte. Isso pode ser visto no gráfico da Fig. 8, que também pode ser gerado clicando-se em "Asteroid Predictions-> List and display occultations" e escolhendo o arquivo gerado da busca. O processo de busca é lento se o período buscado for longo (mais de 1 ano). 

Fig. 8 Resultado da busca de ocultações feitas pelo Occult para a minha localidade (representada pela cruz azul no mapa). Trata-se de um evento previsto para o dia 4 de setembro de 2022, que não ocorrerá na posição pedida, mas a centenas de quilômentros ao norte, e durará aproximadamente 8 segundos.

O evento encontrado é a ocultação da estrela TYC 582101392-1 de mag. 11.4 por 5 Astraea em 4 de setembro de 2022. A previsão é de uma queda de 0.6 magnitudes durante aproximadamente 8.3 segundos. Um mapa detalhado do céu da posição da estrela é mostrado na parte inferior direita. Esse mapa pode ser usado para planejar a observação e pode ser ampliado.

Caso eu deseje observar esse evento em particular, posso recalcular as posições no mapa a fim de encontrar um sítio de observação apropriado. Também é aconselhável refazer o cálculo com elementos orbitais mais atualizados quando próximo da data do evento, para se refinar a posição. Nesse caso, acompanhar ocultações se transforma também em uma oportunidade de turismo, e meu observatório deve ser transportado até o local para acompanhar o desaparecimento breve da estrela assinalada.

Conclusões

O software Occult é uma ferramenta razoável, não só para previsão de ocultação mas também como calculadora de efemérides astronômicas. Os cálculos que ele realiza, de fato, são bastante complexos. Ele substitui com vantagens os antigos "almanaques astronômicos", porque customiza as saídas para a posição do observador. 

O usuário não deve esperar por uma interface simples e intuitiva: não há, certamente, muita intuição no manuseio das janelas, mas tudo pode ser aprendido rapidamente, facilitando seu uso contínuo. Nem há qualquer equivalente para celulares (Android etc). Esse software deve ter suas bases de dados atualizadas constantemente para que resulte em cálculos precisos. Comparações rápidas feitas com o Stellarium demonstram a excelência da ferramenta, que facilita encontrar diretamente os eventos mais relevantes de ocultação onde o observador morar. Isso não significa que não haja problemas - de fato, tudo depende bastante do grau de atualização das bases usadas para os cálculos em qualquer software que se use. 

O usuário deve prestar atenção à base de tempo que ele emprega para reportar ocultações calculadas com o Occult e verificadas em outros softwares. Por causa da latência em sistemas de rede, ele não deve confiar cegamente no tempo fornecido por servidores que são usados para se calibrar, por exemplo, dispositivos móveis. Esse é um assunto mais complicado que merece um post futuro dedicado. Erros de timing são esperados e o planejamento da observação de um evento de ocultação serve para se calibrar bases de dados e de modelos dinâmicos dos softwares, exigindo que os relógios usados estejam sincronizados com relógios confiáveis.

Caso  o leitor queira apenas uma lista rápida de ocultações previstas para 2021, vá para [3][4]. 

Referências

[1] https://occultations.org/

[2] Herald D. (2021). Occult v4.12.x.x, Occultation Prediction Software. Disponível em http://www.lunar-occultations.com/iota/occult4.htm 

[3] http://www.lunar-occultations.com/iota/bstar/bstar.htm 

[4] Asteroid occultations: https://www.asteroidoccultation.com/ 

07 setembro 2016

Ocultação de Mercúrio pela Lua (29 de Setembro de 2016)

Simulação Stellarium do evento de ocultação de Mercúrio pela Lua em 29/9/2016, conforme visto desde Brasília DF, por volta das 5:10 TL. A Lua é aqui representada por seu limbo na parte superior. Mercúrio estará em fase. Será um fenômeno de difícil observação, pois o par Mercúrio-Lua estarão a menos de dois graus do horizonte oriental.

A aurora do dia 29 de setembro de 2016 será marcada por uma ocultação do planeta Mercúrio pela Lua, quando apenas a imersão de Mercúrio poderá ser vista. Esse fenômeno não consta no site da IOTA (International Occultation and Timing Association) que, por uma razão que desconhecemos, não lista nenhuma ocultação de Mercúrio (1). Trata-se do último evento desse tipo em 2016, de uma série de três ocultações (2), todas elas visíveis apenas no hemisfério sul (que ocorreram em 3/6/2016 e 4/8/2016, mas que não foram visíveis no Brasil). 

Fig 1 Mapa da projeção da região onde a ocultação será visível, que cobre boa parte do território brasileiro.
Desta vez, o mapa da Fig. 1 traz a região onde ela será visível, o que favorece o Brasil. Entretanto, a observação desse fenômeno será algo difícil porque a Lua se encontrará muito baixa no horizonte oriental, em fase de um fino minguante. Para a região de Brasília, Mercúrio e a Lua poderão ser vistos separados antes das 5:10 TL, após o que Mercúrio será ocultado. Na ocasião, Mercúrio estará apenas a 1 grau e 49' de elevação em relação ao horizonte, o que implica numa proximidade muito grande com a bruma da aurora (qualquer nuvem próxima ao horizonte poderá impedir a visualização do fenômeno). Ainda assim, os instantes que antecedem a ocultação serão os melhores momentos para algum registro fotográfico.

Referências


04 janeiro 2016

Ocultações como método de medida celeste.

Registro de uma ocultação de Saturno pela Lua em 2 de março de 2007 por Dave Smith (fonte: http://astrosnaps.co.uk/). O tempo de ocultação do disco do objeto pode ser usado para se determinar o diâmetro aparente e "real" conhecendo-se sua distância.  
Ocultações lunares sempre foram ocasiões importantes de medida em astronomia. Isso porque a velocidade da lua no céu é conhecida e, a partir dessa velocidade, é possível usar a lua como uma espécie de "paquímetro cósmico" e medir tamanhos de objetos ocultados. O objetivo esse post é mostrar de forma aproximada como isso pode ser feito. Para isso usamos de geometria, uma disciplina muito antiga, irmã da matemática. 

Qual é a ordem de grandeza desse "paquímetro cósmico"? O tempo de revolução lunar (período de revolução da lua) em torno da Terra deve descontar o movimento do par "Terra-Lua" em torno do próprio sol. Portanto, para se ter um valor mais correto para a velocidade angular da lua, devemos determinar essa velocidade em relação ao fundo do céu e usar o chamado "mês lunar sideral", que é de aproximadamente 27.322 dias e não o mês sinódico (1). Uma vez que uma dada posição no terminador lunar varre 360 graus, então a velocidade angular aparente média da lua (vL, ver Fig. 1) em torno da Terra é

vL=360*60*60/(27.322*24*60*60)=360/(27.322*24)=0.549"/s (segundos de arco por segundo)

que é igual a 0.549 graus por hora ou minutos de arco por minuto. Portanto, em um minuto (=60 s), a lua cobre aproximadamente 32.94 segundos de arco no céu.  Isso significa que, se tivermos como medir com precisão o tempo, podemos usar o período da ocultação, que chamamos aqui Δt (início da imersão no limbo até desaparecimento completo), como uma medida de extensão. Com o conhecimento da distância do objeto, é possível saber seu tamanho. Do contrário, conhecendo sua dimensão, pelo tempo de ocultação determinamos sua distância. 

Por exemplo: Sabemos que o diâmetro equatorial de Júpiter (Dia_jupiter) é da ordem de 139 820 km. Ele foi ocultado pela lua, e o tempo Δt de desaparecimento do disco de Júpiter foi de 1 minuto e 7 segundos ou ~67 segundos. Qual a distância de Júpiter da Terra?

No cálculo da resposta, desprezamos o movimento de translação da Terra, o movimento próprio de Júpiter durante seu desaparecimento, assim como diferenças de posição geométrica (parte do terminador lunar onde ocorreu a ocultação) e admitimos que ela se deu ao longo do "equador" lunar. Uma regra de três simples, permite obter sua distância D,

(Dia_jupiter)/D= (67s/60s)*32.94"=36,783"=1.78328E-4 rad.

O resultado final deve ser escrito em radianos para se obter uma relação direta com a proporção de distâncias (Fig. 1). Invertendo-se a equação encontramos D = 139820km/1.78328E-4=7.84E8 km ou aproximadamente 784 milhões de quilômetros. Veja o papel importante da velocidade vL na equação acima. Ela é a constante que resulta no diâmetro aparente de Júpiter (36.78") para se obter a razão das distâncias em radianos.  Esse diâmetro também poderia ser obtido por um micrômetro filar mas, mais recentemente,  o registro de imagens tornou a astronometria uma ciência mais precisa.
Geometria do fenômeno da 
ocultação lunar.

Aplicação às estrelas.

Sem dúvida, o método da ocultação lunar permite determinar diâmetros ou distâncias. O mais natural é que sirva, no sistema solar, para se inferir o diâmetro de objetos já que suas distâncias são calculadas a partir da dinâmica de movimento (3a lei de Kepler). Mas, poderiam as ocultações serem usadas para se medir estrelas?

Para saber isso, basta calcular o tempo de ocultação de uma estrela, digamos, a 10 anos-luz de distância da Terra (que está praticamente na vizinhança do Sol) admitindo novamente que se trata de uma ocultação no "equador lunar" (ou seja, não é "rasante"). Esse tempo de ocultação deve ser comparado ao período de amostragem do medidor - no caso, representamos como o tempo de tomada de cada pose, ou tempo de exposição da uma câmera. Esse cálculo é importante porque vai mostrar que não basta ter um método, é preciso haver resolução suficiente para sua medida.

Imaginemos uma estrela com o diâmetro igual ao do Sol, ou dia_sol = 1 394 000 km. Agora, 1 ano-luz é igual a 9.461E12 km. Portanto, o diâmetro aparente da estrela será de

dia_sol/D = 1394000km/9.461E13km = 1.4734E-8 rad. 

Ora, o ângulo resultante da razão entre as distâncias corresponde a um diâmetro aparente de 5.3E-5". Para saber o tempo de ocultação do disco da estrela, dividimos pela velocidade aparente da lua:

Δt=5.3E-5"/0.549"/s ~ 1.E-4 s

que é aproximadamente igual a 1/10000 segundos! (um valor mais preciso é 9.66E-5 s). Para se determinar o tempo de ocultação com razoável precisão, uma câmera com resolução temporal dez vezes maior é recomendada. Portanto, para se medir tal diâmetro de estrela, uma câmera com 100 mil quadros por segundo seria necessária. Existem câmeras especialmente desenhadas e construídas - para fins de pesquisa - com essa "frame rate" ou até mais (2), porém, nenhuma câmera comercial está disponível com tal característica. 

Portanto, nenhum amador, munido das melhores câmeras existentes, conseguirá presentemente medir o diâmetro de uma estrela próxima com base no método da ocultação. Ainda que a estrela estivesse 10 vezes mais próxima (a 1 ano-luz, por exemplo) ou fosse 10 x maior que o Sol, ainda assim seria impossível resolver seu diâmetro por esse método.  E a situação é ainda pior para a imensa maioria das estrelas que estão a centenas de milhares de anos-luz de distância da Terra...

Referências



02 maio 2015

Ocultações de estrelas pela Lua em 2015

Fig. 1 Mapa disponível no site da IOTA sobre a ocultação da estrela β do Capricórnio visível em 10 de Maio de 2015 em grande parte do Brasil.
Uma lista de oculatações de estrelas brilhantes pela Lua já está disponível no site da IOTA (1). Para a América do Sul, algumas das ocultações previstas (e que serão amplamente observadas em grande parte do território brasileiro) são:

Data    Designação Nome   Mag. Tipo %IL  Local 
06 May     ZC2399  24 Sco 4.9 RD    95-  nw South America
10 May     ZC2969  β Cap  3.1 RD    63-  n South America
26 Sep     ZC3269  θ Aqr  4.2 DD    93+  central South America, w central Africa
16 Dec     ZC3269  θ Aqr  4.2 DD    32+  s South America


Interessante, por exemplo, é o caso de β do Capricórnio (Fig. 1), visível em 10 de Maio e que está classificado como "RD" (reappearance dark), ou seja, a estrela reaparecerá no lado escuro (não iluminado) da Lua. 

Para a cidade de Campinas, SP, ao seguir o link indicado (2) na relação acima, o horário de reaparecimento é 6:15 TU. Portanto, o fenômeno ocorrerá de madrugada.  O horário para diversas outras cidades está relacionado no link.

Há várias referências na rede que dizem que ocultações de estrelas pela lua não tem muito valor científico. Na verdade, o valor científico está ligado à capacidade de registrar o fenômeno. Se o observador tiver meios de medir a curva de luz da estrela com a ocultação, diversos fenômenos interessantes podem ser registrados (3). Por exemplo, se a estrela ocultada for binária muito fechada - de forma que não seja observada como binária visualmente mesmo com telescópios - a curva de luz pode revelar a presença da companheira. Estrelas binárias podem assim ser descobertas durante ocultações (4). 

Referências